Chumbamos o vosso orçamento! (ou algumas razões para 622 km de estrada e mais alguns a pé)

porJosé Miranda

22 de November 2012 - 11:55
PARTILHAR

Este Orçamento tem como consequência impedir que milhares de estudantes continuem os seus estudos e estrangular financeiramente as instituições. É pela força da democracia que os estudantes recusam essa escolha. É essa força que nos leva hoje a Lisboa.

Bem pode acreditar o governo que a austeridade é o caminho e que dos vários compromissos assumidos pelo estado o mais fundamental deles todos é o de pagar juros usurários de 5% e aumentar a despesa com as forças de segurança. Bem pode dizer-nos que esse compromisso de uma dívida duvidosa que o governo recusa auditar, é tão importante que deve atropelar o compromisso do Estado para com os estudantes, as suas famílias, o direito à universidade pública. Bem pode o poder dizer que é inevitável o corte nas bolsas para não cortar nos juros e na especulação. Estes argumentos estão aí e concretizam-se num Orçamento cuja consequência é impedir que milhares de estudantes continuem os seus estudos e estrangular financeiramente as instituições. É pela força da democracia que os estudantes recusam essa escolha. É essa força que nos leva hoje a Lisboa.

“A democracia não se esgota nas urnas”, frase batida, mas nem por isso banal, mas nem por isso desajustada. O seu eco tem andado por aí, por entre as várias mobilizações, no 15 de setembro, no 13 de outubro, na Greve Geral. Também hoje na mobilização dos estudantes. É incómoda porque nos convoca a tomar posição sobre ela, a democracia. É que não basta a um governo ter sido eleito para que seja legítimo cancelar as possibilidades de futuro das nossas vidas. Depois da escolha do orçamento de estado para 2013 ainda é preciso percorrer o ano de 2013. Como coloca um grupo de estudantes espanhóis que mobilizava para a greve: "e tu? estudas ou resgatas bancos?". Agora, mais do que nunca, somos todos responsáveis pelo nosso tempo e pelo nosso futuro coletivo, estamos todos convocados.

Crato acenou com um uma cenoura aos reitores. Mas a dignidade da escola pública também depende da forma como esta é defendida. Não é com esmolas que isto lá vai, sobretudo nas condições em que o acordo aconteceu. Reitores de universidades públicas dignos desse título jamais farão depender a qualidade das suas instituições do agravamento das dificuldades nos ciclos inferiores. Aceitar um corte de dezenas de milhões de euros nas transferências para as instituições, só porque inicialmente foi anunciado um corte maior não só é muito mau como é insensato: da próxima já se saberá como fazer, basta anunciar três vezes o valor do corte que realmente se pretende efetuar e depois recuar. Retalhar no superior e retalhar ainda mais no básico e no secundário: é essa proposta dos reitores para o país que pode ser muita coisa mas não defende a educação pública.

É claro que é difícil para o governo aceitar que as reivindicações dos estudantes não são compostas de meras queixas e que elas apresentam, de facto, soluções para os problemas. Que elas digam que só é possível sair da crise apostando na educação que o orçamento de estado escolhe atacar. Até aqui Nuno Crato tem apostado na sobranceria. Logo após cortar 30 mil bolsas no ano passado e ter expulso 10 mil estudantes do ensino superior ainda considerou que se estava a exagerar. Tratando os assuntos educativos do país como se bastasse respeitosa e retoricamente compreender as críticas, julgando que isso chega para confirmar a sua legitimidade, apesar de manter inalterável o rumo de destruição do ensino superior público. Pois bem, o objetivo desta manifestação não é ser um paliativo para consolar ninguém. Na história encontrarão algumas pistas: quem despreza presunçosamente a capacidade democrática dos estudantes e dos movimento sociais em geral para sair da crise não aguenta muito tempo a sua política. Na perspetiva conservadora e empobrecida da política, o protesto é uma doença infantil - nós chamamos-lhe cidadania, participação, insurgência. Fazer acontecer democracia.

José Miranda
Sobre o/a autor(a)

José Miranda

Dirigente associativo e dirigente nacional do Bloco
Termos relacionados: