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É preciso empobrecer, dizem-nos

Há poucos dias, a Srª Bli que governa há 10 anos o Banco Alimentar contra a Fome disse que “vamos ter que empobrecer muito e aprender a viver mais pobres. Claro que já estamos a empobrecer, mas porque andamos a viver acima das possibilidades”.

Portanto, para a Srª Bli somos todo/as un/mas malandro/as porque andámos a comer bifes todos os dias (salvo seja) e a lavar os dentes com água corrente. Cada um/a de acordo com as suas possibilidades, seja. Como a Srª Bli tem possibilidades que lhe permitem não trabalhar remuneradamente, pode então dedicar-se com todo o conforto ao/às que não podem viver acima das suas possibilidades, ou seja, ao/às que não têm outra possibilidade a não ser a pobreza e a ajuda caridosa de pessoas como a Srª Bli. Cada um/a no seu lugar, como no antigamente. Nesses tempos de Salazar onde o/as pobres viviam dentro das suas possibilidades e havia a caridade para obviar as carências mais prementes desde que o/as pobres continuassem na sua pobreza.

As palavras da Srª Bli, assim tratada pelos pares da classe social a que pertence1, não espantam nos tempos que correm. E com colegas de universidade como Vítor Gaspar ou professores de economia como Cavaco Silva, ainda menos. É deste meio que se engendra a ideologia do empobrecimento como enaltecimento social. Outra vez.

É que esta ideologia não vale por si só. Ela serve, como outrora, para legitimar ou dar cobertura a políticas de austeridade que reforçam o poder de un/mas à conta de outro/as. Porque é do poder das elites económicas e financeiras que se trata. Desta vez trata-se da troika, da Srª Merkel e dos seus capachos que os apoiam ou nos governam, aliando elites económicas e financeiras nacionais com europeias. Mais uma vez a pretexto da dívida e das contas públicas quer-se empobrecer o povo. Pelo caminho precisam de destruir os direitos laborais e sociais conquistados e o Estado redistributivo construído em democracia. É daqui que nasce o saque fiscal para fazer uma transferência massiva de rendimentos dos salários e pensões para a recapitalização da banca e as benesses fiscais do grande patronato e se coloca agora a tónica no emagrecimento brutal do Estado social e redistributivo (como seja a educação, a saúde, a segurança social). Resta, portanto, a pobreza da sociedade e a caridadezinha entregue a pessoas como a Srª Bli. Cada um/a dentro das suas possibilidades, portanto.

E percebe-se porque são tão parecidos os discursos da Srª Bli com os de um Sr. Ulrich, dono de um banco recapitalizado com o dinheiro que todo/as pagamos ao Estado e que tem rendimentos milionários, quando este diz coisas como a educação pública é um luxo (é viver acima das possibilidades) ou que temos de aguentar mais austeridade “ai, pois temos”. E porque coincidem tanto estes discursos com as políticas efetivas de um Sr. Gaspar e de um Sr. Coelho. Porque trata-se de ideologia pura e dura, em que o Estado não serve o povo mas as elites. E nós somos o seu laboratório experimental.

Derrotar a política do empobrecimento implica olhar para a democracia e a economia.

Olhar para a democracia significa derrotar a ideologia que está no poder. Ou seja, demitir o Governo e rejeitar os discursos e políticas da auteridade da troika e da Merkel. Para isso é preciso crescer nas ruas, no protesto popular, nas greves gerais. Para isso é preciso fazer construir a alternativa política em unidade com quem rejeita esta ideologia da austeridade e a sua prática.

Olhar para a economia significa derrotar a economia do desemprego, dos salários baixos, da precaridade, da exaustão ambiental. Ou seja, implica planear estrategicamente a economia para criar empregos com direitos na produção de bens e serviços que são socialmente úteis e não servem apenas o propósito de obter lucro, acumular capital e ser competitivo à conta da exploração do trabalho e do crescimento material e energético infinito. Planear esta economia significa decidir em democracia com todo/as o que faz falta e como podemos todo/as viver com mais qualidade, com mais tempo de lazer e com prudência perante os limites naturais. Para isso é preciso resgatar a democracia para as pessoas e o bem comum, ou seja, resgatar a capacidade de decisão e os instrumentos políticos para a efetivar.


1 Quem quiser saber mais sobre o percurso da Srª Bli: http://visao.sapo.pt/a-sra-banco-alimentar=f635944

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda, engenheira agrónoma.
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