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Austeridade e destruição da natureza : O exemplo grego

Numa entrevista concedida ao Contretemps, Roxane Mitralias, militante na SYRIZA, no CADTM, e na Frente de Esquerda sobre questões agrícolas e ecológicas, fala sobre a situação na Grécia e, particularmente, dos efeitos das políticas de austeridade em matéria de destruição do ambiente.

Contretemps: Qual é hoje a situação na Grécia?

Há quase três anos que a Grécia se tornou o laboratório de políticas de austeridade com uma dimensão sem precedentes no Norte. Aplicam-lhe receitas que se chamavam “planos de ajustamento estruturais” no tempo do FMI e que nos tempos da troika se chamam, “planos de resgate”. Laboratório também e sobretudo para testar a população, avaliar até onde se pode ir sem que esta se revolte. Apesar de vinte greves gerais em três anos e mais de cinco mil manifestações e greves em 2012, de amplas ocupações e movimentos de desobediência civil, podemos hoje dizer que se pode ir muito longe, muito para além do que teria sido possível imaginar. Em termos de direitos sociais a situação é mais ou menos conhecida. Em média cada grego perdeu 40% do seu salário. Tem ao mesmo tempo de fazer face, quer ao aumento do custo de vida (associado ao aumento de impostos e à dependência das importações e de alguns cartéis – como o do leite, um dos mais caros da Europa) quer aos impostos escandalosos, a que há três anos chamam “extraordinários”. Muitas vezes esse mesmo cidadão grego perdeu o trabalho, o subsídio de desemprego e a assistência na doença. Pode acabar na rua, ou emigrar, por vezes é impelido ao suicídio. É claro que há também quem se safe: quem tenha as suas economias – vestígios do crescimento dos anos 90, em apartamentos devolutos adquiridos durante o êxodo rural dos anos 60 - ou simplesmente apoiado na família – elo invisível que une a cidade ao campo e permite o sustento. Mas há uma coisa da qual pouco se fala nos meios de comunicação europeus. Neste famoso laboratório estão a ser feitas outras experiências. De um modo absolutamente concomitante com a destruição da sociedade, o governo da troika tomou medidas para explorar os recursos naturais. Evidentemente que isto é feito pelos meios clássicos, isto é, a redução dos fundos destinados à proteção e gestão do ambiente. Isto também passa por pôr em causa as disposições legislativas e regulamentares que, mais ou menos,  iam travando a via da sobre-exploração dos recursos naturais. Mas isso leva a pôr em causa a constituição grega que impedia (em vários artigos, entre os quais o artigo 24) a exploração privada do litoral e dos espaços florestais; o memorando 2, votado na primavera de 2012, admite, a partir de então, essa possibilidade. As praias, por exemplo, são cedidas por 50 anos! Assiste-se já, ou muito em breve, a uma vaga de privatizações, de concessões, de vendas e, de um modo geral, a monopolizações sem precedentes: recursos mineiros, terras, litoral, mar, florestas, ilhas, termas e grutas, monumentos arqueológicos e portos, e gestão de resíduos e águas. A título de exemplo, em finais de janeiro de 2013, a Acrópole e o lago de Cassiopeia em Corfou foram vendidos à NCH Capital para construir alojamentos turísticos. Isso traduz-se também naquilo a que chamamos elefantes brancos, isto é, grandes projetos inúteis construídos contra as necessidades da população, inclusive num período de recessão desta dimensão: é o caso do projeto de desvio do rio Akhelóös ou dos investimentos necessários para as energias renováveis industriais. Mas os grandes presentes oferecidos pelo governo grego ao "mundo dos negócios", nem chegam a servir para criar empregos e melhorar a vida das pessoas, visto que o desemprego atingiu 27% em 2012. Nesta Grécia do século XXI, onde tudo se vende em saldo, acabou a vida tal como era anteriormente. O país tornou-se um protetorado energético e a natureza é transformada numa nova área de investimento, um enorme casino para os capitalistas ansiosos por continuar a enriquecer-se. Bem-vindo a este mundo onde a moderna deusa, a dívida, exige que no seu altar se sacrifique aquilo que era a base da sociedade humana.

Contretemps: Fala-se de uma nova poluição nas cidades gregas. Pode explicar-nos?

