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A utopia da democracia que não espera pelos salvadores

De 4 a 18 de Maio, Zagreb enche-se de estranhos sinais nas ruas principais, anunciando um festival de cinema subversivo ou um festival subversivo de cinema – a língua inglesa é muito traiçoeira. Milhares de pessoas participam na discussão de filmes e, depois, nos fóruns por onde passa a filosofia, política, psicanálise, história, testemunho de movimentos sociais e debates de estratégia. A esquerda junta-se nos Balcãs.
6º fórum e festival de cinema subversivo, Zagreb, maio de 2013

Durante o festival, Oliver Stone, Ken Loach, Chris Maker, Sophie Fiennes e muitos outros apresentaram os seus filmes e documentários: o de Stone foi certamente o mais discutido, e não era para menos – é uma série de dez episódios sobre a “história ignorada dos EUA”, desde a Segunda Guerra até aos tempos recentes da “era do terror”. Tariq Ali, destacado porta-voz das lutas contra as guerras, foi o comentador da série, num debate com Stone. Sucederam-se depois conferências de várias figuras conhecidas da universidade e das esquerdas norte-americanas (Erik Olin Wrihght), latino-americanas (Aleida Guevara) e sobretudo europeias (Alexis Tsipras, Slavoj Zizek, Chantal Mouffe, Costas Douzinas, Yanis Varoufakis, Maurizio Lazzarato).

A preparação da AlterSummit, que se reúne em Atenas dentro de dias, das próximas manifestações europeias e, ainda, a resposta à crise europeia, foram temas marcantes dos debates, com a colaboração da rede Transform (de que faz parte a Cultra, portuguesa). Como dentro de dias a Croácia, anfitriã do festival, consagra a sua entrada na União Europeia, e a recessão, a austeridade, as opções merkelianas e a relação de forças na união foram um tema insistente para muitos dos participantes croatas. Mas o que dominou o debate, desde as apresentações de filósofos que refletiam sobre os movimentos de resistência, até ao discurso militante, foi o exemplo grego, as ocupações da Praça Syntagma do ano passado e a ascensão do Syriza como alternativa eleitoral e política.

Nas esquerdas, e por maioria de razão nas direitas, há quem não queira sentir o óbvio: o Syriza é hoje a parte mais forte da esquerda europeia. A parte melhor, porque a mais empenhada numa alternativa imediata para os problemas de fundo. E a parte mais mobilizada, porque é essa atitude de ousadia e de querer vencer que faz sempre a diferença. Por isso, a Grécia foi o tema deste fórum, cujo título é “A Utopia da Democracia”: a democracia grega, que marcaria o Memorando, seria o renascer da Europa. 

Zizek, apoiante do Syriza mas evidentemente incrédulo sobre o seu sucesso, perguntava a Tsipras o que vão fazer se ganharem, como se um elemento de dúvida sobrasse depois de tudo, ou estivesse predestinado um curso para o recuo face às dificuldades – ou como se o programa da esquerda fosse sempre incumprível. Estranha pergunta, compreensível dificuldade, como se a política fosse um exercício de laboratório, porque o compromisso da esquerda só pode ser fazer exatamente o que pode levar à vitória: cumprir a sua palavra e terminar o protetorado da troika. O que faz a força da resposta é o que faz a força da vitória é o que faz a força do governo e da luta popular – só assim a esquerda é esquerda.

Ao mesmo tempo, as lutas sociais na Roménia, Bulgária, Eslovénia e mesmo no Kosovo repercutem-se num entusiasmo que se sente na sala e nos testemunhos de muitos dos seus participantes. Dos Balcãs a Atenas, a Europa move-se um pouco e faz tremer o sul da Alemanha.

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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