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“Público” dá exemplo de mau jornalismo (atualizado)
O artigo que deu origem à manchete do Público desta quinta-feira afirma que a “Alemanha junta-se ao coro de críticas contra a austeridade das troikas”. O assombrado leitor é informado que os “responsáveis alemães demarcam-se da austeridade imposta aos países periféricos” e que as suas críticas são “particularmente duras contra a Comissão Europeia e o seu presidente, Durão Barroso”.
Contrariando os incautos leitores que achavam que a senhora Merkel sempre foi a principal impulsionadora das políticas de austeridade na Europa, da forma mais rígida e intransigente possível, a jornalista Isabel Arriaga e Cunha, que assina o artigo, afirma que “medidas como aumentos de impostos” são encaradas “por Berlim” como “um erro que penaliza as populações mais desfavorecidas e mata o crescimento económico”. Mais: que “Berlim” nutre “fúria” contra a troika; que “incompetente, ineficaz ou rígida são críticas recorrentes ouvidas em Berlim contra a Comissão”, e que os “responsáveis alemães” têm total ceticismo “sobre a sua capacidade para gerir a saída da crise”. Mais ainda: que “os alemães” defendem que os países sob programa de ajuda externa “deveriam beneficiar de um regime especial de derrogação temporária às regras da concorrência para poderem assumir medidas inovadoras e porventura menos ortodoxas em favor do crescimento económico”.
Em resumo (e vale a pena ler o artigo na íntegra), o Público conseguiu a “cacha” mais sensacional do ano, e talvez dos últimos anos. Afinal, a senhora Merkel demarca-se da austeridade imposta aos países periféricos da Europa; afinal, o governo da senhora Merkel está enfurecido contra a rigidez da troika; afinal, o governo em que o senhor Scaüble é o ministro das Finanças defende medidas para o crescimento.
Afinal, todos nós, incautos, estávamos errados.
Este artigo seria de facto sensacional se tivesse alguma credibilidade. Mas não tem.
Pior: é um artigo que não só viola o código deontológico dos jornalistas como também o próprio Livro de Estilo do Público. E, já agora, vai contra o mais simples bom senso.
Vamos por partes.
“No PÚBLICO não se aceitam fontes-fantasmas”
A autora do artigo não cita uma única fonte. Não há uma só pessoa identificada como autora das informações e opiniões veiculadas no artigo. Todas as fontes são anónimas. Ora o Código Deontológico diz:
“O jornalista deve usar como critério fundamental a identificação das fontes. (…) As opiniões devem ser sempre atribuídas”.
O artigo inteiro veicula opiniões (não há um único facto citado a comprovar as sensacionais afirmações), que são atribuídas apenas a “responsáveis alemães”, “os alemães”, “ Berlim”. Isto é: as fontes não só não são identificadas, como também são coletivas. Mas o Livro de Estilo do Público diz: “Formulações do tipo 'o Governo está a pensar...' não são admissíveis nas páginas do PÚBLICO. 'O gabinete do primeiro-ministro declarou...' é também uma expressão a evitar: só as pessoas podem fazer declarações” (sublinhado nosso).
O uso de fontes anónimas é admitido pelo jornal apenas em situações excecionais, e “a recusa de identificação de uma fonte sem justificação plausível deverá ser sempre referida pelo jornalista”, o que não foi feito.
Mesmo em casos absolutamente excecionais, “a despistagem ou proteção do informador deve ser cuidada, mas não enganosa, e implica rigor e seriedade”. E por isso o Livro de Estilo defende que “uma fonte não são 'fontes', uma informação prestada pelo dirigente X, pela tendência Y ou pelo MNE não pode ser atribuída indistintamente a 'meios clubísticos', 'partidários' ou 'diplomáticos'”. E afirma claramente que “no PÚBLICO não se aceitam fontes-fantasmas”.
“Toda a informação (…) deve ser sempre avaliada, confirmada e, se possível, contraditada”
A jornalista e os editores que publicaram o artigo podem-se escudar atrás do facto de que muitas vezes os órgãos de imprensa usam e abusam de fontes anónimas em Portugal. Mas isso nada justifica. Para que serve então o Livro de Estilo do Público?
Acontece que o problema não é só o uso injustificado de fontes anónimas e, ainda por cima, a dar opiniões, o que, evidentemente, Livro de Estilo e Código Deontológico condenam. Vamos supor que, dado o caráter sensacional da revelação veiculada no artigo, valia a pena mandar às urtigas deontologia e Livro de Estilo e publicar o artigo que vimos a citar. Mas não haveria que ouvir outras fontes, essas sim identificadas, sobre esta “fúria de Berlim contra a troika?” Certamente que não faltariam analistas políticos, porta-vozes do FMI, da Comissão Europeia e do BCE, perfeitamente identificados e doidinhos por comentar revelações tão surpreendentes. Não conseguimos descortinar qualquer justificação para isto não ter sido feito. E o Livro de Estilo diz: “Toda a informação, 'on' ou 'off', deve ser sempre avaliada, confirmada e, se possível, contraditada antes da publicação”.
Finalmente, o simples bom-senso mandaria a jornalista questionar-se, antes de publicar: “Será que todos os discursos de Merkel e Schaüble, todas as medidas do governo alemão, todas as resoluções das cimeiras e do Eurogrupo foram mal interpretadas? Será que só eu e as minhas fontes do governo alemão é que conseguimos enxergar aquilo que mais ninguém vê?” No Brasil, isto chama-se “desconfiómetro”, uma qualidade que todo o jornalista deveria ter.
