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Em tempo de crises que é feito da ecologia?

Com a crise da financeira e económica instalada, a crise ecológica passou para segundo plano. Mas pior que o “apagão” ecológico, é voltarmos a assistir a um recuo na proteção ambiental mínima existente.

Com a crise da financeira e económica instalada, a crise ecológica passou para segundo plano. Antes deste irromper, os temas ambientais iam, por exemplo, ocupando alguma parte das notícias, surgiam sempre nos discursos oficiais e faziam parte das campanhas e programas eleitorais (veja-se a sua ausência nas eleições dos EUA). Mesmo com abordagens frequentemente superficiais ou segundo perspetivas pouco interessantes, de algum modo era “imperdoável” não considerar as questões ambientais.

Hoje, a situação é a oposta. Não é que a crise ecológica tenha desaparecido ou abrandado, mesmo com a queda generalizada do crescimento material do capitalismo à escala global. Antes pelo contrário, quanto menos depressa agirmos, mais rápido poderemos atingir pontos sem retorno. É, por isso, que em temas como as alterações climáticas cada vez mais se fala na adaptação e quase se abandona a prioridade da mitigação. É como que um baixar de braços. E, mesmo com toda as incertezas que envolvem problemas complexos, é muito provável que estes pontos sem retorno signifiquem consequências dramáticas para a vida das pessoas, em especial das mais vulneráveis socialmente.

Mas pior que o “apagão” ecológico, é voltarmos a assistir a um recuo na proteção ambiental mínima existente. Veja-se o esquecimento do Governo quanto à obrigatoriedade de realizar avaliações de impacte ambiental para as novas explorações de minério no país, no número de dezenas de concessões e que podem atingir a centena no final do ano. Ou de realizar concessões “experimentais” que adiam os estudos ambientais, mesmo que a atividade extrativa seja já de uma dimensão assinalável (e.g. minas de Jales em Trás-os-Montes). Afinal o que interessa é a valorização destas “commodities” no mercado internacional e potenciar a exportação.

O problema não está na atividade mineira per si. Mas sim o voltar as costas à salvaguarda dos valores naturais e bens ambientais que são de todos e todas, bem como da qualidade de vida das populações locais, fazendo de tudo isto tábua rasa em nome do crescimento. É o esquecer todos os problemas ambientais criados pela exploração mineira do passado, levando a dezenas de escombreiras a céu aberto com prejuízos para a saúde pública. Para não falar das próprias condições de trabalho nas minas, levando a doenças profissionais e mesmo mortes, só muito tardiamente ou mesmo nunca reconhecidas. Nem do tipo de contratos de concessão que dão de bandeja a extração de recursos a multinacionais e a grande parte do valor criado com a mesma, ficando meras migalhas e possivelmente todo um rasto de destruição ambiental e da saúde das pessoas. O mesmo tipo de negócio tão comum em países africanos ou latino-americanos, como aquele que a Shell tem vindo a fazer na Nigéria e que só agora vai a tribunal, mas por uma parte muito pequena de todos os crimes reais e morais cometidos.

Mas a questão das minas é apenas um exemplo de como a crise, a recessão, a política da austeridade e do desemprego tem repercussões no modo de lidar com o ambiente e os recursos naturais. É passar a atuar como se as matérias ambientais fossem apenas mencionáveis ou relevantes nos períodos de expansão económica do capitalismo. Em tempos recessivos, a exploração dos recursos e a desconsideração ambiental são tidos como necessários para retomar o crescimento, porque esta é estabelecida como a prioridade. Porque, afinal, sem crescimento não há dinheiro, não há emprego e não há, portanto, "luxos" como a proteção ambiental. Esta virá só depois. Esta visão não pode ser mais perigosa para as nossas vidas e as das gerações futuras.

O mesmo tipo de lógica, aliás, é a que enforma o discurso e a política da austeridade autoritária. Dizem que sem ela não há equilíbrio orçamental, não há financiamento nos mercados, não há dinheiro para a economia, não há crescimento, logo há desemprego e por aí fora. E que para este crescimento acontecer é ainda preciso acabar com direitos laborais e sociais, bem como com os serviços públicos e prestações sociais, esse despesismo do Estado veja-se só. Esquecendo, obviamente, que é esta mesma austeridade que logo à partida mata a economia, gera desemprego, reduz receitas fiscais necessárias ao equilíbrio orçamental e desprotege as pessoas que sentem bem na pele as medidas aplicadas.

Esta austeridade é um roubo, um assalto, uma bomba, um massacre, o que lhe quiserem chamar. E para sairmos dela o que precisamos é de mais economia para criar emprego. Mas esta não pode ser uma economia qualquer que comprime a vida das pessoas e o ambiente ou que simplesmente os trata como mero detalhes. Pelo contrário, esta tem de ser uma economia que lida com a realidade e respeita as pessoas e não molda as suas ações para encaixar em modelos e cenários; uma economia que respeita os limites naturais e salvaguarda o que é de todos e todas; uma economia que precisa de uma transformação qualitativa construída em democracia com a participação cidadã.

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda, engenheira agrónoma.
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