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O nosso lugar num mundo cada vez mais quente

Se queremos ter um planeta habitável – e não há nenhum motivo para não o querermos – teremos de abandonar a extração e queima de combustíveis fósseis o mais rapidamente possível.

Depois de um inverno anormalmente frio, passamos diretamente para um verão anormalmente quente, sem primavera pelo meio. Será este um episódio atípico ou será mais um sinal de que entramos numa época em que já não é possível usar o “Borda D'Água” como um guia para o tempo durante o ano? A ciência inclina-se para a segunda hipótese.

Um relatório recente da Organização Meteorológica Mundial chama ao período entre 2001 e 2010 a “década dos extremos climáticos”.1 De acordo com os dados disponíveis, esta foi a década mais quente desde o início da segunda metade do século XIX, data em que começaram a ser recolhidos dados meteorológicos usando métodos modernos. Nove dos anos desta década constam entre os dez anos mais quentes de sempre e 2010 foi o ano mais quente desde que há registo.

A modificação profunda no clima global que isto representa é visível através dos extremos climáticos. Como exemplos destes extremos temos a onda de calor extrema na Europa em 2003, o furacão Katrina que varreu os EUA em 2005, o ciclone Nargis que arrasou a Birmânia em 2008, os incêndios florestais provocados pelo calor intenso que devastaram a Rússia em 2010 e as cheias sem precedentes no Paquistão em 2010. Os extremos climáticos da década resultaram na morte de 370 mil pessoas, um aumento de 20% relativamente à década de 1991-2000.

O aumento da temperatura média global é consequência do aumento da concentração de gases com efeito de estufa, os quais, por sua vez, são libertados sobretudo devido à queima de combustíveis fósseis (carvão, petróleo e gás natural). Antes do surgimento da máquina a vapor, a concentração de dióxido de carbono, o mais importante de todos os gases com efeito de estufa, na atmosfera era de 280 partes por milhão. Estudos entretanto realizados por cientistas da NASA, colocam em 350 o limite para além do qual a concentração de dióxido de carbono na atmosfera será suficientemente elevada para que a humanidade seja condenada a viver num clima diferente do que tem existido desde que os primeiros humanos surgiram no planeta. Esse limite foi já ultrapassado. Pior, neste ano o mundo atravessou o limite de 400 partes por milhão.

Os estudos da NASA foram encabeçados por James Hansen, que entretanto se demitiu da agência governamental dos EUA para se dedicar ao ativismo e à investigação científica independente. No seu mais recente artigo, Hansen estima que a exploração das reservas existentes de combustíveis fósseis existentes no mundo conduzirá o mundo a alterações climáticas extremas, o que destruiria quase toda a agricultura e tornaria a maior parte do planeta inabitável durante séculos. Ou seja, esta não é a altura para baixar os braços e concluir que o mal já está feito e nada mais há a fazer.

Se queremos ter um planeta habitável – e não há nenhum motivo para não o querermos – teremos de abandonar a extração e queima de combustíveis fósseis o mais rapidamente possível. Isto tem implicações práticas para a política de hoje. Implica que abrir mais uma central a carvão ou a gás natural que seja é um crime, como é um crime não investir em transportes públicos de qualidade ou não ter um plano de redução de consumo de energia pelo isolamento térmico de edifícios e instalação de painéis solares. Políticas energéticas baseadas num constante aumento do consumo e no uso de combustíveis fósseis e políticas de transporte baseadas no uso do automóvel para viagens curtas e do avião para viagens longas não são compatíveis com a nossa sobrevivência neste planeta.

O desafio é grande, de tal forma que exige um enorme esforço de mudança de infraestruturas, no qual os governos terão um papel central mas que será tanto mais bem sucedido quanto maior a participação das pessoas. A boa notícia é que há benefícios inerentes a mudar de paradigma. Uma casa com melhor isolamento térmico, por exemplo, oferece um maior conforto e uma redução na conta de energia e uma cidade livre de automóveis garante uma melhor qualidade do ar, menos acidentes e mais espaço para jardins e equipamentos de lazer.

A destruição das condições de vida pelo capitalismo fóssil torna ainda mais urgente e necessária a resistência à ganância e a defesa da solidariedade. Resistir não é apenas um dever de cidadania, é mesmo uma necessidade básica de sobrevivência.


Sobre o/a autor(a)

Ricardo Coelho, economista, especializado em Economia Ecológica
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