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Austeridade, mas não para os amigos

O Ministro das Finanças fecha a torneira a milhares de empresas, bloqueia o funcionamento de serviços indispensáveis e prejudica a gestão corrente da administração pública. Na mesma semana, ficámos a saber da nomeação para o IGCP de alguns boys do PSD com salários entre os 3.000 e os 10.000 euros.

Espero que Vítor Gaspar não fique para a história de Portugal. Se ficar, será provavelmente como o Nero português. Uma das lendas sobre este imperador romano é a de que ele teria provocado deliberadamente o grande incêndio de Roma para poder reconstruir a cidade a seu gosto. Esta história é desmentida pela maior parte dos historiadores, mas assenta como uma luva ao atual Ministro das Finanças. A diferença é que, neste caso, não se trata de destruir uma cidade, mas sim um país inteiro.

De facto, o recente despacho de Vítor Gaspar congelando toda a despesa pública é o ato de uma tal desorientação, que dir-se-ia ter origem numa mente desequilibrada. O Ministro das Finanças fecha a torneira a milhares de empresas que são fornecedores do Estado, bloqueia o funcionamento de serviços indispensáveis à população e prejudica a gestão corrente da administração pública, correndo aliás o risco de provocar custos agravados a prazo, por exemplo, através do entrave à celebração de contratos.

É por isso impensável que desta medida lunática possa advir algo de bom para a economia portuguesa. A decisão é simplesmente a consequência da reação de Passos Coelho ao Tribunal Constitucional (TC), tentando fazer do TC o culpado. Na "narrativa do Primeiro-Ministro", o descalabro da economia, o descontrolo do desemprego e a explosão da dívida são responsabilidade do TC. O programa de destruição do Estado Social, que o PSD já tinha apresentado, também só vai acontecer por causa do TC, e por aí adiante. Já sabemos, a birra de Passos Coelho é para responsabilizar o TC retroativamente.

O objetivo é, portanto, muito simples: uma política de terra queimada. Uma destruição económica e social de tal ordem que permite a um governo de irresponsáveis uma reconfiguração forçada da sociedade portuguesa, de acordo com um programa de extremismo ideológico.

Qual é o resultado deste delírio? Segundo notícias vindas a público, os inspetores da ACT (Autoridade para as Condições do Trabalho) estão a ser obrigados a limpar as suas instalações, perdendo tempo para as suas reais funções que são as de proteger os direitos do trabalho na economia portuguesa. Para o Governo, isto não é um problema porque uma parte central da sua agenda é precisamente destruir esses direitos. Mas não se confunda isto com o objetivo de poupar na despesa ou cortar nas gorduras. Na mesma semana em que tudo isto aconteceu, ficámos a saber da nomeação para o IGCP(Agência de Gestão da Tesouraria e da Dívida Pública) de alguns boys do PSD com salários entre os 3.000 e os 10.000 euros. Austeridade sim, mas não para os amigos.

Artigo publicado no jornal “As Beiras” a 13 de abril de 2013

Sobre o/a autor(a)

Eurodeputada, dirigente do Bloco de Esquerda, socióloga.
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