Na verdade, há algum tempo uma notícia conseguiu furar os muros de silêncio na Europa, e entrou nos noticiários franceses. Atenas e Salónica estariam sob uma nuvem de poluição. Esta nuvem negra no céu das grandes cidades recorda amargamente o glorioso período grego de crescimento, em que foram construídos estádios e estradas desnecessárias para receber atletas de todo o mundo e em que se saía de carro para fazer as compras de mercearia. Assim, a população francesa ficou a saber que os gregos, agora demasiado pobres para poderem aquecer-se com gás (sujeito ao imposto especial de consumo, que aumentou de preço 40% apenas no ano de 2012), se aconchegam à lareira. A acreditar nos meios de comunicação, eles estariam até a queimar o que quer que fosse, incluindo rebentos de árvores dos parques ou mobiliário antigo carregado de produtos químicos de manutenção. De qualquer forma, o decrescimento forçado não é necessariamente amigo do ambiente. A situação agora é muito grave, pois a taxa de poluição atmosférica urbana ultrapassa o limite regular de perigo recomendado por especialistas. Mas também ouvimos frequentemente que as escolas e universidades são obrigadas a fechar as portas porque não têm orçamento para comprar combustível. Ouvimos ainda que o número de vítimas de incêndio ou intoxicação por gás está a subir. Para enfrentar a nuvem química, existem medidas concretas: proibir novamente o uso de diesel nas cidades, cancelar o imposto especial sobre o combustível para aquecimento e desenvolver meios de transporte público. Mas o governo e os seus parceiros da troika têm obviamente outros planos: por exemplo, num esforço de consolidação da despesa pública, como eles dizem, mas na realidade para obter mais dinheiro – e, naturalmente, não junto dos seus amigos - aumentam o preço dos transportes. Quando a população ateniense massivamente deixa de usar o carro, a tarifa do metro sofre mais um aumento para 1. 75 €. O preço aumentou 135% em quatro anos.

Precisamente sobre o transporte, qual é o impacto do “plano de resgate"? Lembramos que o aumento das portagens levou a um movimento de recusa de pagamento. Primeiramente, há as rotas marítimas, cuja frequência para as ilhas onde eram subsidiadas diminuiu significativamente. Os preços dos combustíveis também aumentaram, os bilhetes de barco são agora muito caros. Já não se pode ir a Pireu, comprar o bilhete à última hora e apanhar o barco para uma ilha das Cíclades ao acaso. Mas esta é apenas uma mudança cultural, a que os gregos se vão acostumar. E os residentes destas ilhas que já não poderão ir a uma repartição pública, ao hospital, à escola? Na Grécia, tudo é pago, e é brutal. Nas autoestradas nasceu o primeiro movimento de desobediência civil, chamado "eu não pago", que defendia a recusa de pagar portagens. Os utilizadores não aceitavam o aumento súbito e excessivo de portagens de estradas construídas com os seus impostos, gentilmente cedidas ao "mundo de negócios". Os primeiros julgamentos para estes atos de resistência têm lugar no início de 2013. Essa repressão pode fazer com que os utilizadores se esqueçam que a rede rodoviária que serve as áreas mais difíceis, com montanhas, está completamente abandonada depois que foram dispensadas dezenas de milhares de trabalhadores.

Na França, ficou-se a saber da compra das ilhas pelo Emir do Qatar. Será que isso corresponde a uma política mais geral?

Na Grécia, as florestas, os pântanos e o litoral são públicos. É um país sem história feudal onde as terras não têm valor em si mesmas, uma vez que são de baixa produtividade. O principal objetivo da troika foi privatizá-las para que os investidores possam "valorizá-las". As florestas gregas ficam também sujeitas às políticas de privatização, da retirada do Estado e destruição do meio ambiente. Parece que não só são sobre-exploradas para atender a crescente procura de lenha e enriquecer os vários intermediários colocados no mercado, mas também são cada vez menos protegidas.

