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"Syriza deve apresentar um programa de salvação nacional capaz de unificar as lutas"

Em entrevista ao esquerda.net, o deputado do Syriza Dimitris Kodelas acusa a troika de estar a encher os bolsos com o dinheiro dos juros gregos, enquanto chantageia o país para aplicar um memorando que vem destruindo a democracia. Entrevista de Miguel Reis, em Atenas.
Dimitris Kodelas, deputado do Syriza.

Que balanço fazes destes 4 anos de troika na Grécia?

É um balanço extremamente negativo. Desde a vinda da troika, o PIB grego recuou 25 por cento. As condições humanitárias são catastróficas. Há 1,5 milhões de pessoas sem emprego e cerca de 400 mil famílias em que nenhum dos cônjuges tem trabalho. O desemprego jovem - até aos 25 anos - já ultrapassou a fasquia dos 65%.  A situação social é trágica. Há milhares de famílias que não conseguem alimentar os seus filhos e muitas crianças desmaiam esfomeadas nas escolas. Há milhares de pessoas com electricidade cortada, outras que tentam desesperadamente negociar com a companhia de electricidade e cada vez mais pessoas recorrem a ligações eléctricas clandestinas.

Perante uma taxa de desemprego jovem tão elevada, qual é a alternativa apresentada aos jovens?

Vários milhares de jovens gregos estão a emigrar para outros países europeus. Recentemente, Merkel apelou aos jovens gregos para emigrarem para a Alemanha, o que nós consideramos um insulto. Neste momento estamos a organizar uma campanha dirigida aos jovens e intitulada "Eu quero ficar" para lutar pela democracia e pela mudança social.

E o que propõe o Syriza para combater o aumento da pobreza e esta emergência social?

Temos várias propostas de mudança radical deste sistema. Mas para responder no imediato, o Alexis Tsipras acabou de apresentar no parlamento uma proposta de programa mínimo de emergência social para assegurar comida, água e electricidade a toda a população, independentemente de poderem ou não pagar.

Que balanço fazes da actuação deste governo depois de um ano de mandato?

Trata-se de um governo tri-partido, composto pela Nova Democracia (Direita), pelo PASOK (Partido Socialista) e pelo Dimar (Esquerda Democrática), este último acabou de abandonar o governo. Durante as eleições estes partidos fizeram uma promessa ao povo grego: parar com as políticas de austeridade e renegociar o memorando da troika. Foi assim que a Nova Democracia conseguiu ser o partido mais votado. Mas a verdade é que não só não pararam a austeridade, como aceleraram as políticas de austeridade, até provocarem a catástrofe social em que nos encontramos. O primeiro-ministro Samaras lançou recentemente uma campanha mediática, proclamando um "sucesso histórico" e afirmando que é agora que vamos sentir os ganhos desta política. Mas ironicamente está agora em novas conversações com a troika para aplicar mais e mais austeridade, porque apesar de tudo o que foi feito, os objectivos que a troika determinou não foram alcançados.

Concretamente, quais são as políticas de austeridade que têm sido aplicadas?

Há dois grandes ataques. O primeiro é contra os funcionários públicos, que apesar de proporcionalmente serem menos do que no resto dos países da Europa, continuam a ser despedidos - o governo anunciou há pouco o despedimento de mais 100 mil funcionários públicos. O segundo ataque é a vaga privatizadora. O governo tem vendido a preço de saldo praticamente todos os sectores públicos: a companhia de gás, a companhia de electricidade, e até as companhias municipais de água. Além disso, só em Atenas anunciaram o encerramento de 25 escolas secundárias. Aumentam o número de alunos por turma e também encerram hospitais. Chamam-lhes fusões em vez de encerramentos. O objectivo desta política é esvaziar o sector público. Querem ainda privatizar os portos e até já venderam várias ilhas a milionários russos. Assistimos agora a uma competição ávida entre multinacionais americanas, alemãs e russas para ver quem consegue ficar com a riqueza do Estado.

Achas que a democracia na Grécia está em perigo?

Esse é o terceiro ataque de que eu queria falar. Nos últimos 3 anos têm sido sucessivamente eliminadas as tradicionais formas de democracia burguesa que conhecemos desde o fim da segunda guerra mundial. Por um lado, a Grécia entregou a sua soberania à Troika, que chantageia o país ameaçando não entregar as próximas tranches do empréstimo se as suas políticas não forem aplicadas. A Troika vai enchendo os bolsos com os juros do empréstimo e chantageia o país. Por outro lado, para impor estas medidas a mando da Troika, o governo relega o parlamento para um plano secundário, através de decretos que são imediatamente executados e que o parlamento só vota três meses depois de já estarem em aplicação. Isto é absolutamente anti-democrático.

Foi através de um desses decretos que foi encerrada a televisão pública?

Exactamente. Há 12 dias, Samaras, a mando da Merkel, emitiu o seu 19º decreto presidencial, que estabelece que com uma simples assinatura o governo pode fechar qualquer serviço público e despedir os respectivos trabalhadores. Ora, a Troika exigiu recentemente o despedimento imediato de 2500 trabalhadores. Assim, a primeira decisão do governo baseada neste decreto foi o encerramento da televisão pública despedindo os seus 2600 trabalhadores. E escolheu encerrar a televisão também porque desta forma cumpre o seu objectivo de dar todo o monopólio da informação aos grandes interesses privados, sem competição da estação pública.

