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Islândia, Itália, Portugal e o suicídio da esquerda possibilista
O partido social-democrata e o dos verdes formavam um governo de coligação. Ambos os partidos foram varridos do mapa por uma punição eleitoral que só tem precedentes na derrota dos partidos das direitas que tinham conduzido ao escândalo bancário – e que agora voltam ao poder. A direita recupera assim graças à conjugação de dois efeitos: os governantes insistiam numa adesão à União Europeia que foi vista pela população como uma ameaça e um risco insuportável e a austeridade desacreditou os que prometeram um governo para as pessoas. Estes dois efeitos dão que pensar. São uma lição dura.
Em primeiro lugar, são uma lição para o europeísmo obediente. A União Europeia assusta e repele, porque é a agência da austeridade e do desemprego. O caso de Chipre provou, como antes os da Grécia,Irlanda, Portugal, Espanha e Itália, que a direção europeia é perigosa e reincidente. Os islandeses tiveram medo desta gente e preferiram a demagogia dos nacionalistas, mesmo que fossem os nacionalistas da trafulhice financeira de que todos ainda se lembram.
Em segundo lugar, são uma lição para os que achavam que, na emergência, o mal menor leva a algum lado. Leva, de facto: leva à recuperação da direita. Os que há um par de anos, em enfática pose de sentido de Estado, aconselhavam as esquerdas a seguir o caminho moderado dos social-democratas e dos verdes, a apoiarem a coligação porque não havia outra,a juntarem as suas preces para que a austeridade desse certo, não se enganaram só a si próprios, enganar-se-ão sempre enquanto defenderem que a austeridade é a melhor solução contra a austeridade.
Ainda me lembro dos artigos pomposos contra o crime de lesa-majestade do Luís Fazenda, que tinha reunido com o ministro das finanças da Islândia e concluído sem dificuldade que o governo ia destroçar-se: pois não é que ele é um sectário, não compreende a dificuldade, não está disposto ao belo sacrifício, escreveram os conversos da austeridade. Mais ainda, aquela prometedora aliança devia ser um exemplo para todos, é assim que se conjugam vontades, escreviam os conversos, hoje remetidos a um prudente silêncio. Aqui temos a dura lição: a política de direita abre sempre o caminho à direita.
Mas, em terceiro lugar, o fracasso deste governo suscita uma questão mais vasta de estratégia. Para a colocar com simplicidade: porque é que a esquerda possibilista é tão estúpida que acha que repetir sempre o que falha sempre vai permitir alguma vez um resultado diferente? Falhou na Itália. Havia um governo de coligação que era o melhor que se conseguia, diziam. Temos que o apoiar mesmo sabendo que pode ser o nosso suicídio, acrescentava um teórico. Foi mesmo. Não sobrou nada da esquerda e Berlusconi ganhou a seguir. Na Islândia era a nova oportunidade e o mesmo argumento: o governo de coligação era o melhor que se conseguia. Resultou: a direita ganhou. A lição dura é esta: nunca se ganha quando se faz tudo para perder. Aceitar a austeridade contra o trabalho é merecer perder sempre.
Por isso, a lição de todas as lições serve para Portugal. O problema de Portugal não é imitar a Itália ou a Islândia e as suas coligações que são sempre apresentadas como o menor dos males e a única alternativa. António José Seguro, que assegura que cumprirá os “compromissos” porque “a austeridade é diferente da política de austeridade”, assume uma posição que é o seguro de vida da direita, pois qualquer governo que prossiga este programa só pode devolver o poder à direita – se é que não é logo uma coligação com a direita.
Por isso, aos que cultivam a beleza do suicídio literário como uma afirmação de política, aos que acham que o irrealismo de apoiar a austeridade é um dever de consciência justificado pela falta de vontade de lutar por alternativas, respondo simplesmente: aprendamos com a Islândia.
