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Na política de imigração, ilegal é a lei

As alterações introduzidas na nova lei de imigração constituem uma violação das garantias e direitos fundamentais dos cidadãos e cidadãs imigrantes.

Celebrou-se no passado dia 18 de Dezembro, o Dia Internacional dos Migrantes, oficialmente instituído em 2000, em resultado da adoção, a 18 de Dezembro de 1990 pela ONU, da Convenção Internacional sobre a Proteção dos Direitos de Todos os Trabalhadores Migrantes e dos Membros das suas Famílias, através da resolução 45/158 da Assembleia-Geral das Nações Unidas). Esta data e esta convenção reclamam a urgência de garantir que todos e todas os migrantes gozem dos seus direitos, liberdades e garantias fundamentais.

No Fórum Social Mundial de Dakar, em 2011, uma assembleia internacional de migrantes, aprovou a Carta Mundial dos Migrantes, uma declaração de princípios sob o lema: “Uma carta por um mundo sem muros”. Carta essa que reivindica o direito universal a circular, viver e trabalhar livremente em qualquer lugar do planeta. Nesta senda, a Assembleia dos Movimentos Sociais do Fórum Social Mundial aprovou o dia 18 de Dezembro, dia de ação global contra o racismo e pelos direitos dos migrantes, refugiados e deslocados. Em Portugal e no quadro desta ação global, no passado dia 18 de Dezembro, um conjunto de organizações da sociedade civil (associações de imigrantes, anti-racistas, feministas, de direitos humanos e outras), associaram-se à iniciativa, mobilizando-se contra a política de imigração que tem vindo a ser implementada em Portugal, nomeadamente contra a nova lei de imigração. A característica mais nefasta da nova lei da imigração é a incorporação da diretiva da vergonha nela. A diretiva do retorno, mais conhecida como a diretiva da vergonha, promove a perseguição aos imigrantes porque, entre muitas outras maldades, legaliza as expulsões e os centros de detenção.

E de facto, as alterações introduzidas na nova lei de imigração constituem uma violação das garantias e direitos fundamentais dos/as cidadãos/as imigrantes, violando ostensivamente os princípios da liberdade, dignidade e igualdade. Com estas novas alterações, são reforçadas as medidas privativas de liberdade que acentuam a estigmatização e a criminalização da imigração, pondo em causa as garantias de defesa e de acesso à justiça, num claro retrocesso civilizacional e de menosprezo pelos mais elementares direitos humanos. Com a implementação deste novo regime, muitos e muitas imigrantes a viver há anos em Portugal, trabalhando e descontando para a Segurança Social, pagando os seus impostos, e que, face à crise económica que é transversal a toda a sociedade, não consigam manter a sua situação laboral e contributiva regularizada no país, estão sob a permanente chantagem da expulsão. A nova lei viola o princípio da igualdade, quando reconhece expressamente um conjunto de direitos fundamentais a determinados imigrantes, e recusa-o implicitamente a outros, criando discriminações em função da situação económica e do nível de instrução, consagrando assim legalmente um conceito de imigração seletiva e elitista, ao facilitar as condições de entrada, permanência e residência a imigrantes “ricos” e/ou “altamente qualificados” em detrimento dos restantes.

Da letra e do espírito da nova lei de imigração sobressai a ideologia racista da Europa fortaleza que faz da perseguição aos imigrantes um programa político. A índole securitária da nova lei é chocante e chega a ser repugnante quando, por exemplo, se vê o carácter arbitrário dos artigos 36º e 135º da Lei n.º 23/2007 – que regulam os limites à recusa da entrada de cidadão estrangeiro em Portugal e à ordem de expulsão. A nova redação destes artigos passa a considerar a possibilidade de recusa de entrada e emissão de ordem de expulsão a cidadão estrangeiro que tenha um filho menor a seu cargo a residir em Portugal, quando se “verifiquem indícios fortes de ter cometido atos criminosos graves ou de que tenciona vir a cometer atos dessa natureza”. Esta alteração, ou seja, a previsão da possibilidade de aplicar tais medidas no caso do cidadão estrangeiro ter cometido “atos criminosos graves ou de tencionar vir a cometê-los”, mesmo que tenha filhos menores que dependam de si para sobreviver, é uma sanção que se estende também aos menores, colocando-nos numa situação de vulnerabilidade e de iminente exclusão social, o que viola os mais elementares direitos humanos e representa um violento atropelo à Constituição.

Como pode uma decisão administrativa se sobrepor aos direitos fundamentais garantidos pela Constituição que abrange todos os cidadãos, sejam eles nacionais ou estrangeiros que vivem no país? Escapa ao governo português que todos os homens e mulheres imigrantes e suas famílias – e que na maioria dos casos, já não possuem qualquer relação/identificação com o país de origem - pertencem ao espaço político, geográfico, económico, social e cultural da sua residência habitual que obviamente pertence a este país? Ignora este governo que estamos em presença de cidadãos imputáveis como qualquer outro cidadão e que por isso são forçosamente portadores dos mesmíssimos direitos? Como pode um estado de direito prever a possibilidade de detenção durante um período máximo de 30 dias prorrogável até 3 meses, de um cidadão ou de uma cidadã, incluindo detenção de menores, pessoas com deficiência, idosos, grávidas, famílias monoparentais com filhos menores e pessoas que tenham sido vítimas de tortura, violação ou outras formas graves de violência psicológica, física ou sexual pelo simples facto de ser imigrante em situação irregular ou em processo de expulsão?

Ora, a possibilidade de uma medida restritiva da liberdade ser justificada e aplicada através de conceitos imprecisos, vagos e arbitrários – tais como “fortes indícios de ter praticado ou tencionar praticar factos puníveis graves” – é inadmissível num estado de direito democrático, porque não só viola todos os princípios básicos de igualdade e de dignidade, bem como representa um regresso aos sombrios tempos do regime fascista do Estado Novo! E porque de facto, a nova lei de imigração é, para além de racista e xenófobo, uma coleção de inconstitucionalidades, um conjunto de organizações da sociedade civil (associações de imigrantes, anti-racistas, feministas, de direitos humanos e outras), entregou no passado dia 18 de Dezembro, uma queixa ao Provedor de Justiça para suscitar uma fiscalização sucessiva da sua inconstitucionalidade.

Os imigrantes são sujeitos políticos a quem o governo decidiu, por lei, retirar direitos e remetê-los numa espécie de exclusão jurídica. Esperamos por isso que a mobilização do dia 18 de Dezembro passado e a queixa ao provedor de justiça contra este apartheid jurídico sejam, apenas o início da luta pelos direitos de todos, cidadão imigrantes e nacionais, porque é a luta pela democracia.

Sobre o/a autor(a)

Dirigente de SOS Racismo
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