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Educação ao contrário

O investimento em educação cai a pique em Portugal, justamente um dos países mais atrasados no que diz respeito às qualificações escolares e ao combate à reprodução das desigualdades sociais. Os dados são da OCDE.

A OCDE (Organização para a Cooperação e Desenvolvimento Económico) publicou há cerca de um mês o seu estudo anual sobre o estado da educação nos países membros desta organização (Education at a Glance 2012).

Se entre 1995 e 2009 o país aumentou a percentagem do PIB investida na educação (de 4,9% para 5,9%) - ainda assim ligeiramente abaixo da média da OCDE (cujo crescimento foi de 5,4% para 6,2%) - os últimos anos inverteram radicalmente esta tendência. É que, como nota o Diário Económico, enquanto no conjunto dos países da OCDE o investimento continuará rondar os 6,2%, em Portugal este valor desceu já para níveis inferiores a 1995, ou seja, 4,7% em 2011 e 3,8% em 2012. Portanto, atualmente estamos a investir quase metade em educação do que a média dos países da OCDE. Como nota a própria organização, este facto terá consequências muito negativas no futuro do país.

Quanto ao esforço financeiro do Estado por cada estudante o atraso português é ainda mais notório: já em 2009 investíamos cerca de menos 15% por aluno do que a média dos países da OCDE, um atraso que terá crescido muito nos últimos 3 anos devido aos cortes orçamentais.

O que é mais dramático é que este desinvestimento vertiginoso acontece num dos países mais atrasados ao nível das qualificações escolares. Segundo o relatório da OCDE, só metade (52%) dos jovens portugueses dos 25 aos 34 anos completou o ensino secundário, contra 82% da média dos países da OCDE. Outro dado muito importante é a relativa incapacidade do sistema de ensino português para combater a reprodução das desigualdades sociais: só 40% dos jovens oriundos de meios desfavorecidos consegue completar o ensino secundário, enquanto a média da OCDE se situa nos 68%.

Mas há outras originalidades portugueses patentes neste relatório. A OCDE coloca Portugal como um dos países com as propinas mais elevadas da Europa - só ultrapassado pela Itália e Holanda e à frente da Espanha, Suíça, Áustria e França - sendo que nos países nórdicos não existe lugar à cobrança de qualquer propina. Com menos população licenciada (25% contra 38% da média da OCDE na faixa etária dos 25 aos 34 anos), somos o país que na última década quadruplicou o esforço financeiro de estudantes e famílias no orçamento global do ensino superior (de 7,5% para 29,1%).

A recente paranoia dos exames é a outra originalidade (ou quase) portuguesa. O país ficará, a partir deste ano letivo, a pertencer ao pequeno grupo dos que instituíram exames nacionais no 1.º ciclo (Indonésia, Turquia e EUA). A realização obrigatória de exames nacionais no 3.º ciclo só acontece em menos de metade dos países da OCDE, entre os quais o nosso. Em alguns países não existe qualquer exame até ao final do ensino secundário, a não ser os que são realizados para admissão ao ensino superior (casos da Espanha, Suécia, Áustria, Bélgica, Brasil, entre outros). Ou seja, a “examocracia” de Nuno Crato não encontra paralelo na maior parte dos países da OCDE, a grande maioria deles com maior sucesso escolar do que Portugal.

Uma nota final para as previsões sobre o número de alunos feitas pela OCDE. Portugal é dos poucos países que registará uma subida global do número de alunos entre 2005 e 2015 (aumento global de 1%, graças ao aumento de 10% na faixa etária dos 15 aos 19 anos). Nuno Crato foi obrigado a recuar nas suas afirmações sobre a quebra demográfica abrupta para justificar o despedimento de milhares de professores. Como já aqui tinha eu referido, a redução bastante suave da taxa de natalidade a partir da década de 90 tem um efeito muito menor na população escolar do que a redução da taxa de abandono escolar e o alargamento da escolaridade obrigatória.

O estudo da OCDE deixa a nu as debilidades do ensino português. Só que poupar na educação tem custos. O barato sairá caro. Todos nós o sabemos. Até o Presidente da República não pode dizer outra coisa, precisamente porque do dizer ao fazer vai uma auto-estrada de hipocrisia. Fala o homem que, em 1993, mandou a polícia dar paulada nos estudantes depois de acabar com a gratuitidade tendencial do ensino superior, aumentando brutalmente o valor das propinas.

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Professor.
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