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RTP: a política do facto consumado
Dois meses depois de um consultor do primeiro-ministro, António Borges, anunciar em direto a sua vontade de extinguir um dos canais público, não se conhece ainda a posição do Governo sobre o serviço público de rádio e televisão.
Mas, enquanto nos dizem que Miguel Relvas ainda está a estudar, o ministro demitiu um Conselho de Administração da RTP e nomeou outro, sem explicar porquê nem sequer submeter o seu candidato ao crivo da fiscalização parlamentar.
Este delírio governativo exige realidade. E a realidade impõe-se. Sabemos hoje que o governo planeou a extinção da RTP2 a partir de Janeiro próximo. Guilherme Costa, ex-administrador da RTP, confirmou no parlamento, na semana passada, que não só a extinção do segundo canal generalista estava prevista como foram já cancelados todos os conteúdos para o próximo ano. É a política do facto consumado.
O Governo nada nos diz sobre o que pretende fazer do serviço público de televisão, fazendo-se de ignorante perante as declarações do consultor Borges, mas enquanto isso vai fechando a porta à espera que alguém apague a luz na RTP.
Jorge Wemans anunciou ontem a sua demissão porque, nas palavras do próprio, “a matriz da RTP2 está totalmente em causa”. Há um problema, isto é ilegal. O Ministro devia ter estudado melhor o assunto. A lei da televisão exige dois canais de acesso livre e gratuito.
E não, esta não é uma questão que se possa modelar a belo prazer do Ministro Relvas. O governo está legalmente obrigado a garantir um segundo canal com conteúdos próprios e uma grelha própria. E não havendo em Outubro uma grelha definida está-se na prática a garantir que chegaremos a Janeiro com o segundo canal extinto. É um governo fora da lei que quer um canal público nas mãos dos suspeitos do costume.
O Bloco de Esquerda apresentou um requerimento a pedir a presença da nova administração da RTP, presidida por Alberto da Ponte, no Parlamento, para esclarecer se está ou não a preparar o enterro de um dos canais da RTP – ao arrepio do próprio programa de Governo.
CDS e PSD, com todo o desplante, chumbaram essa pretensão e impuseram a lei da rolha. Ou seja, há uma decisão já confirmada de extinção da RTP2, uma decisão que já provocou a demissão de dois administradores do grupo RTP, mas a maioria prefere esperar até o facto estar consumado para a administração finalmente prestar declarações sob o cadáver do serviço público.
A responsabilidade da oposição é apresentar alternativas responsáveis à trapalhada autoritária do governo. O Bloco de Esquerda avançou nesta legislatura com uma proposta de alteração do modo de nomeação da administração da RTP, uma proposta que garante a autonomia do serviço público de rádio e televisão. Uma proposta que impede seja que governo for de demitir e substituir a seu bel-prazer a direção da RTP, garantindo a supervisão pública da nomeação através do parlamento.
Estamos convictos de que a obrigação de encontrar um consenso que permita chegar a uma maioria qualificada para a nomeação do responsável pela RTP. A ligação dessa escolha a um plano estratégico claro para a RTP, obrigará os responsáveis políticos a escolher quem dê garantias mínimas de imparcialidade e tenha um perfil adequado ao serviço público. A escolha democrática do Presidente do Conselho de Administração da RTP é condição para garantir a autonomia e independência dos canais públicos de rádio e televisão.
Chamamos por isso à responsabilidade não apenas os partidos da oposição parlamentar mas também o partido da oposição na coligação. Porque, lembramo-nos bem, o CDS fez promessas promessas de dignidade do bem público e serviço público, e não é agora que pode voltar atrás.
É também sua obrigação assumir responsabilidade e acabar com qualquer possibilidade de instrumentalização governativa da RTP.
Ceder, como querem Relvas e o seu consultor, a RTP a interesses amigos de uma plutocracia internacional, acaba com a pluralidade garantida pelo serviço público. Assumam responsabilidade. Aceitam a extinção da RTP2? Aceitam que Portugal seja o único país sem um canal público de televisão? Aceitam a autonomização da RTP Madeira e Açores? Aceitam que um governo tenha poder para demitir e nomear presidentes da empresa? Aceitam a privatização da RTP? Aceitam ainda mais limites à pluralidade na comunicação social em Portugal? Aceitam tratar o serviço público como um negócio de mercearia das privatizações de António Borges? Apoiam as decisões do Ministro Miguel Relvas?
É bom que clarifiquem agora, porque daqui a três meses estarão de volta a esta Assembleia para prestar contas por uma decisão ilegal, um serviço público dilacerado e uma negociata entre amigos com aquilo que é público.
(Declaração Política na Assembleia da República, 3/10/2012)
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