Os decisores políticos tiveram o cuidado de fazer cair a legislação que regulava quer a exploração florestal pela silvicultura, quer a possibilidade de construção. Cortaram também os orçamentos para as agências de gestão de áreas protegidas, atribuindo a maior parte dos recursos do "fundo verde" ao pagamento da dívida. O "fundo verde", criado por lei em 2010, destina-se a financiar programas, medidas e ações que visem promover o crescimento através da promoção e proteção do ambiente. É usado para controlar os programas contra os incêndios, reflorestamento, áreas protegidas, proteção do mar e das zonas costeiras, melhoria dos espaços urbanos. Alimentado pela venda do ambiente grego e impostos especiais sobre os combustíveis, no valor de 1,85 biliões de euros, serve principalmente para pagar a dívida (95% dos recursos disponíveis de acordo com o memorando 2). Desde a decisão do governo de novembro de 2012, apenas 2,5% dos seus recursos vão financiar ações em prol do meio ambiente. Esta é a forma como a natureza é sacrificada para pagar os juros sobre a dívida que tem crescido de forma constante desde 2010, o início da experiência realizada pela troika (que passou de 120 para 180% do PIB). Além disso, o plano de ordenamento do território foi alterado (num país sem mapas florestais e sem cadastro tudo é possível!) para permitir o uso dos espaços florestais e semiflorestais para o turismo de massas, para produção de energia ou, muito simplesmente, para lá se construir a sua casa. Na mesma linha, um dos primeiros passos dados em 2011 (ainda no propósito declarado de pagar a dívida!) foi legalizar as casas construídas sem licença mediante o pagamento de um montante fixo. O prazo para fazer isso já foi prorrogado quatro vezes, para que se possa construir qualquer coisa, em qualquer lugar através do pagamento de uma multa! Neste esforço de açambarcamento, a troika propôs que o Estado grego vendesse as ilhas com menos de 50 pessoas angariar fundos. Embora esta proposta tenha chocado o público, uma série de ilhas desabitadas estão atualmente à venda pelos proprietários privados. Mas em breve os investidores de todo o mundo poderão distribuir entre si as praias, o litoral ou o mar: basta dar uma olhada no site do "fundo de privatização" a instituição designada TAIPED e feita para vender a propriedade do Estado Grego (o que, aliás, está a demorar, segundo o FMI que propõe transferir de lá os poucos gregos para colocar especialistas internacionais). É possível, por exemplo, se se tiver dinheiro suficiente, comprar terras no sul de Rodes (Prassonisi) na área Natura 2000, para construir um campo de golfe, desportos aquáticos e hotéis para acomodar hordas de turistas. Além disso, de acordo com a LPO (Liga para a Proteção das Aves) Grega, 40 ilhas gregas estão ameaçadas de ser colocadas no fundo de privatização, incluindo 24 classificadas Natura 2000. Objetivo: construir resorts turísticos. Quando sabemos que a Grécia é um hotspot de biodiversidade, que o litoral grego é equivalente a um quarto das costas europeias, podemos fazer um balanço do que está para vir. Quem tinha o hábito de desfrutar do mar para as suas férias, por hobby ou para viver, deixará, obviamente, de poder utilizar este espaço de forma gratuita e livre. Essas privatizações terão efeitos duradouros sobre o meio ambiente, já que os investimentos previstos não vão na direção do desenvolvimento sustentável, de acordo com as especificidades do ambiente. Além disso, para permitir este tipo de investimento, foi aprovada uma nova lei no início de janeiro de 2013, que permite a alteração de uso dos terrenos, e instalação de complexos turísticos all inclusive com spa e campo de golfe. Estas enormes construções não serão submetidas ao plano de urbanização, uma vez que também serão legalizadas pelos procedimentos  fast track.

Quais os benefícios, para a comunidade local ou para o ambiente, deste tipo de desenvolvimento do turismo em estilo colonial, criticado em Espanha por ter gerado uma bolha imobiliária e destruído o litoral? Nenhum. Mais uma vez, destina-se a pagar os juros da dívida e enriquecer os investidores. Claro está que esta onda de açambarcamentos é apresentada pelo governo e pelos investidores como um desenvolvimento sustentável com a proteção ambiental e investimento económico. Não é nada disso. Na realidade, trata-se de grandes planos de quase-venda de terrenos públicos para as empresas.

Como se organiza a resistência ao programa da Troika?