O que determina a força e a coerência de um governo não é a cor de quem pode vir a estar nele, é simplesmente o que vai fazer, o compromisso que tem com o seu povo, a sua capacidade de rejeitar o memorando e a austeridade e de impor uma economia para os bens comuns da democracia. O que faz a política é a política. Uma coligação miserável de cedências financeiras e de políticas de desemprego nunca será um governo de esquerda. Será, como na Islândia, uma antecâmara da direita. Mas, para isso, não se atrevam a falar-nos de esquerda e de caminhos realistas quando é preciso esquerda e caminhos realistas.
Comments
Peço desculpa pelo meu
Peço desculpa pelo meu portugues, sou italiano mas moro em portugal há 10 anos.
É triste ver este país, onde decidi viver e casar, onde nasceu o meu filho e onde pensava de poder construir uma vida digna com o meu trabalho, afundar numa crise que nenhum partido tem a coragem de enfrentar com clareza.
Porque enfrentar o problema desta crise não se resolve partindo das consequencias: austeridade e desemprego, mas sim começando pelas causas. Se é verdade que o shock economico que abalou a União veio de fora, com a crise financeira que provocou uma contração do comercio mundial de 14%, também é verdade que os paises mais fracos da zona euro não tiveram armas para se defender, devido a própria construção da área monetaria (não otima).
Ao povo que não percebe nada de economia foram indicados os alegados "responsaveis": os Estados despesistas que não sabem gerir o dinheiro dos contribuintes.
Mentiras sobre mentiras... mas que mal se aplicavam a situações como a da Irlanda e da Espanha, por exemplo, que ao despoletar da crise em 2008 tinham o ratio divida/pib mais baixos da zona euro (30 e 45%) (até Portugal estava perfeitamente alinhado com o parametro de Maastricht de 60%).
Falou-se então de bolhas imobiliarias, financeiras, de punição com juros altos para os Governos "sem credibilidade" (quando os mercados depois do "default" grego, decidido pela UE, estavam simplesmente a garantir-se do risco de um haricut ou de uma eventual saida do euro dos paises em crise com relativa desvalorização).
Nunca ninguem falou do euro, dos desequilibrios comerciais entre paises U€, da livre movimentação dos capitais (sem risco de cambio) que causou a enorme divida privada da periferia financiada pelas economias do centro para comprar produtos do centro, das politicas de deflação salarial da Alemanha (feitas pela esquerda alemã! e que hoje em dia resultaram sim num aumento de competitividade, mas tamebem em 10 milhoes de precarios com salarios ridiculos).
MAs os culpados sempre foram outros e continuam a ser outros.
Agora são as politicas de austeridade, a redução dos salarios (como se, uma vez que a soberania monetaria está perdida, houvesse outra maneira de equilibrar o defice comercial)
Então as esquerdas se apelam a uma Europa diferente, uma uniao fiscal, subsidios para os Estados em dificuldade...(que nem sequer algumas regioes da alemanha querem no próprio país)
E se dissesem que não? Se os paises crededores não quisessem ceder?
Os crededores não querem que as dividas sejam devolvidas em moeda desvalorizada pela inflação e o desemprego é a maneira melhor de mante-la baixa...
Desemprego e austeridade, até ajudam a balança comercial.
O custo do trabalho desce, as exportações aumentam... Os salarios diminuem tal como as importações mas...É pena que muitas empresas que trabalham para o mercado interno começam a morrer devido a falta de procura e que uma quantidade enorme de pessoas, especialemente jovens serão obrigados a emigrar ("Juventude em movimento" segundo a definição da Agenda UE)
Mas pronto, não será um problema, são empresas pequenas, medias... não são competitivas. O consumidor portugues embore ganhe menos, ainda ganha em euros e ainda consegue comprar bens que vem de fora feitos em paises com empresas mais eficientes e por isso mais convenientes. E os jovens no estrangeiro vão aprender e ganhar experiencia e se não regressarem paciencia.
