"Peço ao Presidente Obama que faça o que está certo: os Estados Unidos devem renunciar à sua caça às bruxas contra a Wikileaks", declarou Julian Assange no seu discurso de 10 minutos, feito a partir a varanda da embaixada equatoriana em Londres, a poucos metros dos agentes policiais que o querem prender mal saia das instalações diplomáticas.
Assange denunciou ainda a tentativa da polícia britânica de invadir a embaixada na madrugada da passada quarta-feira. "Pude ouvir equipas policiais avançarem dentro do edifício através da saída de emergência", declarou o fundador da Wikileaks. "Se o Reino Unido não deitou fora a Convenção de Viena nessa noite, foi porque o mundo estava a ver. E o mundo estava a ver porque vocês estavam a ver", acrescentou, agradecendo aos apoiantes que se deslocaram à embaixada nessa noite, provocando a chegada da imprensa.
"Da próxima vez que alguém vos disser que não vale a pena defender os direitos que consideramos mais valiosos, lembrem-lhes a vossa vigília na escuridão frente à embaixada do Equador. E lembrem-lhes como de manhã o sol se levantou num mundo diferente, e um país corajoso da América Latina se levantou em nome da justiça", acrescentou.
Julian Assange não se pronunciou sobre o pedido de extradição para a Suécia, onde a justiça o quer ouvir no âmbito de uma queixa de duas mulheres que o acusam de ter mantido sexo sem preservativo, e que está na origem do seu pedido de asilo ao Equador. O fundador da Wikileaks teme que, uma vez na Suécia, possa ser extraditado para os Estados Unidos, onde pode ser condenado à morte por revelar emails que comprovaram crimes de guerra dos norte-americanos no Iraque.
No âmbito da campanha contra a Wikileaks que retrata o seu fundador como um agente ao serviço do Kremlin, Assange tinha sido criticado nos últimos dias por não ter dado sinais de solidariedade com a banda punk feminista Pussy Riot. No discurso deste domingo, após falar de Bradley Manning - o soldado norte-americano que disponibilizou os emails classificados dos militares e embaixadas dos EUA à Wikileaks - como um dos principais presos políticos no mundo, Assange lembrou também a condenação das três mulheres da banda Pussy Riot a dois anos de prisão por um tribunal russo. "Existe unidade na repressão. Tem de existir unidade e determinação absoluta na resposta a ela", declarou Julian Assange.
Leia em seguida a transcrição do discurso completo de Julian Assange e o vídeo do discurso com tradução simultânea em castelhano:
Falo daqui, porque não posso estar mais perto de vocês. Obrigado por estarem aí.
Obrigado pela vossa coragem e pela generosidade de espírito.
Na noite de 4ª-feira, depois de esta embaixada ter recebido uma ameaça, e de a polícia ter cercado o prédio, vocês vieram para cá, no meio da noite, e trouxeram, convosco, os olhos do mundo.
Dentro da embaixada, durante a noite, eu ouvia os polícias andando pelas entradas de incêndio do prédio. Mas sabia que, pelo menos, havia testemunhas. Isso, graças a vocês.
Se o Reino Unido não espezinhou as convenções de Viena e outras, foi porque o mundo estava atento e vigilante. E o mundo estava vigilante, porque vocês estavam aqui.
Por isso, da próxima vez que alguém lhes disser que não vale a pena defender esses direitos tão importantes para nós, lembrem-lhes dessa noite de vigília, tarde da noite, na escuridão, à frente da Embaixada do Equador. Façam-nos lembrar como, pela manhã, o sol raiou sobre um mundo diferente, quando uma valente nação latino-americana levantou-se em defesa da justiça.
Agradeço ao bravo povo do Equador e ao presidente Correa pela coragem que manifestaram, ao considerar o meu pedido e ao conceder-me asilo político.
Agradeço também ao governo e ao ministro do Exterior do Equador Ricardo Patiño, que fizeram valer a Constituição do Equador e a sua noção de cidadania universal, na consideração que deram ao meu caso.