O exemplo da luta em Hellinikon e da preservação de toda a costa de Pireu a Cabo Sounion dá muito que falar a este respeito. O antigo aeroporto de Hellinikon fica ao sul da região de Atenas e ao longo do mar. Este espaço de 650 hectares é um sonho de promotores imobiliários. Eles anteveem os casinos e empreendimentos turísticos de luxo que poderiam construir para acomodar os novos ricos desse mundo, árabes e chineses de visita ao país de Sócrates. Desde os Jogos Olímpicos de 2004, à espera da "recuperação" prometida pelos diversos governos, o espaço do antigo aeroporto está abandonado: mostra edifícios e casas noturnas vazias e em ruínas construídas ilegalmente no litoral. Durante anos, vários governos discutiram a criação de um "parque verde metropolitano", que faz imensa falta em Atenas, bem como a construção de andares e escritórios. Mas a crise fez despertar cobiças e essa propriedade pública encontra-se no "Fundo de privatização". Pronta para ser vendida por menos do que um quarto do seu valor, ou seja, por apenas cinco biliões de euros. Hellinikon tornar-se-á, assim, um enorme parque com habitação, hotéis e cassinos, com portos privativos e praias fechadas: o governo grego abandonou definitivamente o projeto do "Parque Metropolitano". Toda a área costeira está agora sujeita ao mesmo tipo de plano de privatização e investimentos. Assim, considera-se mesmo a criação de ilhas artificiais para a construção de marinas que permitam o estacionamento de iates. A ideia é fazer da Baía de Saronikos, de Pireu ao Cabo Sounion, uma nova Riviera, um novo Mónaco. De acordo com Panos Totsikas, militante da luta de Hellinikon, trata-se da continuação de um desenvolvimento do tipo “Jogos Olímpicos” com vista à construção em todos os terrenos e (até no mar) que eram públicos. A Península de Asteras (município de Vouliagmeni - a sul de Atenas), onde vivem as famílias mais ricas da Grécia, também está à venda. Praias, públicas e privadas, hotel de luxo, um templo dedicado a Apolo, bem como algumas ilhas não habitadas são saldadas por poucos milhões de euros... Perante isto, criaram-se resistências: os habitantes de Hellinikon, depois de terem lutado para que a sua praia não fosse transferida para as mãos de duvidosos ​​empresários gregos, ocupam agora parte do antigo aeroporto! Foram plantados e cultivados olivais (1.150 árvores) e jardins. Hellinikon tornou-se um lugar de referência para o movimento social ateniense pois podem-se aí acompanhar debates, manifestações artísticas, formação sobre técnicas de agricultura, e até mesmo procurar tratamento no posto de saúde solidário e de autogestão que está instalado no mesmo bairro. As coligações progressistas das cidades cobertas pela venda da Riviera ateniense também se rebelam: de Moschato a Glyfada, Vouliagmeni ou Anavyssos, estes projetos de “recuperação" não passam junto dos moradores.

Há outros setores privatizados?

Absolutamente! Sempre com os mesmos procedimentos fast track, que permitem ultrapassar o parlamento e se têm multiplicado, para evitar o debate democrático em tempos de crise, o governo e os aliados do FMI e da UE preparam o terreno para explorar o suculento mercado dos resíduos. Foram implementadas parcerias público-privadas, a fim de aumentar o número de aterros sanitários e incineração de todas as regiões (estão contemplados quatro centros em Atenas, Salónica, Macedónia e Peloponeso ocidental). Não só são centros de tratamento que vão contra as recomendações da União Europeia (que promove a prevenção em primeiro lugar), mas a percentagem de participação financeira dos agentes privados será reduzida, uma vez que parte da “ajuda "concedida à Grécia por parte da UE vai para o financiamento desses projetos. Para melhor servir os interesses dos investidores, foi excluída qualquer boa gestão (a famosa prevenção-reciclagem, etc.) que poderia interferir com o seu enriquecimento. É por isso que é negado provimento aos candidatos locais (e, a fortiori, às pessoas locais e aos contraprojetos de gestão de resíduos), confiando esta tarefa a instituições fantasmas regionais. Os cofres privados (e os políticos envolvidos) poderão enriquecer às custas do povo e em detrimento do meio ambiente, do solo, da água e dos sítios arqueológicos, explorando aterros e incineradoras. A gestão de resíduos por empresas privadas significa procura do máximo de lucro. Mais resíduos mais dinheiro a ser feito à custa da saúde, meio ambiente, terra e património. Uma das lutas mais virulentas e radicais do último período ocorreu no distrito de Keratea na região de Atenas: foi travada uma verdadeira guerrilha entre as pessoas e as forças policiais. O governo, gasto por muitos anos de dura luta contra o projeto de incineração, teve até de recorrer à polícia! Mas, apesar dessas ameaças as pessoas não recuaram. A luta de Keratea foi ganha: desde 2010, o projeto está abandonado! Hoje existe na Grécia uma coordenação das comissões que se opõem aos projetos de gestão de resíduos e proporcionam uma gestão descentralizada e cooperativa (prosynat).

