Relatório sobre regulação da imprensa britânica abre polémica

01 de December 2012 - 0:07

O escândalo das escutas do News of the World deu origem a uma investigação e recomendações para a regulação dos media. Nas suas 2000 páginas, o relatório Leveson propõe dar estatuto legal para uma entidade reguladora independente, mas o governo conservador junta-se aos grandes grupos de media na oposição a esta proposta.

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David Cameron foi aplaudido pelos tablóides e criticado pelas vítimas das escutas, por não pretender seguir as recomendações do relatório Leveson. Foto do gabinete do PM.

O escândalo que levou a polícia a investigar o grupo Murdoch e a descobrir a forma como invadiam a privacidade dos alvos das notícias, através de escutas telefónicas e outros crimes, levou ao encerramento do jornal News of the World e à queda de altos responsáveis do grupo mediático mais poderoso do mundo. Ante a onda geral de choque e condenação desta prática, o parlamento inglês nomeou uma comissão para determinar o que aconteceu e propor recomendações para que não se voltem a repetir casos semelhantes.



O relatório, a cargo de Lord Levenson, foi divulgado esta semana, mas o tempo fez apagar a unanimidade em apertar o controlo sobre as regras de funcionamento dos media. Entre as suas recomendações estão a criação de um organismo independente da indústria e do Governo, com responsáveis "nomeados de forma transparente e aberta". Este organismo seria organizado pelas empresas de media, mas acompanhado de legislação que mencione "explicitamente o dever do governo em apoiar e proteger a liberdade de imprensa".



Este órgão regulador seria de adesão voluntária pelos media e teria "poderes suficientes para conduzir investigações acerca de quebras sérias e sistémicas" das regras, o que atualmente não existe, mas também poderes de arbitragem contra queixas. As sanções previstas por Levenson são multas no valor de 1% das receitas, com limite de um milhão de libras (1,23 milhões de euros)



"Houve uma imprudência na priorização de histórias sensacionalistas, quase independentemente dos danos que essas histórias poderiam causar e dos direitos daqueles que seriam afetados", assinala Levenson no seu relatório. O responsável pela investigação não acredita que as escutas telefónicas fossem obra de um ou dois jornalistas e considera que os familiares de personalidades famosas, como atores, estrelas pop ou futebolistas, têm direito à sua privacidade. Levenson diz ainda que "há uma tendência cultural em parte da imprensa para resistir ou afastar" quem se queixa da conduta dos jornalistas. Entre as vítimas apontadas no relatório, está o casal McCann, cuja filha desapareceu no Algarve em maio de 2007.





David Cameron criticado por querer rejeitar recomendações



E foi precisamente Gerry McCann uma das primeiras vozes a criticar o primeiro-ministro britânico pela primeira reação do Governo, hostil ao relatório Levenson. A ministra da Cultura Maria Miller, em declarações à rádio BBC4, expressou as reticências em nome do Governo, dizendo que "o primeiro-ministro foi muito claro: temos graves preocupações acerca do princípio de dar estatuto legal a este novo organismo e não estamos convencidos que seja absolutamente necessário atingir os objetivos que ele apresenta". Para Gerry McCann, citado pelo Guardian, "a implementação por completo do relatório de Lord Levenson é o compromisso mínimo aceitável para mim e tantas outras vítimas que sofreram às mãos da imprensa".



O ator cómico Steve Coogan, outra das vítimas das escutas da imprensa britânica, diz-se agora "traído" por David Cameron. Coogan acusa o primeiro-ministro de "ter um olho para cortejar a imprensa para as eleições futuras". Para o ator, a rejeição por parte de Cameron em estabelecer na lei o organismo regulador dos media "é um preço que Cameron está disposto a pagar, porque não são as vítimas do crime que o farão ser reeleito".



O primeiro-ministro conta com o apoio expresso em editoriais dos tablóides como o Sun, Daily Mirror e Daily Mail, que se opõem a qualquer controlo dos media por parte do legislador. Maria Miller anunciou que os conservadores pretendem agora apresentar uma proposta de lei para provar que é impossível aplicar as propostas de Levenson na legislação. Mas os liberais, que fazem parte da coligação que sustenta do governo, já disseram que as palavras da ministra da Cultura não refletem o entendimento saído das negociações entre os dois partidos e os trabalhistas.



Do lado trabalhista, Ed Miliband diz-se surpreendido com a reação do Governo e afirma-se "ao lado das vítimas". O líder da oposição espera que os três partidos se entendam sobre o organismo regulador dos media, mas outras fontes dos trabalhistas disseram ao Guardian temer que a proposta de lei dos conservadores se assemelhe propositadamente a "algo que tivesse sido escrito pela Stasi", recolhendo propositadamente críticas ferozes de todos os quadrantes da sociedade.