O pais vai começar a morrer lentamente e passado mais um tempo as esquerdas nacionais e europeas em conjunto com as Comissões de Bruxelas e do FMI vão comunicar aos eleitores que a asuteridade não está a funcionar bem, que a divida está a aumentar tal como o desemprego, e que por isso vão precisar de confiscar contas bancaria, despedir mais uns milhares de funcionarios, privatizar o que sobrou dos serviços públicos e do estado social, cancelar as reformas.
TUDO ISSO EM NOME DA PORCARIA DA MOEDA UNICA E DE PARAMETROS QUE NÃO EXISTEM EM NENHUM LIVRO DE ECONOMIA!
A responsabilidade do desastre será também a vossa, mesmo não participando no governo.
É tarde mais ainda estão a tempo de deitar abaixo esta maquina infernal do Euro. Quanto mais tardar pior.
O povo Portugues e os dos outros paises tem o direito de decidir autonomamente o prorpio destino e a propria politica monetaria, sem ceder soberania a instituições que tudo demonstraram menos que querer colaborar a uma resolução digna desta catastrofe social.
Estão prontos a abandonar o pesadelo do Euro para repensar uma União diferente, uma união que não seja um lugar de concorrencia entre paises?
Boa sorte...
Uma análise extremamente
Uma análise extremamente lúcida, caro Louçã. Se pensarmos no caso português, foram as políticas de Sócrates que abriram o caminho do poder à direita. Ao atacar os direitos dos trabalhadores, em especial dos funcionários públicos, com uma agressividade a que nem anteriores governos de direita se tinham atrevido, o PS levou muitas pessoas com "coração de esquerda" a votar "útil"(?)em Passos Coelho ou em Paulo Portas só para se livrarem do Sócrates. Sou professor e sei de muitos colegas que fizeram essa opção.
No fundo, isso mostra que o grande problema que a esquerda enfrenta, na Europa, é a colonização dos partidos da Internacional Socialista pelas ideias neoliberais. Assim, com esses partidos no poder, o povo continua a fazer de burro de carga; quando muito, podem aliviá-la um pouco (e nem sempre!). Acresce ainda, no caso português, a existência de um PCP rígido e que sempre procura hegemonizar a esquerda. Por isso é que é tão difícil construir uma alternativa credível à direita. Seria, talvez, de começarmos a olhar para as experiências latino-americanas de rutura com o neoliberalismo (Venezuela e Equador, em especial), expurgando-as de alguns elementos populistas.
Ainda sobre a UE, é, para mim (que sou europeísta) uma "dor de alma" ver como estas miseráveis lideranças europeias, medíocres, míopes e vendidas ao capital financeiro, conseguiram transformar aquele que era um grande elemento do "soft power" da UE (o seu poder de atração) no seu contrário, ou seja, em algo de repulsivo. Por este andar, nem os paíse pobres do Balcãs quererão aderir. E, face aquilo que tem sido a linha seguida por Bruxelas, se calhar o melhor é mesmo ficarem de fora.
Em princípio estou de acordo
Em princípio estou de acordo com o raciocínio de Francisco Louçã, já que foi muito dificil para mim entender a reviravolta política que aconteceu na Islândia.
Depois dos acontecimentos que sucederam à bancarrota islandesa, aquele país era citado como exemplo a seguir, principalmente pelos paises que se encontram em programas de ajustamento, como Portugal e outros.
Agora depois das eleições na Islândia e do seu resultado, eu pelo menos fiquei muito confuso e sem saber o que pensar.
Depois de ler o comentário anterior ao meu, fiquei muito mais convencido que defacto seria melhor para nós sairmos do EURO.
Já há algum tempo que venho a afirmar precisamente isso. Tendo em consideração o empobrecimento que temos sofrido em geral, o aumento das desigualdades sociais com o quase desaparecimento da classe média, julgo que o povo português na sua grande maioria já nada tem a perder se sairmos do euro, antes pelo contrário.
