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O mínimo

Sendo um imperativo de bom senso económico, o aumento do salário mínimo é mais do que tudo uma escolha política.

Hoje, declaremos que na nação mais rica da Terra ninguém que trabalhe a tempo inteiro deve viver na pobreza." A proclamação assim feita por Barack Obama no discurso sobre o estado da União proferido esta semana podia ficar como simples fina flor de retórica. Não ficou: o Presidente da "nação mais rica da Terra" quer fazer das palavras atos e apelou ao Congresso para que legisle rapidamente no sentido de aumentar o salário mínimo em escala federal para nove dólares por hora até 2015. O que Obama coloca no debate público é, pois, um aumento de 24% - sim, é isso mesmo, vinte e quatro por cento - para o limite mínimo de remuneração. E isso dá que pensar em Portugal. Pelas piores razões.

Pelos vistos, nos Estados Unidos, não vale o argumentário costumeiro usado em Portugal para manter o salário mínimo nacional como o mais baixo de toda a Zona Euro, desde a desculpa esfarrapada de que "o Parlamento não é o lugar certo" para decidir sobre o assunto, até à invocação da "evolução económica e o imperativo da competitividade" ou dos "momentos muito difíceis do País", quando não mesmo da "extrema fragilidade do atual mercado laboral" e do risco medonho de assim se contribuir para um insuportável "aumento de custos para as empresas num contexto de crise económica". A miopia económica deste discurso justificativo é confrangedora. Não é preciso mais do que bom senso para perceber que um pequeno aumento no rendimento disponível das famílias mais pobres vai seguramente ser aplicado na compra de bens e serviços básicos cuja oferta gera emprego e cujo consumo anima a produção e cria por isso riqueza. Quer dizer, aumentar o salário mínimo nacional é uma medida inteligente para a dinamização do mercado interno e, através dele, da economia como um todo. Para lá do empolgamento retórico, é provavelmente mais isso do que outra coisa qualquer que justifica a proposta de Obama: na competição global, a economia americana não prescinde de nenhum elemento que puxe pelo crescimento e o consumo interno é, desses elementos, um dos mais eficazes.

Por cá, quem manda pensa ao contrário. E veta, reprovando ou abstendo-se violentamente, essa expressão de sensatez económica elementar. Para a reanimação da economia, quem manda prefere amnistias fiscais de milhões aos de cima do que aumento de unidades nos rendimentos dos de baixo. Dizem que não têm subjetivamente nada contra os ricos. Mas a verdade é que mostram ser objetivamente contra os pobres.

Num tempo em que honrar os nossos compromissos para com os credores se tornou em dogma da governação, é porventura impertinente lembrar que a fixação do salário mínimo em 500 euros até 2011 foi um compromisso assumido por patrões, trabalhadores e Governo em 2006. Todos os compromissos para com todos os credores são para honrar, mas alguns honram-se mais do que outros, é isso? E, já agora, o Estado português, quando subscreveu a Carta Social Europeia, comprometeu-se com o princípio de que o salário mínimo líquido deve ser 60% do salário médio. Honrássemos esse compromisso e o salário mínimo ultrapassaria já os 600 euros.

Sendo um imperativo de bom senso económico, o aumento do salário mínimo é mais do que tudo uma escolha política. Porque nele reside um instrumento crucial de combate à pobreza e em favor da coesão social. E assumir esses desígnios como prioridade ou não é uma escolha. O certo é que, estando o limiar de pobreza fixado atualmente em 434 euros, o salário mínimo líquido em Portugal é inferior a isso. Estamos, pois, a multiplicar pobres.

A irracionalidade e a injustiça vão, pois, de mão dada na política atual. E uma política que naturaliza as falcatruas máximas e desdenha da dignidade mínima é uma política que precisa de ser refundada. De alto a baixo.

Artigo publicado no jornal “Diário de Notícias” de 15 de fevereiro de 2013

Sobre o/a autor(a)

Professor Universitário. Dirigente do Bloco de Esquerda
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