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BPN: Vicissitudes de um assalto

Votámos contra o relatório da comissão parlamentar de inquérito, porque representa um consenso entre quem nacionalizou os prejuízos de um banco assaltado pela sua administração e amigos e quem vendeu de forma privilegiada um banco recapitalizado aos amigos do costume.

Chegou ao fim a comissão de inquérito à venda do BPN. O relatório final contou com os votos favoráveis da maioria PSD/CDS, com as abstenções do PS e do PCP e o voto contra do Bloco. Porque votámos contra?

O Bloco apresentou trinta e oito propostas de alteração ao relatório final. Apesar da recetividade do relator para algumas das propostas, as fundamentais, e que marcam a interpretação política do Bloco sobre a venda do BPN, não foram integradas.

O relatório insiste na inevitabilidade do desfecho do “caso BPN”. Tanto na fase da nacionalização, defendida pelo PS, como na fase da venda e escolha do BIC para comprador, defendida pelo PSD/CDS, não haveria alternativa. Repetem incessantemente, foi assim porque não podia ser de outra forma. Primeiro, diz o PS, vieram os gangsters do PSD que assaltaram o banco e a única forma de defender o “sistema financeiro” era nacionalizar o prejuízo. Depois, diz o PSD, o mal estava feito e havia que devolver rapidamente e a qualquer preço o banco recapitalizado aos privados porque a troika assim o impunha. Assim foi feito.

O processo de venda do BPN ao BIC Portugal, presidido por Mira Amaral, ex-ministro de Cavaco Silva, teve claramente motivações políticas, quer na fase de escolha do BIC como candidato único quer na fase de negociação de condições até à concretização da venda. Isso o relatório não refere. A intervenção, em Novembro de 2011, do primeiro ministro no negócio é o melhor exemplo desta promiscuidade. Já o BIC tinha sido selecionado como comprador, e na fase de negociação das condições de venda, em que o BIC declina algumas delas, o primeiro ministro telefona ao ministro angolano Carlos Feijó para que este interceda, recorrendo “aos bons ofícios do Executivo angolano”, junto da administração do BIC.

Mas o relatório falha particularmente na interpretação do perfil deliberadamente ruinoso da venda do BPN ao BIC. A duas semanas do encerramento da comissão, e com a primeira versão do relatório final já apresentada, surgiram dois documentos fundamentais para interpretar a atitude do governo PSD/CDS. São duas avaliações, realizadas pela Delloitte e Caixa Banco de Investimento, com data de Julho de 2011, momento em que se tomaram as decisões de venda e o BIC saiu premiado. As avaliações recomendavam valores mínimos e máximos de venda do BPN, sendo que em ambas o valor médio apontava para 100 milhões de euros. O governo PSD/CDS decidiu ignorar e rejeitar estas avaliações e aceitou o preço feito pelo próprio comprador: 40 milhões de euros. Investidores angolanos e ex-ministros cavaquistas bem-vindos aos saldos. Liquidação total. Acresce a este desconto as condições extorsionárias de recapitalização do banco: 600 milhões para atingir rácio tier 1 de 16,2%, sendo de 10% para restante setor financeiro; poder de seleção por parte do BIC dos ativos mais atrativos e rentáveis até ao final de 2012, ficando os restantes nas mãos do Estado; garantia de financiamento pelo Estado de duas linhas de crédito de 400 e 300 milhões; garantia que todos os custos inerentes a litígios serão da responsabilidade do Estado assim como das centenas de trabalhadores não selecionados pelo BIC. Liquidação total.

Votámos contra este relatório, porque representa um consenso entre quem nacionalizou os prejuízos de um banco assaltado pela sua administração e amigos e quem vendeu de forma privilegiada um banco recapitalizado aos amigos do costume.

Um dos últimos, e principais, pontos das conclusões reflete paradigmaticamente a negociação entre PSD e PS para conseguir a neutralidade. A primeira versão, de autoria do PSD, dizia que “poderia ter sido outro, o desfecho do «caso BPN», não fosse o desnorte do acionista Estado ao longo de 2 anos e meio (...)” O PS, incomodado pela crítica insolente à nacionalização e período subsequente, propõe alterar a conclusão para um esclarecedor: “poderia ter sido outro, o desfecho do «caso BPN», não fossem as vicissitudes da sua complexa privatização”. Afinal a culpa foi das vicissitudes. Nove meses de comissão de inquérito, mais de 30 audições, milhares de páginas de documentação, 3405 milhões de euros já imputados aos contribuintes, com possibilidade de atingir os 6509 milhões de euros, centenas de trabalhadores despedidos e afinal a culpa foi das vicissitudes. Votámos contra.

Sobre o/a autor(a)

Engenheiro civil.
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