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Não há igualdade mantendo a discriminação

É tempo de celebrar a convicção de que venceremos todas as discriminações que continuam vivas, mesmo em tempos de celebração.

O parlamento português aprovou sexta-feira a co-adoção por casais do mesmo sexo. Se fizermos um pequeno exercício de memória e voltarmos a 2008 em que o Bloco de Esquerda e os Verdes ficaram praticamente isolados na defesa do casamento e na adoção por casais do mesmo sexo, percebemos que em cinco anos avançámos muito na disputa da hegemonia conservadora e na afirmação dos direitos das pessoas LGBT. Houve debate feito, iniciativas, panfletos, polémica, insistência e direitos conquistados. Sexta-feira foi, por isso, um dia feliz para todas as pessoas que consideram que a orientação sexual não pode ser motivo de discriminação e de acesso a direitos.

A votação histórica que aconteceu é o resultado de uma insistência de anos de discussão e de luta pela visibilidade e pelos direitos das pessoas LGBT. De uma luta sem tréguas contra o preconceito e pela afirmação dos direitos humanos. Mas assim como quando aprovámos o direito ao casamento de pessoas do mesmo sexo sabíamos que de nada valia a pena celebrar, se não continuássemos a lutar contra a discriminação que foi aprovar um casamento de segunda, em que as pessoas LGBT não têm os mesmos direitos que os heterossexuais, hoje sabemos que só vale a pena celebrar a co-adoção, se continuarmos a lutar pela igualdade na sua totalidade: o direito aos casais homossexuais terem os mesmos direitos que casais heterossexuais e poderem adotar crianças. É de registar que o argumento que antes o PCP usava de que ainda não há debate suficiente na sociedade portuguesa para legislar sobre este assunto, tenha feito o partido mudar ligeiramente a sua posição. Mas estará o PCP disposto a não ficar pela igualdade pela metade e a votar num próximo momento a igualdade por inteiro?

Aprovar a co-adoção nestes termos revela-se uma situação verdadeiramente irónica: é que se houver um casal de pessoas do mesmo sexo que não tem filhos e quer adotar uma criança, a solução que tem com esta lei é a de se divorciarem, depois disso um dos membros do casal adota um filho, e finalmente voltam a casar para poderem requer a co-adoção. Vejamos: se a questão central é a de que não é a orientação sexual que determina a capacidade de um casal cuidar de uma criança, porquê permitir a co-adoção e não a adoção na totalidade? A essa pergunta deveria responder um parlamento que aprovou uma co-adoção em nome da igualdade, mas que confirma que uns são mais iguais que outros perante a lei.

A co-adoção foi um avanço mas mantém o problema central: ignora-se o superior interesse da criança e confirma-se uma legislação para quem há casais de primeira e casais de segunda. Casais que podem aceder a determinados direitos e casais que não podem aceder a esses direitos. A legislação é discriminatória e reflete o conservadorismo.

Infelizmente, na sexta-feira, nem todos quiseram levar a igualdade a sério. Infelizmente, como aconteceu quando aprovámos o casamento, continuamos a aprovar legislação em nome da igualdade, que mantém pressupostos discriminatórios.

Não há volta a dar: a única celebração possível que podemos ter é a de celebrar com a consciência de que ainda há muitos passos a dar e que mesmo quando finalmente aprovarmos a adoção homossexual na sua totalidade e sem cláusulas discriminatórias, ainda teremos muita luta por fazer e muitos outros direitos por conquistar. A visibilidade, o combate ao conservadorismo e por uma sociedade em que ninguém se sinta reprimido ou constrangido em expressar os seus sentimentos, afetos ou identidades, deve motivar toda a gente para quem a igualdade ou é para toda a gente, ou não é igualdade.

Num momento em que o país é devastado pela austeridade, sabemos que as pessoas LGBT, como outras minorias da sociedade, são mais afetadas pela crise. Sempre que o Estado Social é atacado, que o emprego é destruído e que os direitos sociais são roubados, as pessoas LGBT são especialmente afetadas. Defender a igualdade é também defender um país em que a justiça social e o direito a ter direitos são lutas transversais. O direito a viver, a existir, a ter planos e a concretizar sonhos é indissociável da luta pela igualdade, contra o conservadorismo e a exploração económica.

É tempo de celebrar sim.

É tempo de celebrar a convicção de que venceremos todas as discriminações que continuam vivas, mesmo em tempos de celebração.

Sobre o/a autor(a)

Sociólogo e investigador
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