Quem não tem dinheiro, nada perde, provavelmente até ganha poder de compra, quem tem muito, perderá alguma coisa do que tenha no país, porém na sua maior parte já o terão transferido para qualquer paraíso fiscal no estrangeiro.
Por outro lado, julgo que se nos propusemos a essa saída, logo começarão a surgir ajudas de todos os nossos parceiros da UE e aí talvez consigamos sair desta crise.
Como não sou economista, possivelmente este raciocínio pode estar completamente errado, mas é o que penso.
Tres comentarios : 1 Os
Tres comentarios :
1 Os partidos da internacional socialista non foron colonizados : levan o liberalismo -ou neoliberalismo- no seu ADN e esto se observa cando chegan ao poder non fan politica de esquerdas porque no seu fundamento non son esquerda : Felipe González na Espanha xa desactivou o pouco marxismo no PSOE nos comenzos do seu liderato.
2 Con esta premisa, non me parece xusto afirmar que os partidos de esquerdas perden as eleccions cando fan políticas de dereitas: NUNCA un partido de esquerda real governou na Europa. E está ben claro que os electores escollen o orixinal mellor que a copia.
3 De todas formas, non son capaz de entender os motivos que levan a tantísima xente repetidamente a deixar o seu voto (o único elemento de democracia que nos deixaron) nas mans de estos depredadores corruptos.
Por muito que Eu que gostasse
Por muito que Eu que gostasse de acreditar que a culpa é só dos governos/partidos que apenas são de esquerda no seu nome a verdade é o mundo mudou mais do que a esquerda pensa. Sou de esquerda mas não um optimista. Os povos aburguesaram-se. Interessa mais ter um Ipad ou Iphone do que ter saúde ou ensino público gratuito e de qualidade. Aliás preferem ter os seus filhos em colégios manhosos para poderem dizer aos amigos que os vão buscar ao 'colégio'. Não Me venham dizer que nazis a terem 10% na Grécia é culpa do PASOK, por favor. Na Alemanha uma célula neo-nazi andou a matar turcos e gregos. Na Turquia um dos "livros" mais populares entre os jovens é o Mein Kampf. Na Grécia temos o Aurora Dourada. Por muito que Eu quisesse o tempo não volta atrás. A última bandeira de esquerda, o direito dos homossexuais está a ser reclamada (ainda que lentamente e com muito atrito) pela direita, inclusivé nos USA. O GOP já começou a abrir uma (muito) pequena janela para poder ganhar as próximas eleições.
Até na Noruega já se dissipou a vergonha do Breivik e o mesmo partido do qual ele fez parte vários anos prepara-se para chegar ao poder nas proximas eleições. A culpa também é dos socialistas/sociais-democratas noruegueses? Na Dinamarca as sondagens arrasam o atual govewrno e os populistas de direita vão também ganhar as proximas eleições. Na Súécia já nem falo da esquerda continuar a perder votantes e a direita ir ganhar com uma maioria ainda mais reforçada. O Aurora Dourada Sueco prepara-se para chegar ao parlamento com a sua percentagem a dobrar a cada eleição municipal/europeia/legislativa.
Caro Loucã, Eu sei que é mais fácil criticar o centro-esquerda do que as pessoas, mas está na altura de o fazer. A culpa de andarem à batatada por garrafas de whisky no Pingo Doce o ano passado é do Soares dos Santos?
Um pequeno episódio: Há uns meses estava a entrar na catina de uma Faculdade e um grupo de caloiros (18/19 anos) estava a falar da greve dos transportes, um deles diz que as greves deviam ser proibidas ou que quem fizesse greve devia originar um depedimento sumário. Este pequeno episódio decorreu enquanto 'brincavam' com os seus gadgets, muito mais importantes do que qualquer livro de Camus, Sartre ou Saramago.
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