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Portugal apresenta níveis de desigualdade muito superiores à média da União Europeia
O professor Carlos Farinha Rodrigues* foi entrevistado pelo esquerda.net no colóquio Desigualdade e Pobreza, promovido pelo Bloco de Esquerda e que teve lugar em 16 de março em Lisboa.
Na entrevista, o investigador afirma que, praticamente desde que existem estatísticas sobre a distribuição dos rendimentos em Portugal, o nosso país “apresenta níveis de desigualdade, quer nos rendimentos familiares quer no rendimento salarial, muito superiores à média da União Europeia”.
Desde o início da década de 90 até 2009, houve uma “ligeira redução da desigualdade em termos dos rendimentos familiares”, devido às políticas sociais de combate à pobreza e à exclusão nomeadamente o rendimento social de inserção e o complemento social para os idosos, que “na medida em que transferiram recursos para as famílias mais pobres aumentaram os recursos desta famílias e, de alguma forma, atenuaram a desigualdade familiar”. Já “a desigualdade salarial em Portugal tem, quase de forma contínua, vindo a agravar-se”, destaca o investigador, salientando ainda que os ganhos obtidos com as políticas sociais de combate à pobreza,“não foram suficientes para nos retirar da cauda da Europa em termos dos países mais desiguais”.
Farinha Rodrigues fala também sobre dois mitos “extremamente importantes” sobre a desigualdade: o primeiro que diz que “desde que as pessoas mais pobres tenham o mínimo necessário não importa que haja desigualdade, isto é, que os ricos sejam muito ricos”; o segundo que afirma que “é necessário que a economia cresça primeiro para nós repartirmos a seguir e termos uma sociedade mais justa”. O investigador afirma que os dois mitos “revelam-se, ao confronto com a realidade, profundamente falsos”. Sobre o primeiro, diz que “geralmente os países mais desiguais são também aqueles que têm maiores níveis de pobreza”, refere que “não é verdade que se possa resolver o problema da pobreza sem resolver o problema da desigualdade” e realça: “estou profundamente convencido que em Portugal uma das causas da dimensão da intensidade da nossa pobreza é nós termos uma sociedade profundamente desigual”. Sobre o segundo mito, defende que “o modelo de desenvolvimento onde a riqueza é gerada é simultaneamente o modelo onde ela vai ser distribuída”, pelo que não se pode “separar a produção da riqueza da sua distribuição” e destaca que “ter um processo de produção da riqueza mais equilibrado é também facilitar um processo de distribuição mais justo”.
O professor Farinha Rodrigues refere que as questões de desigualdade não têm a ver só com as questões de equidade e de justiça social, mas “põe também em causa a possibilidade de ter uma sociedade mais eficiente”, defendendo que “uma sociedade profundamente desigual é uma sociedade que diminui as possibilidades de um crescimento e de um desenvolvimento sustentado”. E frisa: “ter uma sociedade mais justa é também condição necessária para ter uma economia mais eficiente, uma economia com maior crescimento e com maior bem-estar social”.
Sobre a relação entre as políticas económicas e sociais e a desigualdade em Portugal, Carlos Farinha Rodrigues reafirma que as políticas sociais de combate à pobreza, até 2009, atenuaram a desigualdade nos rendimentos familiares, mas realça que essas políticas “não foram concebidas para combater as desigualdades” pelo que “o seu efeito sobre a desigualdade é relativamente pequeno”.
Em segundo lugar, refere que com a alteração e enfraquecimento das políticas sociais, desde meio de 2010, “o efeito que elas exerciam sobre as desigualdades vai desaparecer e, portanto, de alguma forma nós podemos dizer que por omissão as atuais políticas provocam aumento das desigualdades”.
Em terceiro lugar, sobre os efeitos da globalização, afirma que ela está “a demonstrar cada vez mais que nós não podemos competir com o modelo assente em baixos salários”, que havendo “uma parte importada da desigualdade que se pode atribuir à globalização” a “justificação principal da desigualdade” está em “não sermos capazes de construir um modelo de desenvolvimento económico que garanta uma justa valorização do trabalho e uma justa distribuição dos recursos”.
Por fim, sobre o papel das políticas públicas no combate às desigualdades, o professor Farinha Rodrigues reafirmando que as políticas públicas “contribuíram até 2009, para alguma redução das desigualdades”, aborda a política fiscal “que é por excelência um instrumento de combate às desigualdades”. Considerando que o sistema fiscal português tem sido “obviamente redistributivo”, permitindo “uma redução de dez pontos percentuais no índice de Gini”, afirma que, no entanto, “a capacidade redistributiva desse sistema fiscal está muito aquém daquela que poderia ser”, por vários fatores.
O investigador diz que “ao longo dos anos o sistema [fiscal] se tornou mais burocrático, menos transparente, com a admissão de situações de exceção infindáveis”, refere que “qualquer tentativa de aumentar a progressividade do sistema fiscal tem deparado com fortes resistências por parte de alguns setores da população” e salienta que muitos setores da população “conseguem fugir sistematicamente aos impostos”.
“Se me perguntar que tipo de política é que eu desenhava para combater as desigualdades”, equaciona o professor Carlos Farinha Rodrigues e afirma: “aumentar a abrangência do sistema fiscal era na minha opinião um dos primeiros passos para uma política conducente à redução das desigualdades”, referindo que “em alguns aspetos, admitia aumentar a sua progressividade, isto é, tornar de alguma forma mais eficaz a sua capacidade redistributiva”.
Questionando se é isso que tem acontecido nos últimos anos, o investigador afirma que as reformas mais recentes, nomeadamente as que estão consubstanciadas no orçamento do Estado para 2013, “não só não aumentam a capacidade redistributiva do sistema como antes a reduzem”.
Carlos Farinha Rodrigues frisa, a terminar, que a redução de escalões do IRS “diminui a progressividade do sistema”. Reconhecendo que “ o nosso sistema de IRS tinha mais escalões” que a maioria dos países da Europa, lembra que “somos dos países da União Europeia com maiores níveis de desigualdade” pelo que “o esforço necessário para a sua correção deve também ainda ser maior”, justificando-se “perfeitamente essa situação de excecionalidade”.
Aceda à apresentação, no colóquio Desigualdade e Pobreza, da comunicação Desigualdades em Portugal: o papel das políticas redistributivas em pdf
* Carlos Farinha Rodrigues é doutorado em Economia pelo Instituto Superior de Economia e Gestão da Universidade Técnica de Lisboa. É docente do Instituto Superior de Economia e Gestão, assessor do Instituto Nacional de Estatística nas áreas de distribuição do rendimento e das estatísticas das famílias, membro da Society for the Study of Economic Inequality, International Association for Research in Income and Wealth, Centro de Investigação sobre Economia Portuguesa, Centro de Matemática Aplicada à Previsão e Decisão Económica e do Observatório das Desigualdades.
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