Atualização: Um dia depois, o Público é obrigado a publicar um desmentido oficial do seu artigo, emitido pelo governo Merkel. O jornal desculpa-se dizendo que “depois de criticar Barroso em 'off', Governo alemão elogia-o em 'on'”. Pois é: mas como as fontes do artigo anterior são anónimas ('off'); como não houve cruzamento de informações; como não houve contraditório, o que sobra é uma manchete que se desfez em fumo. O artigo de quinta-feira fica exibido à luz mais crua: foi um recado, foi um frete feito ao governo Merkel no seu confronto de bastidores com Barroso. Mas o jornalismo que faz fretes é mau jornalismo, desrespeita os leitores e descredibiliza-se. Por isso viola sem pudor o próprio Livro de Estilo do jornal, que a atual diretora demonstrou desconhecer.
Comments
Oiça, Eu quando li isso não
Oiça, Eu quando li isso não dexei de pensar:
--- Algum "alemão" funcionário da "instituição" pôse a "Arriaga e Cunnha" a Dormir e lhe segredou o Resto.
Têm Aí a sua explicação.
Não se ponha Com Delírios de Jornalista.
"Fontes". "Livro de Estilo".
[Veja-se lá se remete Já este texto para publicação]
Ou seja, o senhor Luis
Ou seja, o senhor Luis Leiria, Jornalista do Esquerda.net (?), não sei que jornaleco é este, quer trucidar uma jornalista de um dos médio/grandes diários cá da terrinha só porque, sublinhe-se, defende a senhora Merkel, algo que o senhor LL, um radical de esquerda, tudo leva a supor isso, tem na senhora Merkel um alvo escolhido pela esquerda caceteira cá do "quintal", a abater e onde os jornalistas(?), igualmente caceteiros progressistas(?), devem concentrar todas as energias. As eleições na Alemanha estão aí e não podem vacilar no ataque. E ficou furioso. Furioso com o facto de alguém ter uma OPINIÂO DIFERENTE.
Entao foi buscar uma série de normas que foram, supostamente, violadas pela senhora jornalista do Público que, obviamente, não tem de revelar as suas fontes. Bom, o Público não é exatamente um jornaleco de net, tem cópias em papel para serem vendidas ao publico diariamente e é com esse dinheirinho que sustentam a casa, e pagam salários, e tem uma Direção, uma Administração, e um Conselho de Redação, e Chefe de Editorial, etc., etc., etc,tudo para "vigiar" os artigos que saem no jornal, ao contrario do senhor jornalista(?) LL, que não tem nada disto, que deve fazer estes artigos deitado na cama entre duas torraditas e o chazito em frente ao seu notebook.
As responsabilidades entre o senhor LL e a senhora Isabel Arriaga têm uma diferença abissal, é que esta se nao respeitar as normas pode ser despedida, enquanto o senhor LL publica o que lhe apetece impavido e sereno, quando quer, o que quer, desde que seja do agrado da Internacional Comunista, com a mesma responsabilidade(?) daquele ministro e ex primeiro ministro que fazia exames de inglês técnico de engenharia ao domingo numa mesa de café.
Só há uma coisa em comum: tanto um como o outro têm direito à sua opinião. O facto de uma ser feita em discurso direto, ou a outra por metáforas (que eu nao acredito)não tem relevancia nenhuma, sendo que, e agora é minha opinião, dou mais credibilidade à acção da senhora Merkel do que à prosa trauliteira radical do senhor LL.
Pelos vistos não foi
Pelos vistos não foi necessária a ajuda do esquerda.net, o Público enterrou-se a si mesmo na manchete de hoje que desmente a da véspera. Só mesmo o senhor Luís Carvalho, que percebe tanto de regras jornalísticas como eu de criação de gado, é que engole tudo o que lhe servem à colherada... Agora tem bom remédio, vá queixar-se ao Belmiro sobre a falta de vigilância da "Direção, Administração, Conselho de Redação, Chefe de Editorial, etc., etc., etc". :D
Se se enterrou Q desenterre.
Se se enterrou Q desenterre. Q prostração.
O "Público" tem sido, até
O "Público" tem sido, até agora, o meu diário favorito. Apesar de ser detido pela Sonae do Belmiro, revelava alguma independência e pluralismo, abrindo as colunas a comentadores de todas as tendências políticas, esquerda incluída (ao contrário de outros meios de comunicação social, em especial as televisões).
Claro que a linha editorial era, essencialmente, de "bloco central", mas o jornal sempre se manteve independente dos governos, tendo sido, inclusive, responsável pela divulgação de casos devastadores para figuras governativas, como as "licenciaturas" de Sócrates e Relvas.
Porém, desde há uns tempos tem-se vindo a verificar uma certa viragem à direita (notória no "consulado" de José Manuel Fernandes, mais subtil com a atual direção). E, nas questões europeias, quer Teresa de Sousa quer Isabel Arriaga da Cunha, são meras porta-vozes do "mainstream".
Mas, pior que tudo, é parecer que o rigor da informação se tem vindo a perder, como muito bem sublinha o Luís Leiria neste caso concreto. Outra coisa que me tem irritado é a cruzada contra com o acordo ortográfico, em que o jornal tem dado um "tempo de antena" desproporcionado aos seus opositores, o que, concorde-se ou não com a matéria em causa, é absolutamente contrário às regras do bom jornalismo.
É sintomático que o jornal tenha acabado com o Provedor dos Leitores.
É por essas e por outras que já só o compra ao fim de semana ou quando há alguma notícia ou comentário interessante.
Quanto ao comentário do sr. Luís Carvalho, "cheira-me" a lacaio da administração do "Público", ou seja, do Belmiro. Vale o que vale!
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