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O negócio da xenofobia em plena expansão

A luta contra a imigração é o novo mercado das sociedades de segurança e de armamento. Num livro, a jurista Claire Rodier decifra o “boom” desta “xenofobia business”. Nele aprende-se que as sociedades privadas, apoiadas pela Comissão europeia, investem dezenas de milhões de euros em tecnologias anti-imigrantes, que a GDF-Suez, por via de uma filial, gere centros de detenção... Entrevista a Claire Rodier, conduzida por Nolwenn Weiler.
A luta contra a imigração é o novo mercado das sociedades de segurança e de armamento. Foto de bastamag.net

Basta!:Quando o negócio da imigração é evocado é, normalmente, para apontar o dedo aos “passadores”. Quem mais lucra com a securização das fronteiras?

Claire Rodier1: Os discursos dos responsáveis políticos sobre os “terríveis passadores” são uma maneira dos Estados se desresponsabilizarem, como se os “passadores” fossem os únicos responsáveis do que acontece aos imigrantes. Outros “atores económicos” lucram com as políticas de controlo das fronteiras, em particular as empresas de segurança. É um mercado que não pára de crescer, desde há mais de uma década. Em 2009, o montante dos negócios da “segurança global” foi calculado em mais de 450 mil milhões de euros, o que representa um crescimento anual de mais de 10% em média. Juntamente com a luta contra o terrorismo e a securização dos locais sensíveis, como os aeroportos, encontra-se a proteção das fronteiras contra a imigração designada como clandestina.

As empresas de segurança organizam um “salão mundial da segurança interna dos Estados”, Milipol, na região parisiense. O mercado da segurança interna irá destronar a indústria do armamento?

Há uma deslocação progressiva do mercado do armamento militar para o setor civil, onde o mercado da luta contra a imigração é muito promissor. O salão Milipol foi organizado no início por empresas francesas, desejosas de se dotar de uma ferramenta de comunicação destinada a um mercado em plena expansão. O seu objetivo é desenvolver uma verdadeira indústria europeia da segurança capaz de concorrer com os pioneiros, que são os Estados Unidos e Israel. Lançado no fim de 2010, o projeto Oparus junta várias empresas europeias – BAE systems (Grã-Bretanha), Dassault Aviation (França), EADS (França e Alemanha), Sagem (França), Thales (França) – para elaborar uma estratégia comum de exploração dos drones para a vigilância das fronteiras terrestres e marítimas. O projeto é financiado no montante de 1,19 milhões de euros pelo departamento de investigação e desenvolvimento da Comissão Europeia.

O erário público financia por conseguinte investigações privadas, com fim lucrativo. Este negócio é amplamente apoiado?

Em 2007, Franco Frattini, então comissário europeu da Justiça e dos Assuntos Internos, afirmou que “a segurança já não é um monopólio das administrações públicas mas um bem comum, cuja responsabilidade e a implementação devem ser partilhadas entre o público e o privado”. Por bem comum, é preciso entender “partilha do bolo”. Isto vai para além de uma estratégia de lobbying junto de um ou outro parlamento. É um trabalho de fundo, em particular nos meios institucionais dedicados à investigação. Os industriais rodeiam-se aí de decisores políticos, o que lhes permite conseguir dinheiro para conduzir as investigações através das quais vão fazer evoluir os seus produtos.

Num segundo momento, eles vão estar bem colocados para responder aos concursos públicos e obter mercados. O problema do recurso à tecnologia de ponta é ser um fator de obsolescência rápida do material utilizado, portanto a necessidade da sua renovação. Um novo sistema de vigilância marítima, que associa as forças armadas de Malta, sociedades privadas e a universidade de Las Palmas nas Ilhas Canárias, assenta por exemplo em boias flutuantes dotadas de câmaras de infravermelhos e hidrofones para detetar sons debaixo de água. É suposto que identifiquem embarcações ilegais. O orçamento total previsto para a fase de elaboração do dispositivo, subvencionado pela União Europeia, é de 5 milhões de euros.

