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RTP: "Concessão ou privatização do serviço público é completamente ilegítima e inaceitável"

Em conferência de imprensa, a deputada do Bloco Catarina Martins afirmou que a concessão ou privatização do serviço público de rádio e de televisão é "completamente ilegítima e inaceitável" e deixou claro que o Bloco se opõe a qualquer um dos planos, exigindo mesmo a sua verificação constitucional.
Catarina Martins sublinhou que "o Governo não tem dito nada de concreto" sobre este plano e que "a única coisa que tem demonstrado é esta necessidade inexplicável de entregar a RTP a um grupo privado de comunicação social".

"O Bloco de Esquerda opõe-se a qualquer plano, seja ele de concessão ou de privatização do serviço público de rádio e de televisão e julgamos que a Constituição da República portuguesa impede este tipo de planos", disse Catarina Martins, na conferência de imprensa do Bloco de Esquerda sobre o plano para a concessão da RTP, que teve lugar no Porto. Na opinião da deputada bloquista, "a concessão ou a privatização do serviço público de rádio e de televisão é completamente ilegítima e inaceitável naquilo que é o quadro de um país democrático".

"O Bloco apoia claramente a exigência de verificação constitucional de qualquer plano de privatização ou de concessão", pode ler-se no comunicado distribuído na conferência de imprensa.

Catarina Martins sublinhou que "o Governo não tem dito nada de concreto" sobre este plano e que "a única coisa que tem demonstrado é esta necessidade inexplicável de entregar a RTP a um grupo privado de comunicação social".

"O senhor primeiro-ministro tem-se escondido por trás de consultores, debates técnicos, estudos e tem este terrível hábito que se vem acumulando de adjetivar os portugueses das coisas mais incríveis: histéricos, já foi piegas, já foi pouco estudiosos", disse, quando questionada sobre as declarações de Pedro Passos Coelho, esta segunda-feira, em Londres.

O primeiro-ministro, Pedro Passos Coelho, garantiu que o Governo vai estudar "sem tabus" tudo o que se relaciona com "o processo de alienação" da RTP previsto no programa do executivo, dizendo não haver razão para "nenhuma histeria nem para nenhuma mobilização excecional à volta do que deve ser o trabalho técnico que vai decorrer".

Serviço de televisão e rádio não pode estar submetido a interesses privados, diz acórdão do Tribunal Constitucional

A deputada bloquista disse ainda que a "Constituição determina que o Estado assegura a existência e o funcionamento de um serviço público de rádio e de televisão e no nosso entender só canais públicos de referência podem constituir esse serviço", recordando que "existe em Portugal já uma doutrina constitucional que não levanta dúvidas".

"O acórdão do Tribunal Constitucional diz claramente que o serviço público deve ser exercido em tais condições que seja assegurada a sua independência dos poderes públicos mas também dos poderes económicos, tal como é exigido pela Constituição da República", disse, citando um acórdão do TC de 2002 sobre o Conselho de Opinião da RTP *.

Catarina Martins concluiu então que "se a rádio e a televisão públicas forem de alguma forma privatizadas ou concessionadas, a sua dependência do poder económico vai ser um facto incontornável".

"O controlo democrático exigente não é compatível com uma gestão por uma empresa privada. Desde logo porque não há mecanismo nenhum de fazer esse controlo se a empresa for privada, também por imperativo constitucional [a Constituição estabelece que “O Estado só pode intervir na gestão de empresas privadas a título transitório” (art. 86 da CRP)]", clarificou.

Ao contrário dos contratos de concessão de explorações mineiras ou de barragens, explicou a deputada, em que se podem determinar materialmente as obrigações da empresa privada concessionária, no caso do serviço público de televisão é exigido um controlo permanente dos atos de gestão “porque o bem a proteger é a democracia”.

 


*Em 2002, perante uma alteração da lei da televisão aprovada pela então maioria PSD-CDS, o Bloco de Esquerda apelou ao Presidente da República para que suscitasse a intervenção do Tribunal Constitucional, o que aconteceu. A questão era saber se podia o Conselho de Opinião da RTP, órgão independente, deixar de dar parecer vinculativo sobre a nomeação do conselho de administração da RTP. O Acordão 254/2002, de 11 de Junho de 2002, o único sobre esta matéria na última década, deu razão a este ponto de vista e a lei foi declarada inconstitucional.

Escrevia o Presidente: “Nos termos da alteração agora proposta, a competência do Conselho de Opinião para dar parecer vinculativo sobre a composição do órgão de administração da empresa concessionária do serviço público de televisão é eliminada, sendo substituída pela competência de dar parecer, não vinculativo, sobre a nomeação e destituição dos diretores que tenham a seu cargo as áreas da programação e informação da empresa concessionária do serviço público. Atendendo ao facto de aquela competência constituir atualmente a principal ou a única salvaguarda institucional, no plano da estrutura da empresa, da independência do meio de comunicação social em causa (…) suscita-se-me a dúvida de saber se não estará, com a presente alteração legislativa, a ser violado o conteúdo essencial da referida garantia institucional de independência estrutural de meio de comunicação social do sector público.”

O Tribunal Constitucional deu razão ao Presidente e exigiu a manutenção do parecer vinculativo do Conselho de Opinião quanto à nomeação do Conselho de Administração.

Mas o TC foi ainda mais longe, e afirmou que:

“Exigência da liberdade de imprensa é igualmente a independência dos meios de comunicação social, em geral, perante o poder económico. O artigo 38, n.4, indica vários mecanismos dirigidos a esse objetivo, que podem concentrar-se em três princípios: princípio da transparência, princípio da especialidade e princípio do pluralismo, que exige o controlo da concentração de empresas jornalísticas (Gomes Canotilho e Vital Moreira, Constituição da República Portuguesa Anotada, 3ª ed., Coimbra, 1993, p. 232).”

No ano seguinte, o governo PSD-CDS impôs uma nova alteração à lei, sobre a qual o TC não foi consultado, retirando este poder ao Conselho de Opinião, a quem ficou atribuído o parecer vinculativo sobre a nomeação dos provedores e obrigatório sobre o plano de atividades e contas, tendo sido depois atribuído à ERC o poder de parecer sobre os diretores de informação e de programação.

Se a RTP e RDP forem concessionadas ou privatizadas, a sua dependência do poder económico será um facto incontornável: uma empresa privada será a dona ou a concessionária. Acresce que o poder da Assembleia de acionistas para designar a administração, determinar o plano de atividades e as políticas da empresa é contraditório com as normas que protegem o serviço público, fosse no passado o controlo da nomeação da administração (como pretendia o TC), seja agora o controlo da nomeação dos diretores de programas e de informação por um outro organismo independente dos acionistas e da sua administração.
 

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