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A sociedade primitiva do futuro

De um governo em que se aceitam ministros com licenciaturas falsas, só podem sair ideias de governação primitivas, ideias que criarão uma sociedade primitiva.

Não deixa de ser extraordinário que um governo queira tomar decisões em matéria de ensino, quando desse mesmo governo faz parte um ministro que tem uma falsa licenciatura. E não deixa de ser extraordinário que esse governo queira agora criar nas crianças portuguesas a mentalidade de que só com esforço, trabalho, dedicação e resultados poderão um dia frequentar o ensino superior, ao mesmo tempo que, na sua prática concreta, faz exatamente o contrário, valorizando o compadrio na obtenção de diplomas académicos. Este governo transmite a todos os estudantes a mensagem contrária às suas próprias leis. É como se lhes dissesse: “Esqueçam a lei, só a fizemos para vos deitar poeira para os olhos. Pensem antes em, um dia, comprarem uma licenciatura a amigos. Se fizerem assim, verão que até podem chegar a ministros.”

Que o projeto de reforma conduz, já em si mesmo, a resultados arbitrários, isso é claro para todos. É um projeto que se baseia na desigualdade efetiva dos cidadãos e procura extrair resultados dessa desigualdade. Como ideia, seria pensável num quadro de igualdade de oportunidades, mas esse não é o caso de Portugal. Não existe nenhuma igualdade de oportunidades num país com gravíssimas desigualdades económicas, culturais e sociais da população. Em duas palavras, com a implementação deste projeto o fator decisivo para a determinação futura da profissão passará a ser aquele fator que está para além da liberdade de escolha de qualquer ser humano, e que é o ventre através do qual se veio ao mundo. Disfarçado embora de progresso, é na realidade um projeto primitivo.

Por isso, estas duas circunstâncias estão ligadas uma à outra. De um governo em que se aceitam ministros com licenciaturas falsas, e se lhes entregam responsabilidades com a dimensão da privatização da RTP, só podem sair ideias de governação primitivas, ideias que criarão uma sociedade primitiva: uma sociedade em que as crianças das famílias pobres ou socialmente mais fracas irão para o ensino técnico-profissional , enquanto os “doutores Relvas” serão ministros.

João Alexandrino Fernandes

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário em Tübingen, Alemanha
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