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A Argentina e a reta final da nova lei de meios

O nó agora é saber o que acontecerá caso o Clarín não apresente a sua ‘proposta de adequação’ à noca lei. O governo afirmou que ‘os grupos que não apresentem a sua proposta voluntariamente estarão fora da lei’. E que, então, só restará notificá-los judicialmente e retirar-lhes as licenças, que serão levadas a leilão. Por Eric Nepomuceno, Carta Maior
O nó agora é saber o que acontecerá caso o Clarín não apresente a sua ‘proposta de adequação’

O governo argentino foi claro: espera até à meia-noite da sexta-feira, 7 de dezembro, para que os 21 grupos de comunicações afetados pela nova Lei de Meios apresentem os seus ‘planos de adequação’. Ou seja: digam o que pretendem fazer com a quantidade de licenças para televisão aberta, televisão paga (cabo ou satélite) e emissoras de radio que excede o teto permitido pela nova legislação, aprovada em 2009. É que nesse dia vence a liminar concedida há um ano ao grande conglomerado que opera, de facto, como um monopólio, o grupo Clarín. Até a segunda-feira dia 3, desses 21 grupos a maioria – 14 – apresentou os seus respetivos planos1. Esses grupos decidiram acatar a nova legislação, especialmente a chamada ‘cláusula antimonopólio’, que impede que determinados concessionários acumulem licenças públicas de rádio, televisão aberta e fechada. A tal ‘convergência dos média’, que de facto possibilita que determinados conglomerados dominem amplamente as comunicações num país.

O grupo Clarín, o mais sensível às novas regras, continuou resistindo, na esperança de conseguir uma nova liminar prorrogando por mais algum tempo os efeitos da lei. Detentor de mais de 250 licenças de rádio e televisão – quase dez vezes o teto máximo admitido pela nova legislação – o grupo mostrou-se decidido a ir até o fim.

Essa esperança só morrerá à meia-noite da sexta-feira dia 7. Até lá estará viva, enquanto os controladores do Clarín fazem de tudo para esticar ao máximo a corda desse verdadeiro braço-de-ferro em que se transformou o embate com o governo.

Os empresários que já apresentaram os seus ‘planos de adequação’ agora terão de esperar. O governo tem 120 dias, a partir de 7 de dezembro, para aprovar ou pedir correções ao que foi apresentado. E, a partir da palavra final do governo, as empresas terão outros 180 dias para colocar os seus planos em prática.

Nesse prazo será feita a avaliação das licenças, que serão leiloadas em editais específicos, além dos bens (equipamentos, instalações) que irão à venda. E, finalmente, serão outorgadas as licenças correspondentes aos novos donos. Durante esses períodos, os atuais concessionários deverão, necessariamente, assegurar não apenas a continuidade dos serviços como também a força de trabalho, ou seja, terão de continuar a transmitir sem despedir nenhum empregado.

Existe a possibilidade de que os atuais concessionários continuem com as suas licenças, desde que formem outras empresas, absolutamente independentes administrativa, financeira e economicamente. O Clarín não fez nenhum comentário diante dessa possibilidade. Alguns dos grupos que apresentaram os seus ‘planos de adequação’ optaram por essa saída.

Em paralelo, outra batalha é travada entre o governo e os juízes de primeira instância que devem decidir pelo pedido de prorrogação da liminar, apresentado pelo grupo Clarín. O governo recusou um dos integrantes desse tribunal inicial, por um motivo razoável: ele viajou para Miami com todas as despesas pagas pelo Clarín. Foi o suficiente para que o jornal começasse uma campanha acusando Cristina Kirchner de pressionar a Justiça.

O nó agora é saber o que acontecerá caso o Clarín não apresente a sua ‘proposta de adequação’ dentro do prazo previsto. O governo afirmou que ‘os grupos que não apresentem a sua proposta voluntariamente estarão fora da lei’. E que, então, só restará notificá-los judicialmente e retirar-lhes as licenças, que serão levadas a leilão.

O jornal Clarín vem dos anos 40, mas só com a última ditadura militar (1976-1983) ganhou força e peso. Apoiou alegremente o regime genocida e ganhou, junto com o tradicional e conservador La Nación, o controle da Papel Prensa, a única produtora de papel para jornais e revistas da Argentina. Assim começou a sua expansão, até tornar-se no que é hoje, um verdadeiro polvo cujos braços se estendem em todas as direções no mundo das comunicações – e sempre contra os governos.

Ameaçado de ver podado o seu alcance, o grupo, acompanhado pelos seus congéneres na América Latina, denuncia o governo por estar a levar a cabo um verdadeiro atentado à liberdade de expressão.

