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O “Público” contra Assange
O Público dedicou o editorial da sua edição de domingo a atacar virulentamente Julian Assange. Já pelo título, o editorialista não identificado mostra ao que vem: “Ascensão e queda de um pirata informático”. O australiano não é jornalista, não é editor, não é sequer um whistleblower, uma pessoa que torna pública informação que se pretendia ocultar. Não, é um pirata, alguém que rouba, que acede ilegalmente a sistemas informáticos. Alguém que depois de ter sido visto como “um herói do século hi-tech, inteligente, revolucionário e livre”, não passa afinal de “um triste troféu ideológico”, rodeado pelos que se juntam à sua causa e que padecem de “anti-americanismo rudimentar e acrítico”.
Seria risível se não fosse triste. A imprensa sempre viveu de fontes; sem elas não se faz jornalismo, apenas uma arremedo de diários oficiais. Os exemplos mais célebres de jornalismo investigativo dos Estados Unidos foram feitos porque existiam pessoas como Assange. O caso Watergate foi um magnífico trabalho de dois jornalistas do WashingtonPost que ganharam merecida fama, mas que nada teriam escrito se não tivesse existido o “Garganta Funda” (que só 30 anos mais tarde se soube que era o ex-diretor do FBI Mark Felt).
Outro exemplo célebre é o da revelação dos Documentos do Pentágono, que rendeu reportagens a todos os principais jornais americanos, em 1971, mostrando que as sucessivas administrações americanas envolvidas na Guerra do Vietname mandaram para a morte milhares de soldados americanos ocultando ao público a verdadeira situação no terreno. Essas reportagens só foram possíveis devido à divulgação pública de milhares de páginas fotocopiadas por um ex-militar e analista norte-americano, que teve acesso a esses documentos por trabalhar na RAND Corporation, empresa que prestava serviços ao Pentágono. Chama-se Daniel Ellsberg e é um dos tais “anti-americanos rudimentares” que apoia Assange.
Esperava-se do Público, se não o apoio ao fundador do Wikileaks, pelo menos uma palavra de valorização das revelações feitas por aquela organização. Revelações que trouxeram à luz muito do que se sabe hoje da guerra do Afeganistão e do Iraque, da política dos EUA em todo o mundo. Goste-se ou não desta política, as informações foram relevantes e assim o consideraram até jornais como o New York Times e, aliás, também o Público. Mas o editorialista esquece tudo isto e segue o caminho oposto. Sobre as revelações acerca da guerra do Afeganistão desenterra apenas a velha acusação de que a Wikileaks denunciou nomes de informadores afegãos, “ajudando os taliban a construírem uma nova lista de pessoas a abater”. Ora todos, até o Público, sabem que um porta-voz do Pentágono admitiu ao WashingtonPost que nenhum afegão sofreu nada que pudesse ser imputado à exposição nos documentos da Wikileaks.
Todo este quadro negativo preparava a conclusão do editorial: por “cegueira ou avidez”, tem sido o próprio Assange “a queimar a aura que boa parte do mundo lhe concedeu”. Para o editorialista Assange não é perseguido por promover a liberdade de informação, a mesma que o Públicodeveria defender acima de tudo. Para ele, sequer faz sentido que Assange evoque o estatuto de refugiado político, porque “é acusado de crimes sexuais”.
Será que o editorialista desconhece que houve dezenas de figuras públicas dos EUA a pedir a prisão e até o assassinato de Assange? Ou será que se trata apenas de delírio de anti-americanos? Todos ainda se recordam que Sara Palin pediu que os EUA perseguissem Assange com o mesmo empenho que o fazem aos líderes da Al Qaeda. Deve estar preocupada com “acusações sexuais” que sequer foram ainda formalizadas pelo Ministério Público sueco.
O Equador achou, corretamente, que os verdadeiros motivos do cerco a Assange são políticos e têm a ver com a sua atividade em prol da liberdade de imprensa e deu-lhe asilo político. O Públicoé contra e invoca a convenção da ONU sobre refugiados. Juristas com mais peso que o editorialista, como Baltasar Garzón, Michael Ratner, e tantos outros, defendem não só o estatuto de refugiado, como que as autoridades de Londres deixem Assange viajar para o Equador.