Para receber o "pacote de resgate", destinado a financiar as parcerias público-privadas para o setor privado, no caso da gestão de resíduos, há uma condição expressa: privatizar a gestão da água. A venda da EYDAP, a empresa das águas de Atenas e da EYATH - empresa muito rentável das água de Salónica -, bem como das hidroelétricas, não significa apenas a perda do controlo de um recurso natural de grande importância para o país. Os créditos do Estado e dos municípios são muito mais elevados do que o valor no mercado, no caso da EYDAP. Assim, essas dívidas que poderão ser reivindicadas pelo novo proprietário, bem como o bom balanço financeiro da EYDAP (5 milhões de euros de lucros no primeiro trimestre de 2012), confirmam que se trata de pura concessão colonial que estabelece um monopólio natural para o comprador privado. Esta aquisição ultrajante será acompanhada de um aumento nos preços, como insinuam já os meios de comunicação gregos. Finalmente, há dúvidas sobre a qualidade de uma rede privada num país geograficamente difícil e árido, onde a gestão da água tem sido sempre um grande problema. Como na gestão de resíduos, existe agora uma iniciativa da Grécia contra a privatização da água e que oferece modelos de gestão da água a nível local (136 iniciativas em Salónica), sem fins lucrativos, por cidadãos a exercer o controlo social. As pessoas organizadas por distritos estão prontas para resgatar ações na privatização da EYATH. Mais uma vez, ao contrário dos seus compromissos internacionais em matéria de direitos humanos ou de proteção ambiental, o governo promove e financia obras gigantescas de desvio de rios (Akhelóös na Tessália, Aoos no Epiro e o projeto Árakhthos recentemente abandonados devido à mobilização da população) ou de barragens para reforçar esse modelo de água que vai no sentido do desperdício e da privatização do recurso. Obviamente, os investidores privados não estão interessados ​​na gestão eficiente da água, que respeite as necessidades das pessoas e as limitações da natureza.

Que é feito do projeto de lançar a Grécia no capitalismo verde e fazer dela a grande protetora da energia renovável?

Ao mesmo tempo em que a propriedade do antigo aeroporto de Hellinikon foi, por lei, inserida no fundo de privatizações, o último governo socialista grego (sic) iniciou o debate sobre o "Programa Sol", que foi votado enquanto o governo técnico estava no poder (Primavera de 2013) através de procedimentos fast track. Esse plano está a ser seguido por uma comissão composta por membros dos governos grego e alemão, pela Comissão, pelo Banco Central Europeu e por um representante de vendas de uma empresa de consultoria em investimentos financeiros (Guggenheim Capital). Este é um programa que salda a propriedade do Estado (áreas de florestas, terras cultivadas) para instalar centrais fotovoltaicas de dimensão industrial (provavelmente usando uma tecnologia alemã antiga que causa muitos problemas). Como é que, na prática, isso acontece? As empresas hoje alugam terrenos a pequenos agricultores por uma quantia razoável. Eles podem instalar painéis solares. Mas, no âmbito do "Programa Sol", o Estado pode expropriar a terra: é um escândalo grande, uma apropriação não assumida de terras agrícolas e espaços florestais (originalmente pertencentes a pequenos proprietários ou simplesmente públicos) para vendê-los a empresas privadas, muitas vezes alemãs. Outro aspeto do escândalo é que essas instalações serão feitas com dinheiro emprestado ao Estado grego pelo Banco Central Alemão e também com recursos ao "resgate" concedido pela União Europeia e pelo FMI. Para que a Grécia possa ter um retorno suficiente desse investimento, terá de produzir quantidades enormes (10 GW adicionais, quase o dobro da produção nacional), que não serão utilizadas para atender às necessidades do país. Também será necessário ligar a rede à Alemanha, já que o objetivo é abastecer o país com energia "verde". O custo deste projeto é enorme: instalar o cabo submarino e instalar as infraestruturas necessárias vai elevar o valor da fatura a dezenas de biliões de euros. Além disso, é tecnicamente muito difícil por causa das dificuldades de transporte de eletricidade. O objetivo não declarado para os investidores é comprar essa "energia verde" no mercado de emissões de carbono a um preço muito baixo, para ilibar a Alemanha de ser um país poluidor, e ter direitos de poluir noutro sítio. Por outro lado, a Grécia irá provavelmente aumentar a sua dívida na transação: basta que o retorno do investimento não seja suficiente, ou que não sejam alcançados objetivos técnicos. De qualquer maneira, os investidores sairão vencedores, pois vão receber os juros sobre a dívida contraída pelo governo grego, investem sem pagar grande coisa, ficam com a terra, podem comprar o direito de poluir, e eventualmente vão ganhar energia qualificada renovável. Em alguns casos, como na aldeia de Sitanos que visitei, literalmente cercada por painéis solares, os moradores admitem pesarosamente que foram ludibriados, uma vez que apenas uma pessoa é empregada meio dia por semana, as terras foram vendidas muito baratas (incluindo as de pastagem) e a sua terra é destruída para sempre. Na verdade, os painéis fotovoltaicos em questão são antigos e mal conservados, o que aumenta a probabilidade de descargas tóxicas para o solo. Além disso, aumentam a temperatura do solo até sessenta graus numa região já muito árida. Esta "cidade elétrica" ​​será parte do “Programa Sol", quando ele vier à luz.

