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A Grã-Bretanha à procura de uma identidade pós-hegemónica

O problema de hoje é que todas as escolhas que os britânicos têm pela frente são más.

Houve uma vez um tempo em que o sol nunca se punha no Império Britânico. Já não é assim! Em 1942, Winston Churchill saiu-se com uma frase famosa: “Não aceitei ser o primeiro-ministro do Rei para presidir à liquidação do Império Britânico.” Mas de facto foi exatamente o que fez. Churchill conhecia a diferença entre estrondo e poder.

Desde 1945, a Grã-Bretanha tem vindo a tentar, com considerável dificuldade, ajustar-se ao papel de antiga potência hegemónica. Temos de avaliar como isto é difícil, tanto psicologicamente quanto politicamente. Parece hoje que os dilemas da sua estratégia política finalmente implodiram, forçando-a a enfrentar escolhas que são todas más.

A Grã-Bretanha emergiu da Segunda Guerra Mundial como um dos Três Grandes – os Estados Unidos, a União Soviética e a Grã-Bretanha. Era, porém, o mais fraco dos Três. A estratégia que escolheu foi tornar-se no sócio menor dos Estados Unidos, a nova potência hegemónica. Isto chamou-se na Grã-Bretanha, pelo menos, de “relação especial”, a qual afirmava ter com os Estados Unidos.

O mais importante benefício que a Grã-Bretanha obteve desta relação especial foi a transferência imediata da tecnologia nuclear, permitindo que fosse, desde aquele momento, uma potência nuclear. Os Estados Unidos não tiveram de forma alguma um gesto semelhante para com a União Soviética, muito menos com a França. Os Estados Unidos procuravam um monopólio nuclear global partilhado apenas pelo seu sócio menor. Claro que, como sabemos, este monopólio foi desfeito primeiro pela União Soviética, depois pela França e pela China, e depois mais tarde por um número de outros estados.

Na Europa ocidental continental, os primeiros passos para a reconciliação começaram com a Comunidade do Aço e do Carvão. Esta incluía seis nações – França, Alemanha, Itália, e o trio do Benelux, isto é, Bélgica, Holanda, e Luxemburgo. Não incluía a Grã-Bretanha. Estes primeiros passos na direção da União Europeia de hoje foram na altura encorajados pelos Estados Unidos, como uma forma de tornar possível a incorporação das partes ocidentais da Alemanha no que viria a ser a Organização do Tratado do Atlântico Norte (Nato).

Não é certo que os líderes britânicos apreciassem esta nova estrutura continental europeia. Uma das formas de reação da Grã-Bretanha foi aparentemente tentar afirmar uma postura geopolítica independente dos Estados Unidos. Juntou forças com a França e Israel para atacar o Egito de Nasser. Os Estados Unidos seguiam nessa altura outra estratégia no Médio Oriente, e portanto não perderam tempo a apertar a Grã-Bretanha e insistir que retirasse as tropas. Uma humilhação para os britânicos, mas que também os lembrou dos limites da sua capacidade de serem independentes dos Estados Unidos.

Depois disto, porém, os Estados Unidos começaram a encorajar a Grã-Bretanha a entrar nas estruturas continentais. Em parte porque Washington começava a preocupar-se com a posição relativamente independente destas estruturas, inspirada pela França. Do ponto de vista dos EUA, a Grã-Bretanha poderia ajudar a evitar que isto ocorresse. Esta posição tinha uma vantagem particular do ponto de vista britânico. O último vestígio remanescente da sua anterior hegemonia era o papel fundamental da City de Londres nas finanças mundiais. A Grã-Bretanha precisava de acesso aos mercados europeus para garantir este papel.

Assim, a Grã-Bretanha entrou nas estruturas, para grande desgosto de Charles De Gaulle, que percebeu muito claramente as motivações dos EUA nesta questão. Nos anos 70, foi a hegemonia dos EUA que começou a ser contestada. Tanto França quanto Alemanha iniciaram aberturas diplomáticas à União Soviética, que culminariam muito mais tarde em 2003 com a vitoriosa resistência franco-germano-russa ao desejo dos EUA de que o Conselho de Segurança apoiasse a invasão militar ao Iraque.

Neste contexto de caos geopolítico, o governo britânico alinhou-se totalmente com os Estados Unidos. A completa subordinação de Tony Blair à política dos EUA começou a embaraçar até mesmo a opinião pública britânica, que passou a dar muito menos valor a uma relação especial que era unilateral. Mais e mais pessoas na Grã-Bretanha defendem a retirada tanto da ligação com os EUA quanto com os europeus. A força crescente do Partido da Independência do Reino Unido (UKIP, da sigla em inglês) é uma grande expressão desta mudança de opinião.

A Grã-Bretanha tinha-se recusado a entrar na zona euro. No turbilhão económico que se tornou tão evidente depois de 2008, o desejo de sair da própria União Europeia cresceu firmemente, em especial no interior do Partido Conservador, o que evidentemente alarmou os grupos financeiros da City de Londres, que viu corretamente que uma consequência disso poderia ser que Frankfurt superasse Londres como o centro financeiro europeu.

A Grã-Bretanha tem outros problemas – a sempre crescente força do regionalismo (e mesmo a perspetiva de independência) de Gales, Escócia e da Irlanda do Norte. A Grã-Bretanha resiste, o melhor que pode, à sua redução à Inglaterra. E fá-lo num momento em que os Estados Unidos não parecem estar grandemente comprometidos com sequer uma aparência de relação especial.

O problema para a Grã-Bretanha de hoje é que todas as escolhas que tem pela frente são más. A Grã-Bretanha deseja insistir que ainda é uma das principais potências militares. Mas o mesmo governo que o afirma é também o que reduz o orçamento e o tamanho das suas forças armadas, como parte do seu programa de austeridade. O maior problema da Grã-Bretanha de hoje é que o resto do planeta vai simplesmente deixar de considerá-la um muito importante ator geopolítico e financeiro. Ser ignorado não é o destino mais feliz para uma antiga potência hegemónica.

Immanuel Wallerstein

Comentário nº 354, 1 de junho de 2013

Tradução, revista pelo autor, de Luis Leiria para o Esquerda.net.

Sobre o/a autor(a)

Sociólogo e professor universitário norte-americano.
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