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Assim de mansinho

Cavaco conseguiu, de uma penada, defender e atacar o orçamento. É certo que o terreno das dúvidas é propício a hesitações, mas tal não se espera de um órgão de soberania.

O discurso de ano novo de Cavaco Silva continua a dar que falar. Tentou entrar de mansinho e acabou por provocar uma onda de reações. Não é para menos. O Presidente da República procurou agradar a todos/as e acabou por não agradar a ninguém (ou, por irónico que possa parecer, talvez tenha agradado apenas à direção do Partido Socialista). Porque se mostrou vassalo perante a troika suscitou críticas da esquerda, porque decidiu avançar com o pedido de fiscalização sucessiva do orçamento não agradou ao PSD. A este respeito, nem se percebe bem o que quer Cavaco Silva. Mesmo antes do ano acabar, promulgou o orçamento em segredo e veio revelar depois que, afinal, tem "fundadas dúvidas" sobre a sua constitucionalidade.

De um Presidente da República espera-se que tenha posições claras, que não deixe espaço em aberto para a imaginação, já que os tempos não correm de feição a exercícios criativos no plano da economia. Sabemos que temos um regime semi-presidencialista, mas espera-se um presidente por completo, não um semi-presidente.

A titubeante ação em relação ao orçamento ilustra bem este jogo de espelhos. Cavaco conseguiu, de uma penada, defender e atacar o orçamento. É certo que o terreno das dúvidas é propício a hesitações, mas tal não se espera de um órgão de soberania. É isso mesmo, aliás, que distingue o Presidente dos partidos políticos que irão remeter as suas dúvidas ao Tribunal Constitucional – o presidente é um órgão de soberania. Como tal, é o único que poderia ter evitado que um orçamento que suscita dúvidas a todos menos ao governo entrasse em vigor. É o único que poderia ter exigido fiscalização preventiva, ou seja, ter atuado a tempo. Não se percebe a sua escolha dúbia por isso mesmo. Cavaco aceita o orçamento às escondidas anuindo perante a troika e, ao mesmo tempo, faz das suas dúvidas uma janela de proximidade ao sofrimento dos/as portugueses/as. Aos/às portugueses/as teria sido bem mais útil uma posição de coragem. É que já vimos este filme antes e o desfecho foi o que se sabe: vivemos em 2012 com um orçamento inconstitucional porque já era tarde demais para mudar. Contribuir para que o mesmo possa acontecer em 2013 é uma irresponsabilidade, com efeitos graves na credibilidade das instituições.

Artigo publicado no jornal “As Beiras” a 5 de Janeiro de 2013

Sobre o/a autor(a)

Eurodeputada, dirigente do Bloco de Esquerda, socióloga.
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