O que está em jogo não é pouco, e nada tem a ver com “anti-americanismo”. Se o australiano terminar manietado, vestido com um fato-macaco cor de laranja nalguma Guantánamo do planeta para o resto da vida, quem mais terá coragem de revelar informações que incomodem Washington? Do resultado desta disputa, por isso, depende muito o futuro da liberdade de imprensa. É triste ver que os chefes do Público, infelizmente, estão do lado errado.
Comments
Na realidade "alguém...que
Na realidade "alguém...que acede ilegalmente a sistemas informáticos" é um cracker, e "alguém que rouba" é um ladrão. Na informática se esse alguém "copiar" e não "apagar" o original na realidade não rouba,porque o dono não fica privado do original,apenas copia,e a isso há quem goste de chamar "pirataria".
Sempre que os jornalistas copiam informação privada/proprietária que depois divulgam ao abrigo do seu legitimo trabalho,na realidade estão a fazer aquilo que os lobbies de conteúdos chamam de "pirataria". Se calhar não deviam ficar tão ofendidos quando alguém lhes chama "piratas",afinal de contas é isso mesmo que quer quem os chama assim.
Vejam o exemplo das pessoas que antes partilhavam com os amigos de mão em mão e que hoje,ao o fazerem pela net,passaram a ser chamados de "piratas". O que fizeram elas? Retiraram o estigma da palavra ao a assumirem e até fundarem partidos com esse nome.
O poder da ofensa nunca está na mão de quem a tenta mas na receptividade de quem é o seu alvo.
Continuando na ideia do meu
Continuando na ideia do meu comentário anterior...
O poder da ofensa nunca está na mão de quem a tenta mas na receptividade de quem é o seu alvo.
Ser "jornalista" é ser "pirata dos acontecimentos", a noticia é uma cópia da realidade usando as palavras do jornalista que se partilha com o mundo em prol da informação e do conhecimento, não é caso para ofensa, e sim razão de orgulho.
Caro Anonymous, Respeito a
Caro Anonymous,
Respeito a sua opinião e até em parte concordo com ela. Mas a intenção do título do editorial é mesmo dar uma conotação negativa, dirigida a um público leigo nesses assuntos. O mesmo público que não tem a menor diferença entre cracker e hacker e considera-os ambos de forma negativa.
Não tenho conhecimento de
Não tenho conhecimento de causa mas deduzo que o referido editorial seja da autoria de Teresa de Sousa.
Independentemente disso, acho incrível a hipocrisia do Reino Unido, ao dizer que tem a missão de cumprir a ordem de extradição da Suécia. Então, porque não extraditou Pinochet (que assassinou milhares de pessoas) para Espanha, como pedia Garzon? E porque devolveu um dos autores do atentato de Lockerbie a Khadafi em troca de petróleo?
Já agora, e para quem leu Stieg Larsson, "cheira-me" que as duas queixosas de violação seriam agentes da SAPO (os serviços secretos suecos).
Caro Jorge Martins, o
Caro Jorge Martins, o editorial não está assinado, representando, portanto, a posição da direção editorial.
É óbvio que sim e não ponho
É óbvio que sim e não ponho isso em causa. Apenas quis deixar o meu palpite sobre o/a autor/a material desse lamentável editorial.
ah e o senhor Assange nem
ah e o senhor Assange nem sequer está acusado de qq crime sexual!
mas claro factos são coisa que o Público não acha relevantes!
2ª edição => Pena que na
2ª edição => Pena que na “grande” imprensa brasileira não tenha um Luis Leiria em sua lista. Porque, salvo raríssimas exceções, e assim mesmo do pessoal da mídia eletrônica, as notícias por aqui foram chochas, aguadas. Isto, sem contar as pagas (em dólares) pelos interessados norteamericanos, ingleses, suecos e (pasmem!) australianos, que impiedosamente atacam o Sr. Assange, acusado de estuprar uma prostituta cubana que trabalha para a CIA e, nas horas vagas, roda faz uns bembolados nos bordeis suecos. Dizem as maslínguas que o caso é mais sério. A garota apaixonou-se pelo australiano. Como não foi correspondida, mesmo havendo sido regiamente paga, resolveu vingar-se e aproveitou o "gancho" do vazamento das informações do Pentágnono para detonar o blogueiro. Nosso Tim Maia dizia que "Pais onde prostituta se apaixona, cafetão tem ciumes e pobre é de direita, esse pais não é sério". Será o caso da Suécia atual?
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