A segurança das fronteiras está a caminho de uma total privatização?

Em França, ainda não conhecemos uma privatização a qualquer custo. Nós não estamos nos Estados Unidos ou na Grã-Bretanha onde a viragem liberal foi muito severa a partir dos anos 80. Em França, a delegação de prerrogativas soberanas, como a segurança, é frequentemente uma etapa mais difícil de ultrapassar. Mas a Comissão reviu recentemente os limiares comunitários, a partir dos quais um procedimento europeu se impõe no contrato público. Os mercados ligados à segurança vão, por conseguinte, abrir-se cada vez mais aos parceiros europeus.

Em 2011, um concurso público lançado pelo governo italiano para a gestão de dois centros de detenção foi ganho pela Gepsa, uma filial da GDF-Suez2. É a primeira incursão fora do território nacional desta empresa francesa, que é um dos principais parceiros da administração penitenciária. A Gepsa gere por conta do ministério do Interior quatro centros de detenção administrativa. Esta privatização permite a diluição das responsabilidades. O Estado ao delegar deixa de ser realmente responsável pelo que lá se passa. Salvo eventualmente, rescindir o contrato de uma empresa que exagere um pouco mais. Mas a responsabilidade dos que estão na primeira linha é muito ténue. A justiça britânica decidiu recentemente que não haverá processo penal contra os responsáveis da morte de Jimmy Mubenga, um angolano morto por asfixia na sua expulsão da Grã-Bretanha.

Para que serve a agência europeia de controlo das fronteiras, Frontex?

No início, a Frontex estava encarregada de coordenar as iniciativas entre Estados membros em matéria de controlos externos. Tratava-se por exemplo de não enviar duas patrulhas, uma italiana e outra grega, para vigiar um mesmo local no Adriático. É uma entidade suscetível de ser um interface entre as polícias. Em nome deste princípio, o diretor da Frontex pode sempre dizer que não é responsável pelos agentes que intervêm, já que são mandatados pelos Estados membros! A Frontex coordena. Isto é o anúncio. Na realidade, a agência tem um papel mais de ator que de coordenador. Ela tem cada vez mais poderes de iniciativa e tem toda a autonomia para dizer aos Estados membros onde é preciso intervir, com quantos homens e com que tipo de material. Isto permite depois mobilizar frotas, comprar aviões, helicópteros ou edifícios. O seu orçamento teve um crescimento exponencial passando de 6 milhões de euros em 2005 para 86 milhões de euros, seis anos mais tarde. Em 2011, o Parlamento votou um complemento de 43,9 milhões de euros “devido a um aumento considerável das atividades operacionais da agência”. Quem faz o quê? E quem é responsável de quê? Ninguém sabe ao certo. A Frontex é uma caricatura da diluição das responsabilidades.

Qual o impacto desta militarização dos controlos das fronteiras sobre os imigrantes?

Tem efeitos concretos no movimento das trajetórias de migração. Desde há cerca de 8 anos, há um deslocamento dos imigrantes do oeste para o leste: tentam entrar na Europa pela sua fronteira meridional. Isso corresponde a pontos de bloqueio sucessivos. Mas estes efeitos pontuais não põem em causa as passagens das fronteiras. Conhecem-se pessoas que passaram cinco, seis, dez vezes entre a Tunísia e a ilha de Lampedusa (Itália). Isto quer dizer que teve poucos efeitos sobre a vontade de passar dos imigrantes. Mas continua-se a explicar às populações europeias que são precisos sistemas de proteção das fronteiras. É por isso que eu digo que o objetivo é mais a colocação dos próprios dispositivos do que o facto de impedir as pessoas de passar.

Entrevista conduzida por Nolwenn Weiler, publicada em bastamag.net, traduzida por Carlos Santos para esquerda.net


1Claire Rodier é membro de Gisti (grupo de informação e de apoio aos imigrantes) e da rede Migreurop.

2 Gepsa é uma filial do grupo Cofely que pertence à GDF Suez.

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