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A BBC como apologista da mentira sobre o Libor

O direito tem um conjunto de escritores nos quais pode confiar para defender e inclusivamente babar a elite dos criminosos de colarinho branco, mas o centro conseguiu produzir gente ansiosa para defender mentiras. Artigo de William K. Black.

Esta coluna aborda o editor de negócios da BBC, Robert Preston. O título do seu artigo enfatiza a sua opinião que é excepcionalmente difícil saber se as mentiras dos bancos sobre o Libor eram desejáveis: "A verdade evasiva sobre a mentira do Barclays." Preston colocou a questão de uma forma que favorece a opinião que a mentira de Barclays fosse desejável.

 "Além da análise forense sobre quem disse o quê a quem, há uma questão muito simples no centro da ira da participação do Barclays no escândalo da manipulação do LIBOR: é aceitável mentir?"

A questão manipula a resposta. Claro que é aceitável mentir nalgumas circunstâncias. Se os nazis tivessem invadido com êxito a Inglaterra e tivessem exigido aos bancos identificar os seus clientes judeus teria sido um acto de coragem moral ao mentir e falsificar documentos que supostamente mostrassem que o banco sempre se recusou fazer negócios com os judeus.

Preston deixa claro que a City de Londres está amplamente abastecida de quadros directivos dos bancos que pensam que os funcionários do banco e (falsos) reguladores foram nobres quando mentiram acerca do Libor.

"Acontece que uma série de figuras de alto nível na City que não estão relacionadas com o Barclays considera que essa mentira era devida às circunstâncias. Eles pensam que o senhor [Paul] Tucker [Vice-Governador do Banco de Inglaterra] incentivou o Barclays a mentir e aplaudiu-o por isso.

Você poderia dizer que isto evidencia um relativismo moral canceroso no centro da City. Ou você pode aplaudir o seu realismo do senso comum."

E quel é a opinião de Preston sobre esta questão moral “difícil”?
"A defesa é que o Barclays considerava terrivelmente injusto que os seus custos de financiamento fossem superiores aos de outros bancos. E está convencida que muitos desses bancos eram mais mentirosos sobre o que estavam a pagar para emprestar".
 
A defesa do Barclays afirma a existência do que os economistas, criminólogos e (reais) reguladores descrevem como a clássica “dinâmica de Gresham”, segundo a qual uma má ética expulsa dos mercados uma boa ética. A função primordial dos reguladores financeiros é a de servir como "policía de ronda" empenhada na regulamentação, exame, fiscalização e execução, fornecendo as referências essenciais criminosas ao Ministério Público, a fim de evitar obter uma vantagem competitiva imoral. A alternativa é que os mercados se tornam perversos e a fraude pode chegar a ser a estratégia dominante. Uma dinâmica de Gresham é "cancerosa", mas não produz o "relativismo moral". Produz-se um comportamento endémico imoral,  não por um maior bem comum, mas para enriquecer os altos funcionários que comandam a fraude. Também requer o cancelamento de um governo eficaz e a introdução dum “ambiente [agressivo] imoral no topo do sistema”. Pode-se contar com altos funcionários que dão o tom imoral no topo para que “aplaudam” a fraude. Com o tempo os funcionários mais morais abandonam o cenário indignados e a escória moral aflora à superfície da fossa séptica. Os funcionários muitas vezes acham que as mentiras adicionais aumentarão a sua riqueza.

Uma vez que a mentira se torna banal e “aplaudida” pela administração,  proliferam os eufemismos e as "piadas" sobre as mentiras. O artigo de Robert Preston demonstra as duas características: "Precisamos da versão da história de Paul Tucker para avaliar se, efectivamente,  empurrou o senhor Diamond a optar pela "economia com a verdade" quanto aos custos de endividamento do banco…" Diamond consegue combinar um eufemismo clássico inglês para se referir às mentiras com a ironia e um gracioso jogo de palavras que se refere à banca: "a economia com a verdade".

A imagem da BBC, se o leitor clicar para ler o artigo completo de Preston, deixa clara a resposta à "difícil" questão da moralidade.
A verdade evasiva sobre a mentira do Barclays http://www.bbc.co.uk/news/business-18704715

Era a mentira do Barclays sobre os seus custos de empréstimos um objetivo legítimo para tentar salvar-se da falência? Ou era o seu instinto de estar no cerne do problema, a razão pela qual tinha tão pouca confiança nos mercados e teve de pagar mais que os outros para  emprestar?

