You are here

Lições italianas

A primeira lição das eleições italianas confronta com uma derrota os defensores dos governos de tecnocratas indicados e não eleitos que aplicam a austeridade. Mas há outras lições a retirar...

As recentes eleições italianas levaram à derrota de Mário Monti, primeiro-ministro cessante do governo de “unidade nacional”, ex-consultor da Goldman Sachs, que obteve apenas cerca de 9 por cento dos votos. Monti substituiu Berlusconi, em novembro de 2011, e levou a cabo uma política de austeridade, com o apoio empenhado da Comissão Europeia, do FMI e da generalidade da banca, que conduziu ao crescimento do desemprego e à recessão económica.

A primeira lição das eleições italianas confronta com uma derrota os defensores dos governos de tecnocratas indicados e não eleitos que aplicam a austeridade, diminuem o Estado social, aprofundam as desigualdades e lançam a economia na recessão, em nome “dos mercados”.

A austeridade de Monti foi apoiada no Parlamento pelo Partido Democrático (PD), de Pier Luigi Bersani. A coligação encabeçada por Bersani ficou à frente na eleição do Parlamento e do Senado, mas pagou com um acentuado retrocesso eleitoral aquele suporte às políticas de austeridade. Obteve agora 30 por cento, contra 37 por cento em 2008, e ficou incapaz de formar governo com apoio maioritário no Senado, indispensável no sistema italiano.

A segunda lição a retirar destas eleições em Itália consiste em que a defesa da aplicação da austeridade em versão “light” não evita a condenação eleitoral, como aconteceu agora com o PD e já tinha sucedido com o PASOK na Grécia. Não é a aplicação de um género de austeridade que “doa menos”, ao estilo António José Seguro, que polariza uma alternativa.

O novo partido populista, o Movimento 5 Estrelas, liderado pelo ex-comediante Beppe Grillo, cresceu de forma impensável há meses atrás e alcançou cerca de 25 por cento dos votos. Aparece “contra o sistema e os políticos”, mas disponível para compromissos. Promete um subsídio para todos os desempregados e o abaixamento dos impostos para as empresas. Ataca violentamente os sindicatos, está pronto para integrar membros da extrema-direita, quer proibir o financiamento público dos partidos e impede os seus próprios candidatos de participarem em debates.

A terceira lição inscreve-se na capacidade do populismo, como arma do conservadorismo quando a fratura social se extrema, para absorver o descrédito massivo na alternância, sem alternativa, entre as possíveis vias com que a austeridade se apresenta, sempre como inevitável.

Finalmente, o resultado do partido Revolução Civil, apoiado pela Refundação Comunista e protagonizado pelo juiz anti-máfia Antonio Ingroia, constituiu uma desilusão. Ficou com cerca de 2,5 por cento, aquém dos 4 por cento que permitem a eleição. Apresentou-se como uma candidatura anti-austeridade, alternativa a Berlusconi e a Monti, mas os votos da esquerda foram inferiores aos de 2008, ano em que perdeu qualquer representação parlamentar na sequência da participação no governo Prodi – Bertinoti.

A quarta lição das eleições italianas prende-se com uma espécie de maldição que recai sobre uma esquerda que cedeu ao neoliberalismo e colaborou em governos que aplicaram a austeridade. Foi responsável por lançar sobre os movimentos sociais e a população a desesperança e a ideia de que “são todos iguais”. O populismo ganha via livre quando a esquerda cede.

O caminho da desistência e da resignação destrói a alternativa. Cabe à esquerda transformar a indignação em capacidade de mudança, juntar forças e vontades para alterar a relação de forças e de poder.

Sobre o/a autor(a)

Docente universitário IGOT/CEG; dirigente da associação ambientalista URTICA. Dirigente do Bloco de Esquerda
Comentários (6)