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À Venezuela o que era de Chávez

Hugo Chávez quis Nicolás Maduro como sucessor. Mas nada garante que os outros nomes mais próximos aceitem a escolha sem ressentimentos. O que fará Diosdado Cabello, presidente da Assembléia Nacional? E Elias Jaua, chavista radical? E Francisco Arias Cárdenas, militar intelectualizado, influente entre os novos governadores? E o físico Adán Chávez, irmão mais velho e o principal mentor ideológico? Por Eric Nepomuceno, Carta Maior.
Chávez não construiu, ou não pôde construir, uma figura absolutamente leal para substituí-lo numa eventualidade qualquer.

O processo, que era para ser lento na medida do possível, precipitou-se de maneira inevitável – e talvez imprevista.

Na noite da segunda-feira, dia 4, o ministro venezuelano de Comunicação, Ernesto Villegas, informou oficialmente ao país que tinha havido uma piora considerável no estado de saúde do presidente Hugo Chávez.

O anúncio foi feito por uma cadeia de rádio e televisão, tarde da noite, e foi devastador para as esperanças de milhões de venezuelanos, que já vinham de uma prolongada tensão desde que, em dezembro passado, tinham sido informados que o cancro que afetava o seu presidente desde meados de 2011 havia retomado com força.

Na tarde do dia seguinte, terça-feira, houve, primeiro, um novo impacto: Nicolás Maduro, vice-presidente, nomeado candidato a sucedê-lo pelo próprio Chávez, participou de uma solene reunião da direção político-militar da Revolução Bolivariana. Estavam lá todos os ministros, os 20 governadores estaduais filiados ao movimento encabeçado por Chávez, muitos presidentes de câmara – e, claro, os mais altos comandantes militares.

A ausência do presidente da Assembleia Nacional, Diosdado Cabello, tinha plena justificativa: a morte de sua mãe naquele mesmo dia.

Ou seja: o tempo previsto, ou esperado, para preparar a difícil e delicada transição do chavismo com Chávez para o chavismo sem Chávez encolheu de maneira dramática.

E depois da tal reunião solene, houve outro pronunciamento de Nicolás Maduro, para comunicar o que todos temiam, esperavam e pareciam não acreditar: a morte de Hugo Chávez.

O tempo previsto – se é que alguém previu – para anunciar o desaparecimento do condutor máximo da Revolução Bolivariana, do Socialismo do Século XXI, foi cortado bruscamente. Aquilo que era óbvio, mas parecia adiável, aconteceu.

Chávez morreu sem assumir o seu novo mandato presidencial, e deixou um herdeiro que não tem o seu carisma, e muito menos o seu peso nas Forças Armadas, onde afinal reside o verdadeiro núcleo do poder.

Agora, tudo são suposições na Venezuela. De concreto, além da morte de Chávez, apenas a certeza de que as diferentes correntes do chavismo tratarão de se entender, até mesmo para não desaparecer em estilhaços.

O projeto bolivariano alcançou resultados indiscutíveis em termos de mudança na estrutura social da Venezuela. E tudo isso aconteceu girando ao redor de um só eixo: o próprio Hugo Chávez. Que, como todo o líder, teve à sua volta, em diversas ocasiões, diferentes integrantes de um núcleo duro.

Ao longo dos seus longos anos no poder, Chávez não construiu, ou não pôde construir, uma figura absolutamente leal para substituí-lo numa eventualidade qualquer – desde a mais funesta, que acabou ocorrendo, até uma eventualidade política.

Só recentemente, em dezembro passado, quando soube que o cancro que acabaria por matá-lo havia voltado e em condições extremamente agressivas, anunciou o nome que estava debaixo de uma vasta e meticulosa lupa desde há alguns poucos meses, quando soube da própria fragilidade.

Chávez, com apoio dos cubanos, quis que fosse Nicolás Maduro, um dos nomes mais próximos nos últimos tempos. Nada garante, porém, que os outros nomes mais próximos tenham aceite essa escolha sem ressentimentos.