Contretemps : A indústria da energia solar é um aspeto do problema. E sobre turbinas eólicas ou hidroelétricas?

Mas a dança das energias renováveis industriais não para por aí: há também a eólica industrial (130 metros de altura equivalente a um arranha-céus, 50 metros de diâmetro no solo), que combina a energia fotovoltaica numa mistura energética maravilhosa. Colocadas no pico das montanhas, estas instalações ocupam terras públicas, em grande parte vendidas quase de graça a empresários gregos e estrangeiros (a EDF[1], por exemplo, prepara-se para entrar no mercado). Além disso, uma substancial rede de estradas irá apoiar estas instalações, o que vai alterar significativamente a paisagem da montanha. No Magne, no Peloponeso, na Grécia continental ou nas ilhas do mar do norte do Mar Egeu, esses projetos levantam grande contestação. Em Lemnos, Lesbos e Chios, estão previstos 28 parques eólicos com 353 turbinas eólicas para gerar 706MW de energia para exportação. Em Icaria, estão previstas 110 turbinas, apenas duas seriam suficientes para o consumo local. Em Creta, uma organização de mais de 200 associações luta contra os seus projetos gigantescos: sobre esta questão foi apresentado ao Conselho de Estado uma queixa de milhares de indivíduos e coletivos. Para executar projetos industriais de energia renovável que cobrem oito vezes as necessidades da ilha (milhares de eólicas, hectares de painéis solares, centrais híbridas com reservatórios de milhões de m³ de água, oficinas solares térmicas com torres de 150m de altura, cabos de eletricidade e os respetivos postes , linhas de alta tensão, cabos submarinos para exportar a eletricidade ...), vai ser preciso cavar fundo, limpar montanhas, desmatar, abrir estradas, bombear águas freáticas. O emprego criado é insignificante em comparação com os problemas que estes projetos vão criar às atividades turísticas e agrícolas de que vivem hoje as regiões em causa. O objetivo é tornar a Grécia um país de produção de energia de baixo custo designada como "verde". Mas a produção em escala industrial não é compatível com a preservação de áreas naturais, das paisagens e da qualidade de vida da população local. Um último aspeto preocupante é o recente ranking das principais centrais hidroelétricas (mais de 15GB) em fontes de energias renováveis. Quando sabemos que estão a ser privatizadas, podemos esperar que estejam também destinadas a participar no mercado de emissões de carbono. Os empresários que as vão comprar poderão classificá-las como uma produção de energia renovável e vender os direitos de poluir outro lugar. Obviamente existem realmente na Grécia alternativas para a produção de energia "renovável". A geotermia, inserida numa matriz energética virada para as necessidades locais, poderia permitir a este país muito sísmico e vulcânico produzir 600 vezes mais energia do que a Islândia. Mas esse projeto foi desenvolvido pela DEH (EDP grega), que em breve será também vendida; não admira, assim, que não sejam mantidos esses projetos. Com uma produção de pequena escala, e planos de redução do consumo, a Grécia poderia alcançar a soberania energética.

