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Os pontos nos iis

É recorrente ouvirmos e lermos acusações aos “políticos” e aos “partidos”, indiscriminadamente, de todos os males do mundo, reais e imaginários, económicos, sociais, financeiros e culturais. Tem sido assim em Portugal, viu-se agora o mesmo em Espanha e é absolutamente necessário reposicionar a questão, para a clarificar. Contributo de José Joaquim Ferreira dos Santos.

É por demais evidente que, em democracia, os responsáveis políticos são eleitos pela população de acordo com programas e devem, por isso mesmo, ser responsabilizados pelos cidadãos pelas políticas que desenvolvem e pelos atos de gestão que promovem.

É sabido o que penso, porque o tenho denunciado, sobre os políticos que têm sido responsáveis pela governação e que têm desenvolvido políticas que pouco ou nada têm a ver com os interesses dos cidadãos, muitos dos quais sufragaram a sua eleição.

É igualmente sabido que os eleitores portugueses têm mantido uma preferência constante pelas forças políticas a que vulgarmente se designa por “centrão” (PS, PSD e CDS), praticamente desde 1976, embora existam alternativas programáticas às propostas que aqueles apresentam.

Na vida como na política há que separar o trigo do joio. As generalizações são, por natureza, raciocínios falsos.

Ao generalizarem a sua desconfiança nos partidos e nos políticos, os cidadãos podem, mesmo sem o querer, estar a abrir a porta a experiências e manobras autoritárias com consequências de que a história de 48 anos passados sob ditadura, deveria ter sido suficientemente elucidativa.

Uma coisa é certa, a democracia só melhora com mais democracia, mais transparência e mais verdade e nunca com suspensões ou adiamentos como já temos visto propor.

É, no entanto, importante ter em atenção que o legítimo protesto nas ruas só será coerente se for acompanhado por uma tomada de posição política, no momento de eleger e na participação crítica e no acompanhamento do desempenho dos eleitos. A não ser assim corremos o risco de deixar aos outros a decisão, quando não, a ser usados por interesses que nos são alheios.

Só com uma análise cuidadosa dos programas apresentados pelos partidos políticos, mas também das práticas governativas anteriores se pode conseguir um exercício de voto lúcido e com viabilidade de sucesso.

Só com cidadãos exigentes se pode impedir a proliferação de negociatas e de cambalachos a que temos assistido, em grande parte por negligência nossa, mas principalmente por manifesta falta de qualidade daqueles que elegemos.

Uma democracia exigente constrói-se com cidadãos exigentes. Ela constitui, em todos os momentos, o espelho da nação.

Os cidadãos devem ver o Estado como coisa sua e os dirigentes políticos como seus representantes eleitos e em termos de ser responsabilizados a qualquer momento, não como personalidades intocáveis e inacessíveis.

A crise que atravessamos foi motivada pela incúria e desleixo dos dirigentes políticos, mas a sua origem primeira é na enorme ganância das entidades financeiras, bancos e quejandos e daquilo a que se chamou de economia de casino.

Esta realidade tem vindo a ser escamoteada por aqueles que, despudoradamente, afirmam que os portugueses viveram acima das suas possibilidades e que chegou a hora de pagar. Mas quais os portugueses? Os banqueiros, os financeiros, os ex-ministros ou os trabalhadores que não podem fugir aos impostos ou colocar fortunas nos paraísos fiscais?

A banca portuguesa, tradicionalmente pertencente e controlada por uma escassa meia dúzia de famílias e mais recentemente, por alguns arrivistas com altos apoios políticos, soube usufruir das fragilidades do Estado tem feito chorudos negócios contraindo empréstimos no Banco Central Europeu a juros baixos e emprestando depois a esse mesmo Estado a juros elevados.

Com a implosão financeira, com origem nos bancos americanos esse edifício de fantasia ruiu e teve que ser o Estado, isto é, todos nós, a endividar-se para acorrer aos problemas de insolvência da banca.

A divida daí resultante é a que está a provocar a violenta austeridade a que os trabalhadores portugueses, bem como os pensionistas e todos aqueles que dependem dos rendimentos do seu trabalho, estão sujeitos.

Daí a tenaz oposição à abertura de uma auditoria séria e eficiente à divida, que mais não seja para manter a ficção de que a culpa é dos portugueses que viveram acima das possibilidades.

E é aqui que entra a promiscuidade entre as entidades financeiras e alguns políticos menos escrupulosos que saltitam entre os cargos públicos e as prebendas privadas de acordo com o que lhes pareça mais rentável no momento, com a impunidade que lhes é assegurada pela ineficácia do aparelho judicial.

Cabe a cada um de nós e assim a todos a responsabilidade de impedir que sejam “os outros” a decidir por nós a condução do nosso próprio futuro, assumindo com determinação o nosso papel de cidadãos em democracia.

24.07.2012

Contributo de José Joaquim Ferreira dos Santos, membro da Assembleia Municipal de Matosinhos pelo Bloco de Esquerda

Texto publicado no semanário “Jornal de Matosinhos” no dia 27 de julho de 2012

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