A partir de agora, cada movimento será decisivo, como num minueto impreciso que busca a precisão da sobrevivência. O que fará Diosdado Cabello, militar como Chávez, com grande influência nas Forças Armadas, presidente da Assembleia Nacional? E Elias Jaua, sociólogo bem formado e bem estruturado, vindo da extrema esquerda e um dos cabeças do radicalismo chavista mais radical? E Francisco Arias Cárdenas, também militar, um estranho militar intelectualizado, com forte influência entre os novos governadores saídos da caserna e eleitos em outubro passado? E finalmente, que fará o físico Adán Chávez, irmão mais velho do presidente morto e seu principal mentor ideológico?

Essas são algumas das muitas, muitíssimas perguntas que os venezuelanos se fazem. Mas há outras, mais urgentes e prementes.

O que será da Venezuela? E de Cuba? E da Jamaica, da Nicarágua, da Bolívia e, em boa medida, da Argentina? E do Equador? E das conversações de paz da Colômbia? E da Aliança Bolivariana? E da Unasul, que Chávez e o então presidente argentino Nestor Kirchner, junto com Lula, tanto impulsionaram?

Como se comportarão as forças armadas venezuelanas? Qual será a atitude da Força Aérea, considerada a menos chavista das forças militares?

A América Latina não perdeu apenas um presidente forte, polémico, muitas vezes contraditório. Não perdeu apenas um símbolo de transformações reais. Não perdeu um líder – discutido, sim, mas dono de uma liderança indiscutível.

Perdeu isso e muito mais. Quanto? O tempo dirá. Mas perdeu muito, muitíssimo.

Na noite da morte do presidente Hugo Chávez, um amigo venezuelano escreveu-me: “Era um gigante”.

Pois era isso e muito mais. Agora é preciso ver o que fazer com o seu legado.

E, principalmente, ver como assegurar à Venezuela e à nossa Pátria Grande o futuro que Hugo Chávez ajudou, com todos seus erros e acertos, com todas as suas conquistas e contradições, com todas as suas tragédias e esperanças, a planear e sonhar.

6/3/2013

(...)

Neste dossier:

Hugo Chávez

A morte de Hugo Chávez afasta do cenário venezuelano e latino-americano um dos seus líderes mais influentes. O presidente da Venezuela foi um dos que impulsionou um vasto movimento que procurou libertar o continente da dependência do FMI e criar um modelo de desenvolvimento alternativo. Neste dossier, traçamos o perfil do líder bolivariano e abrimos a discussão sobre o futuro da Venezuela sem Chávez.

Chávez: nem herói, nem tirano

Foi um político do século XXI que chegou ao poder pelos votos e o manteve durante 14 anos graças ao apoio popular. E foi também o primeiro grande líder da etapa pós-neoliberal da América Latina, começando a explorar um caminho pelo qual depois avançariam outros países. Por José Natanson, Brecha

Morreu Hugo Chávez

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O porquê do ódio a Chávez

Ignacio Ramonet e Jean-Luc Mélenchon assinam este texto demolidor acerca da campanha mediática contra Hugo Chávez, escrito nas vésperas das presidenciais de outubro passado.

Reações internacionais à morte de Hugo Chávez

A notícia da morte de Hugo Chávez correu mundo em poucos minutos. O esquerda.net transcreve, neste artigo, algumas das reacções face à morte do presidente venezuelano. Última atualização às 12h05 de 06/03.

Perfil: "A política é apaixonante"

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Em mais de uma década no poder, Chávez usou o petróleo para financiar programas sociais contra a pobreza

Nos quase 14 anos como presidente da Venezuela, o tenente-coronel reformado Hugo Chávez construiu uma imagem associada ao bolivarianismo. Dono do lema “socialismo do século XXI”, ampliou o papel do Estado na economia com nacionalizações, controlo de preços e parcerias público-privadas. Reportagem da revista CartaCapital.

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Desde que abriu sua conta na rede social, Hugo Chávez escreveu 1.824 tweets e conseguiu ser seguido por 4.139.513 pessoas. Por Adital

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Este documentário de Kim Bartley e Donnacha O'Briain seria sobre Hugo Chávez, mas acabou por recolher imagens únicas da reação ao golpe de abril de 2002, apoiado pelos media privados, empresários, militares oposicionistas e o governo dos EUA.