O governo argumenta que os trabalhadores tinham salários astronómicos. É verdade?

Trata-se de uma mentira que os próprios trabalhadores já trataram de desmontar, denunciando com provas, através da emissão pela internet, alguns dos administradores que ganhavam milhões. Aliás, o governo não contava com esta resposta imediata dos trabalhadores, que ocuparam as instalações da televisão, garantem a transmissão online, e conquistaram a solidariedade de diversos artistas e intelectuais que estão também no interior da televisão.

E qual foi a reacção da população ao encerramento da ERT?

Milhares de pessoas solidarizaram-se de imediato e estão concentradas à porta das instalações para impedir o depsejo pela polícia. O sentimento de indignação foi geral, até porque o facto de os écrans de televisão ficarem subitamente pretos teve um impacto enorme, e foi entendido pelas pessoas como um ataque directo à sua história e à democracia. A forma como tudo isto foi feito tornou este encerramento mais chocante do que de qualquer outro serviço público.  

E teve ainda outro condão: depois de oito meses de enfraquecimento da luta social - que ficou espatilhada por várias lutas sectoriais (dos professores aos trabalhadores dos transportes) facilmente reprimidas pelo governo através da imposição de serviços mínimos obrigatórios (determinando a equivalência destes trabalhadores a soldados do exército), um expediente usado 3 vezes nos últimos 3 meses - dizia eu, este encerramento da televisão teve o condão de voltar a unir as lutas pela demissão do governo, tendo já inclusivamente obrigado o Dimar a abandonar o governo, embora não defenda eleições antecipadas. Inaugurámos agora uma nova fase da luta social.

Há um ano atrás o Syriza por pouco não ganhou as eleições. E nas sondagens aparece várias vezes como a força política mais votada. Como olhas para esta situação? É possível um governo de esquerda na Grécia?

Sim, é possível. O Syriza pode e deve continuar a corresponder aos desejos da população de uma mudança social radical. Mas para isso deve aprofundar ainda mais a sua actuação política. Mais do que pedirmos apenas a demissão do governo, devemos empenhar-nos agora na apresentação clara junto da população de um plano de salvação nacional, que inclua a luta pela independência nacional contra a Troika, a reconstrução económica e do sistema produtivo do país bem como o programa de emergência social que referi atrás. Só este programa de salvação pode unificar todas as lutas e ajudar a construir um enorme movimento popular maioritário que suporte uma verdadeira política de esquerda. Esse é o nosso próximo grande desafio. Para ser uma verdadeira alternativa para a maioria da população, o Syriza deve rapidamente clarificar esse programa de salvação nacional. Outra ideia que desejamos que comece a ganhar corpo no Syriza é a defesa de um novo processo democrático capaz de instaurar uma nova Constituição.  Claro está que vamos precisar também de toda a solidariedade internacional entre os povos e é encorajador ver como as lutas sociais estão a multiplicar-se em vários países, como Portugal, Espanha, Turquia ou Tunísia, com milhares de pessoas nas ruas.

Pelo mundo fora há exemplos de partidos de esquerda enraizados na população que mudam as suas políticas quando chegam ao poder. O Syriza corre esse perigo?

Há dois perigos principais que o Syriza enfrenta. O primeiro é o sectarismo. Não devemos propor políticas que as pessoas não estão prontas para aceitar, devemos rejeitar esse tipo de actuação que reivindica o socialismo aqui e agora. O segundo perigo é a transformação do Syriza numa força comprometida com o sistema. Se o Syriza vencer as próximas eleições as forças imperialistas e capitalistas tudo farão para transformar o Syriza num partido de compromisso com o sistema actual. A nossa arma contra estes dois perigos é a base popular do Syriza, é estar em constante interação com a sua base popular, funcionando de uma forma democrática. Só esta ligação às massas pode permitir-nos derrubar este governo e iniciar um governo de transição socialista.

Finalmente, não poderia deixar de perguntar-te algo sobre a ascensão da extrema-direita na Grécia. Como vês essa ascensão?

A extrema-direita tem subido de forma preocupante porque se apresenta à população como uma força anti-sistémica. E as pessoas estão ávidas de uma mudança de sistema. A nossa estratégia tem sido denunciar a verdadeira natureza da Aurora Dourada como um partido usado pelo sistema e não anti-sistema. Há vários exemplos disso mesmo: eles têm votado favoravelmente medidas de transferência de capital para os grandes capitalistas e agora até concordaram com o governo no encerramento da televisão pública. Tentamos mostrar que o grande inimigo da Aurora Dourada é a esquerda e não o sistema político e económico. Quanto mais o Syriza se afirmar como uma força de mudança radical do sistema, menos espaço terá a extrema-direita. Tentamos também responder no campo social: há cada vez mais colectivos de jovens anti-racistas em várias cidades gregas, com a contribuição de muitos militantes do Syriza. Por outro lado, também não podemos desprezar as acções de caridade directa - com que a extrema-direita gosta de se vangloriar - e a verdade é que os deputados do Syriza contribuem com cerca de 20% do seu salário para organizações de ajuda directa aos mais carenciados.


Entrevista de Miguel Reis, em Atenas.

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