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Concessão dos Estaleiros do Mondego é trapalhada monumental

A concessão dos Estaleiros do Mondego revela uma negligência que não seria admissível numa qualquer república das bananas.

Quando já nada parecia capaz de nos espantar no atrapalhado processo de concessões e privatizações, depois de tudo o que aconteceu na TAP e depois da trapalhada no processo da RTP - eis que o Governo mostra que consegue sempre escavar mais fundo. 

A concessão dos Estaleiros do Mondego é um caso de estudo de tudo o que não deve, nem pode ser feito na gestão do interesse público, com um nível de negligência que não seria admissível numa qualquer república das bananas. 

O Governo entregou a concessão de um estaleiro a uma empresa sem dinheiro, criada um mês depois da abertura do concurso público, e cujos sócios não só não têm um único dia de experiência na indústria naval, mas que, pelo contrário, têm um longo historial de salários em atraso em empresas de construção civil. 

Resultado. Seis meses depois, a empresa a quem o Estado concessionou os estaleiros ainda não pagou os 500 mil euros devidos pela aquisição dos equipamentos, nem 100 mil euros de caução à autoridade portuária, e nos estaleiros já há trabalhadores com salários em atraso. E os postos de trabalho, prometidos com pompa e circunstância pelo ministro da Economia, também ninguém os viu.  

O contraste entre as promessas efetuadas pelo ministro da Economia, no início deste ano, e a realidade vivida na empresa é tão chocante e contrastante que talvez o melhor seja dar a palavra a Álvaro Santos Pereira. 

Dizia o ministro, há apenas três meses, que a concessão dos estaleiros, e cito: “irá permitir a contratação de 134 postos de trabalho diretos, e 230 indiretos, até ao final deste ano”. Aliás, o ministro não se limitou a quantificar os postos de trabalho, e anunciou também 18 milhões de euros de investimento. Resultado. Zero novos postos de trabalho, nenhum investimento. 

Para o espanto ser completo só falta ouvir o que dizem à imprensa os ditos investidores em relação aos anúncios de sr. Ministro Álvaro Santos Pereira: “18 milhões de euros? Não percebi, não sei onde é que o ministro foi buscar esse número”. Como, pelos vistos, também não sabem, volto a citar, “onde o ministro foi buscar esse número” dos 134 postos de trabalho, que é, dizem, “impensável”.

Resumindo. Temos um Governo, a quem talvez devamos chamar desgoverno, que concessionou um estaleiro estratégico para indústria naval portuguesa, a uma empresa desconhecida, cujos sócios têm um longo historial de salários em atraso e de rutura de empresas, que desconhecem totalmente a indústria naval, e que não assumem, agora, nenhum dos compromissos anunciados pelo ministro da economia. 

É caso para dizer, tudo o que neste processo não podia correr mal,  correu. E ia aliás correndo mal duas vezes. Não satisfeitos com a forma dolosa como este processo foi gerido, sabemos agora que o  mesmo ministério da Economia convidou estes notáveis empreendedores para ficarem com a concessão dos Estaleiros Navais de Viana de Castelo. Nem cuidado com as decisões, nem responsabilidade política, nem protecção do interesse público e do emprego A palavra trapalhada foi criada para descrever histórias destas.

A forma despreocupada como o ministro da Economia gere o interesse público, e anuncia investimentos e a criação de postos de trabalho sem qualquer preocupação em garantir que eles existem, é a marca de um Governo irresponsável e incompetente  - de um Governo esgotado. 

Tamanha incompetência e leviandade exigem uma explicação do Governo, e hoje, aqui, a palavra das bancadas que o suportam. Há questões que, em nome da transparência e do interesse dos trabalhadores e da economia da região, não podem ficar sem resposta.

Como é que o Governo concessiona uma empresa estratégica para o distrito de Coimbra sem exigir qualquer tipo de garantia financeira da empresa concessionária?

Como é que o Governo concessiona os estaleiros a uma empresa falida, sem capital, e cujos sócios têm um conhecimento zero no setor naval e um longo historial de incumprimento das suas obrigações?

Como é que, sendo pública e notória a incapacidade financeira dos concessionários, o Governo parece ser a única entidade em todo o país que não conhece o historial destes investidores?

Como é que o Governo anuncia postos de trabalho e investimentos que, pelo que sabe, não acautelou nos contratos que assinou, ou nas contrapartidas que exigiu?

As questões que esta trapalhada monumental levanta são muitas, mas há também ilações que se podem desde já tirar e uma conversa sobre o valor da palavra. 

Um Governo que passa os dias a garantir-nos que a privatização ou concessão a privados de tudo o que mexe é a solução para modernizar a economia, afinal entrega ativos que anuncia como “estratégicos” a investidores falidos e sem capacidade de garantir o investimento e postos de trabalho anunciados, com pompa e circunstância, pelo próprio Governo.  

Isto já não é apenas um ignorante preconceito ideológico contra tudo o que é público, é muito mais do que isso. É indiferença pela coisa pública - é o apoucar da responsabilidade governativa quando se decide desbaratar ativos fundamentais para a recuperação da economia, entregando-os a privados, quem quer que eles sejam. Não é apenas a teoria “se é privado é sempre bom” que é manca - é o Governo que por ser deslumbrado pela ideia de iniciativa privada, e por uma peça televisiva de dois minutos para um ministro que é remodelável desde que é Ministro.

No momento em que se anuncia uma enxurrada de concessões - esta história prova, se dúvidas houvesse, que não contamos com este Governo para proteger o interesse público, a economia e os postos de trabalho.


Declaração política lida na AR a 4 de abril de 2013

Sobre o/a autor(a)

Investigadora do CES
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