Pura balela. Atentado à liberdade é estender-se por todos os segmentos – rádios, televisão aberta, televisão fechada, jornais –, praticando tudo o que é golpe baixo e jogo sujo para eliminar concorrentes. O que a nova legislação prevê, amplamente aprovada no Congresso argentino em 2009, com votos até de parlamentares de oposição, é o fim do monopólio. A garantia da diversidade de opinião. A abertura a setores da sociedade para que exponham os seus pontos de vista. Ou seja, tudo aquilo que monopólios como o do grupo Clarín mais odeiam no mundo.

1 O prazo acabou por ser alargado, por decisão de doi juízes. Ver o artigo deste dossier: “Argentina: Juízes financiados pelo Clarín sabotam 7D”

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Neste dossier:

Argentina combate concentração dos média

Sexta 7/12 era apontado como o dia D para democracia nos meios de comunicação na Argentina. Nessa data terminava o prazo para que os grupos de comunicação apresentassem planos para se adequar à lei de meios audiovisuais, de 2009, que limita a concentração dos média. Previa-se uma guerra aberta entre o Grupo Clarín – que sempre se recusou a cumprir a lei – e o governo. 

Principais medidas da lei de meios audiovisuais

Limites de licenças, limite de cobertura, quotas de programação nacional e local, apoio obrigatório ao cinema argentino: eis um resumo das principais medidas, retirado do estudo “Argentina: nova lei dos meios audiovisuais”, de 2009, da autoria de Bernardo Felipe Estellita Lins, da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados do Brasil.

Quem é quem nos média argentinos

Um panorama das empresas e dos meios de comunicação social na argentina, retirado do estudo “Argentina: nova lei dos meios audiovisuais”, de 2009, da autoria de Bernardo Felipe Estellita Lins, da Consultoria Legislativa da Câmara dos Deputados do Brasil.

Juízes financiados pelo Clarín sabotam 7D

Magistrados prorrogaram a medida que mantém suspenso o artigo 161 da Lei de Meios Audiovisuais “até que se dite uma sentença definitiva”, adiando o confronto do governo com o grupo Clarín, que se recusa a aplicá-la. Por Leonardo Wexell Severo e Vanesssa Silva, ComunicaSul - Comunicação Colaborativa.

A Argentina e a reta final da nova lei de meios

O nó agora é saber o que acontecerá caso o Clarín não apresente a sua ‘proposta de adequação’ à noca lei. O governo afirmou que ‘os grupos que não apresentem a sua proposta voluntariamente estarão fora da lei’. E que, então, só restará notificá-los judicialmente e retirar-lhes as licenças, que serão levadas a leilão. Por Eric Nepomuceno, Carta Maior

Guerra de vídeos entre governo e “Clarín”

Presidente Cristina Kirchner estende a batalha política com o Grupo Clarín, que já ocupava o conteúdo dos principais meios de comunicação do país, ao intervalo comercial. Por Maria Martha Bruno, do UOL, em Buenos Aires.

“Lei de Meios” é modelo, diz relator da ONU

A lei argentina é muito avançada, “um modelo para todo o continente e para outras regiões do mundo”, disse Frank La Rue, relator especial das Nações Unidas para a Liberdade de Opinião e de Expressão, referindo-se à Lei de Serviços de Comunicação Audiovisual. Página/12

Bloco de Esquerda tem insistido no combate à concentração dos média em Portugal

Bloquistas têm-se batido contra a concentração das empresas de comunicação social, considerando que esta põe em risco o pluralismo, a liberdade de imprensa e a própria democracia. 

Concentração também é marca dos média franceses

Os meios de comunicação na França estão regulados por uma série de leis e instâncias de controle, por um forte consenso entre amplos setores do poder e dos meios, em particular no que se refere ao jornalismo político e, sobretudo, pelas multinacionais. Esses meios de comunicação não escapam, porém, à lógica da concentração, estando em mãos de uns quatro grupos, frequentemente multinacionais. Por Eduardo Febbro.

Debate sobre nova regulação divide imprensa britânica

Há os que aceitam a necessidade de um sistema qualitativamente diferente do atual, ainda que sem um regulador externo (centro-esquerda, The Guardian, The Independent) e os que buscam uma autorregulação, mas dominada ainda pelos diretores dos jornais (grupo Murdoch e imprensa de direita). Por Marcelo Justo, para a Carta Maior.

A regulação dos média na América Latina

O debate sobre a regulação dos meios de comunicação gera controvérsias em todo o continente. De um lado, movimentos sociais desejam estabelecer novas regras de funcionamento a um setor que se modifica rapidamente. De outro, empresas acusam tais articulações de quererem uma volta da censura. O que há por trás de cada formulação? Por Gilberto Maringoni e Verena Glass, Revista Desafios do Desenvolvimento/IPEA