Será que está em causa unicamente a chamada energia verde? O que é feito da exploração de recursos mineiros?

Para terminar esta digressão assustadora, é preciso recordar que a atualidade grega deste início de 2013 foi marcada por um intenso debate sobre a exploração dos recursos mineiros. Recentemente, acreditava-se que os problemas do país estariam resolvidos através dos campos de petróleo localizados no Mar Egeu, no Mar Jónico e na Líbia. É muito questionável! Em última análise, pouquíssimos proventos virão para os cofres do país, sem código de mineração (que protegem os interesses do país das empresas que exploram os seus depósitos).Além disso, mesmo se viessem a provar-se interessantes, levaria vários anos (até dezenas de anos) antes que o impacto económico se sentisse (apenas 10% do total dos benefícios iriam para o estado à falta de código de mineração grego). Em todos os casos, a sua exploração é bastante questionável quanto ao impacto no ambiente, na sociedade local e na atividade económica atual.Será pertinente correr o risco de poluição significativa num arquipélago que vive do turismo e da pesca, e que tem um ambiente notável?Surgem também movimentos significativos em diferentes partes do norte da Grécia (em Skouries na Calcídica, em Evros, no Rodope ou em Kilkis) contra as minas de ouro instaladas em florestas preciosas  do ponto de vista ambiental, económico e patrimonial.Sempre com pouca vantagem em termos de emprego, mas sobretudo com grandes danos no meio ambiente (poluição da água por metais pesados ​​e enxofre) ou na apicultura, na silvicultura, nas pescas, na pecuária, mas também no turismo. Em Skouries (Ierissos), perto do famoso Monte Athos, a população organiza regularmente eventos para milhares de pessoas na floresta ou cidade. As duas parceiras, Eldorado Gold (empresa canadiana) e Hellenic Gold (empresa grega) são protegidas pela polícia, que não têm pejo de bater e prender pessoas que protestam, ou até de lançar bombas de gás lacrimogéneo nas florestas que incendeiam facilmente (e, recentemente, nas escolas). O cálculo é simples: o Estado grego vendeu as minas por 11 milhões de euros e mais um subsídio de € 15.300.000 para a empresa privada no valor de € 2300000000. O valor das jazidas eleva-se a 15,5 biliões de euros. As licenças são duvidosas, as minas vendidas por tão pouco, e para a população o ganho destas esperanças de ouro é zero. Mais uma vez, quem são esses costumeiros investidores que vendem as terras, o património, e a natureza, que pertence ao povo, utilizando todos os meios?

Algumas palavras de conclusão?

A dança macabra do ambiente grego vai continuar? Esta é a pergunta que fazem os ambientalistas gregos, a esquerda, e a população civil. As empresas que cobiçam os recursos do país tentam impor-se (e cada vez mais pela força) com a ajuda da troika grega e internacional. Para citar alguns: EDF, Iberderola, Eldorado Gold, Gazprom, Suez e Siemens estão a fazer todos os possíveis para continuar a obter lucros à custa das pessoas e do meio ambiente. Querem usar "escravos modernos" por 300 euros por mês nos hotéis all inclusive para ricos, apoderar-se de toda a energia e dos recursos hídricos, das terras públicas e, finalmente, ocupar uma posição estratégica no Mediterrâneo. Sonham com um novo colonialismo energético e da natureza no século XXI. Mas não têm em conta os fortes movimentos que estão a crescer em todo o território!

 

Roxanne Mitralias é militante na SYRIZA, no CADTM, e na Frente de Esquerda sobre questões agrícolas e ecológicas. Socióloga Rural e das Ciências da Formação, trabalha com os movimentos agrícolas em França. Ela regressa à Contretemps a propósito da situação na Grécia e, particularmente, dos efeitos das políticas de austeridade em matéria de destruição do ambiente.

16/04/2013 - 04:25

Fonte URL: http://www.contretemps.eu/interviews/aust%C3%A9rit%C3%A9-destruction-nature-lexemple-grec-entretien-roxanne-mitralias

Tradução de Deolinda Peralta.

 



[1] EDF – (EDP de França)

(...)

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