You are here

A má educação

A confissão de Gaspar de que apenas está no governo para repor ao país o enorme investimento que este fez na sua educação é de uma enorme hipocrisia.

A pessoalização da vida política é uma das formas clássicas de manipulação e despolitização. A separação entre o público e o privado, embora não tenha fronteiras universalmente rígidas, é um salutar princípio de higiene da vida coletiva. Por isso, desconfio sempre dos políticos que trazem a família para a ribalta com intuitos de conseguirem uma suposta aproximação ao “homem comum”, assim como detesto desabafos íntimos que como tal deveriam permanecer.

A confissão de Gaspar de que apenas está no governo para repor ao país o enorme investimento que este fez na sua educação é de uma enorme hipocrisia.

Em primeiro lugar, porque sugere um grande sacrifício pessoal do abnegado ministro, o qual, imagina-se, receberá um salário consideravelmente inferior ao seu potencial, uma vez que poderia estar numa grande organização internacional ou na administração de reputada empresa.

Em segundo lugar, coloca a sua figura acima do reino mundano dos interesses e conflitos. Gaspar não defende as visões ultraliberais de um enorme fanatismo ideológico, que usam a violência social como meio sistemático de extorsão, nada disso. É apenas um alto funcionário, detentor de fina educação, que coloca o melhor do seu saber técnico ao serviço do país.

Em terceiro lugar, a hipocrisia ressalta ainda de que, a coberto do pagamento de um favor ao país que tão bem o educou, Gaspar retira literalmente o direito ao futuro, incluindo o usufruto da educação, a muitos dos jovens portugueses de hoje!

Perante tal “dádiva”, a única reciprocidade possível, para além de desmascará-lo, é correr com ele.

Sobre o/a autor(a)

Sociólogo, professor universitário. Doutorado em Sociologia da Cultura e da Educação, coordena, desde maio de 2020, o Instituto de Sociologia da Universidade do Porto.
Comentários (2)