A manipulação do Libor através de mentiras para produzir um índice falso é um "objetivo legítimo". A posição da BBC é que qualquer empresa (ou particular) com problemas financeiros pode "legítima [mente]" mentir para enganar os seus credores e investidores, evitando que saibam que tem problemas financeiros. Os bancos podem matar o autor da denúncia sob esta "lógica", porque a sua ação em favor da verdade deve ser "ilegítima". (Se lhe parece exagerado, não perca a minha próxima coluna.)

Maltratam o Tony. O seu projeto "Cool Britannia" [movimento cultural do Reino Unido, que coincide com a chegada de Blair ao governo. NdT] teve muito êxito. A Inglaterra é agora tão cool que os rapazes bêbados, que fazem sexo em público na Grécia, não chegam a ser ponto de comparação com os banqueiros da City de Londres no concurso de depravação moral. Os banqueiros mais importantes são tão cool que "aplaudem" descaradamente a fraude nas suas  entrevistas (mas nunca para atribuição) ao editor de negócios da BBC. O Reino Unido voltou aos seus bons tempos, quando deram cartas aos corsários e os enviaram para saquear o comércio mundial. Sir Walter Raleigh é o próprio modelo do banqueiro da City de Londres. Inclusivamente, voltam para ajudar a despovoar de novo a Irlanda.

* William K. Black - é um dos maiores penalistas norte-americanos vivos, é especialista em delitos económicos, particularmente, financeiros. Foi director executivo do Instituto para a Prevenção da Fraude, entre 2005 e 2007.

Publicado em: http://www.sinpermiso.info/textos/index.php?id=5145
Tradução: António José André

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Neste dossier:

Liborgate: Banca e manipulação de taxas de juro

O sistema financeiro encobriu desde 2005 um crime de manipulação de mercado que afetou milhões de pessoas. Para lucrarem mais e aparentarem boa saúde financeira, os bancos puxaram artificialmente as taxas de juro de referência para cima e para baixo. Muitos sabiam da manobra, mas ninguém esteve interessado em travá-la. Dossier organizado por Luís Branco.

O escândalo Libor em imagens

Esta infografia do New York Times resume o que é a Libor e como a sua manipulação afetou empréstimos e hipotecas desdde 2005.

Quem são as verdadeiras vítimas do escândalo Libor

Boa parte da cobertura mediática do escândalo Libor centrou-se nas formas como o Barclays tentou manipular a taxa para baixo durante a crise financeira, para fazer o banco parecer mais seguro. Isso levou alguns ouvintes a fazerem uma boa pergunta: se as taxas foram empurradas para baixo, isso não ajuda os consumidores? Por Robert Smith, da NPR.

De que lado está o regulador da City?

A Autoridade dos Serviços Financeiros é o suposto regulador da City londrino, mas documentos internos "devastadores" revelam que ela coordenou secretamente estratégias de lóbi ao mais alto nível com a indústria que devia investigar. Artigo de Melanie Newman.

Manipulação da taxa Euribor sob investigação

O escândalo partiu do Reino Unido mas a investigação já incide sobre pelo menos quatro dos maiores bancos europeus: Crédit Agricole, HSBC, Deutsche Bank e Société Générale. O elo de ligação entre os quatro é um antigo corretor do Barclays.

A fraude financeira global e os seus guardiões

A tese mediática da "maçã podre" já não resulta. Estamos a assistir à corrupção sistémica da banca - e à conspiração sistémica. Por Naomi Wolf.

A luta entre tubarões

Manipulações sobre as taxas de juro? É um tema aborrecido, mas o escândalo que envolve o banco inglês Barclays pela manipulação de informação para fixar a taxa Libor afeta a vida quotidiana de milhões de pessoas em todo o mundo. Por Alejandro Nadal.

Escândalo da taxa Libor pode ser um "golpe devastador"

O escândalo envolve cerca de 20 grandes bancos internacionais e um mercado de cerca de 50 biliões de dólares, quatro vezes o PIB dos Estados Unidos. Entrevista a Michael Moran, professor de Economia do Centro de Investigação de Mudança Sócio-Cultural (CRESC), da U. de Manchester, por Marcelo Justo/Carta Maior.

Aos bancos ladrões não devemos nada

Alguns gigantes da banca mundial – aqueles que apostam contra as dívidas públicas e recolhem os juros pagos com os sacrifícios dos povos – andaram nos últimos anos a manipular as taxas de juro de referência para lucrarem ainda mais com a desgraça alheia.

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