E ao povo do Equador, por apoiar e defender a sua Constituição. Tenho uma dívida de gratidão também com o pessoal desta embaixada, cujas famílias vivem em Londres e que me manifestaram gentileza e hospitalidade, apesar das ameaças que todos eles receberam.
Na próxima 6ª-feira, haverá uma reunião de emergência dos ministros de Relações Exteriores da América Latina em Washington, DC, para discutir esta nossa situação. Sou extremamente grato ao povo e aos governos de Argentina, Bolívia, Brasil, Chile, Colômbia, El Salvador, Honduras, México, Nicarágua, Peru, Venezuela e a todos os demais países da América Latina que defenderam o direito de asilo.
Ao povo dos EUA, Reino Unido, Suécia e Austrália, que me deram apoio e força, mesmo quando os seus governos me negavam qualquer direito. E às cabeças mais arejadas de todos os governos, que ainda lutam por justiça: o vosso dia vai raiar.
À equipa, apoiantes e fontes da Wikileaks, cuja coragem, compromisso e lealdade foram sem igual.
À minha família e aos meus filhos, que vivem sem pai, perdoem-me. Em breve estaremos novamente reunidos.
Enquanto a Wikileaks estiver sob ameaça, ameaçadas estarão também a liberdade de expressão e a saúde das nossas sociedade. Temos de usar este momento para articular a decisão diante da qual está hoje o governo dos EUA.
Voltará o governo dos EUA a reafirmar os valores sobre os quais aquela nação foi fundada? Ou o governo dos EUA vai cair no precipício, arrastando com ele todos nós, para um mundo perigoso e repressivo, no qual os jornalistas serão para sempre silenciados, pelo medo das perseguições, e os cidadãos serão condenados a sussurrar na escuridão?
Digo que isso não pode continuar.
Peço ao presidente Obama que faça a coisa certa.
Os EUA têm de desistir desta caça às bruxas contra a Wikileaks.
Os EUA têm de cancelar a investigação pelo FBI contra a Wilileaks.
Os EUA têm de se comprometer a não perseguir nem processar o nosso pessoal, a nossa equipa e os nossos apoiantes.
Os EUA têm de prometer, ante o mundo, que nunca mais perseguirão jornalistas exclusivamente porque os jornalistas lançaram luz sobre crimes cometidos pelos poderosos.
Têm de ter fim todos os discursos insanos sobre processar empresas de jornalismo, seja a Wikileaks ou o New York Times.
A guerra do governo dos EUA contra os que promovem fugas de informação e lançam sinais de alarme justificado e legítimo tem de acabar.
Thomas Drake e William Binney e John Kiriakou e tantos outros heroicos guardas avançados, que alertaram para os piores perigos que eles, antes de outros, viram chegar, têm de ser – eles têm de ser! – perdoados e indemnizados pelos riscos a que se expuseram e pelos sofrimentos que padeceram, para bem cumprir o seu dever, como bons servidores do interesse público.
E o soldado que permanece em prisão militar em Fort Levenworth, Kansas, que a ONU constatou que viveu sob as mais monstruosas condições de prisão em Quantico, Virginia, e que ainda não foi julgado, mesmo depois de dois anos de prisão, tem de ser posto em liberdade.
Bradley Manning tem de ser libertado.
Se Bradley Manning realmente fez o que é acusado de ter feito, então é herói e exemplo para todos nós, e um dos mais importantes prisioneiros políticos do mundo, hoje.
Bradley Manning tem de ser libertado.
Na 4ª-feira, Bradley Manning completou 815 dias de prisão sem julgamento. A lei estipula o prazo máximo de 120 dias.
Na 3ª-feira, o meu amigo Nabeel Rajab, presidente do Centro de Direitos Humanos do Bharein foi condenado a três anos de prisão, por um tweet.
Na 6ª-feira, uma banda russa foi condenada a dois anos de cadeia, por uma performance de conteúdo político.
Há unidade na opressão. Tem de haver absoluta unidade e absoluta determinação na resposta. Obrigado.(Tradução do coletivo Vila Vudu, adaptada para Portugal pelo Esquerda.net)