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A peste negra ergue a cabeça nesta Grécia em fase terminal. Há alguém que a possa parar?

Enquanto não se compreender o fenómeno Aurora Dourada, como sendo um produto da sua época (da crise económica, social e política terminal), este "fenómeno" continuará o seu desenvolvimento rápido e fulgurante sem problemas. Artigo de Yorgos Mitralias.
Mural antifascista em Atenas. Foto Anonymous_Shadow/Flickr

Infelizmente, após as eleições de 17 de Junho, a esquerda grega surge tão desamparada perante a ameaça nazi da Aurora Dourada como antes de 6 de Maio. A prova? O sucesso da Aurora Dourada é apresentado como uma excepção, como sendo apenas um simples “ponto negro” numa situação geral muito animadora. É assim que todas as organizações que compõem a esquerda grega (incluindo o Syriza) descrevem a situação, como uma mera conjugação de bons e maus resultados, ignorando que os bons e os maus resultados (quer dizer o surgimento e o crescimento súbito dos neo-nazis) fazem parte da mesma situação global, que estão interdependentes e que possuem um mesmo denominador comum: a crise histórica da sociedade grega que os condiciona a todos!

A consequência dessa análise superficial da realidade, social e política grega, feita pela esquerda grega, é que o fenómeno neonazi é considerado... um acidente histórico, passageiro e um facto político de importância secundária, quando comparado com os dois grandes acontecimentos que marcam a actualidade: a subida em flecha do Syriza e o colapso do bipartidarismo tradicional grego. No entanto, os factos são persistentes e resistem a esse tipo de análise. Primeiro, há a actividade quotidiana dos neo-nazis, que se torna cada vez mais indubitável, mais agressiva, não se limitando a atingir apenas os imigrantes, mas englobando também os militantes de esquerda ou mesmo meros observadores que se atrevem a protestar. Em vez de se ter consciência da sua forte representação parlamentar (apesar das previsões erradas dos líderes de esquerda), a Aurora Dourada passa agora ao ataque, expondo os seus músculos, multiplicando as provocações e os raids por todo o país e afirmando publicamente o seu "direito" de atacar quem ela quiser quando ela quiser!

Depois, há, sobretudo, as estatísticas, que são mais assustadoras do que os actos neo-nazis. De acordo com estudos exaustivos sobre os resultados das recentes eleições gregas, a Aurora Dourada é tudo menos um "fenômeno passageiro" e "vai tornar-se um foco poderoso e um adversário incontornável para a esquerda, nos próximos tempos" |1|. Sem hesitações, afirmamos de forma categórica: os neo-nazis gregos não só se estão a instalar, de forma duradoura, no coração da paisagem política grega, como constituem, com o SYRIZA, a segunda força organizada e em plena expansão, disputando o espaço onde se vai decidir o futuro do país: nos grandes centros urbanos e entre a população mais activa e mais dinâmica...

Como observa o autor do estudo e grande especialista em partidos políticos e comportamento eleitoral grego, Christoforos Vernardakis, "a Aurora Dourada é uma formação consistente, os resultados eleitorais demonstram uma estrutura de classe, pondo em evidência uma grande homogeneidade ideológica". Significa que a Aurora Dourada é muito diferente do seu precursor, ou seja, o partido de extrema-direita LAOS, que era "sistémico" quanto às suas opções políticas e interclassista na composição da sua base eleitoral, com forte influência nas classes média e alta. Segundo Vernardakis, "a Aurora Dourada tem uma influência popular mais "pura", surgindo nas eleições de Junho com uma agenda ideológica mais afinada do que em Maio. A geografia da Aurora Dourada mostra que se trata de uma formação que não será conjuntural no sistema partidário".

Essas afirmações são corroboradas pelo facto de que o partido neo-nazi, cujo resultado eleitoral nacional de quase 7% dos votos não se alterou significativamente entre as duas eleições de Maio e Junho, teve resultados bastante expressivos, sobretudo, nos bairros populares, na população entre os 25 e os 44 anos, entre os trabalhadores não especializados e os trabalhadores flexíveis (24,5%) e entre os desempregados (12,2%). Mas não é tudo. A análise dos resultados eleitorais da Aurora Dourada salienta um facto muito revelador das intenções da burguesia grega quando atribui ao partido neo-nazi 20,3% dos votos dos “patrões e empresários”! Mais de um em cinco patrões e empresários gregos votam já (!) nos amigos de Hitler, aqueles que fazem a apologia pública de Auschwitz e atacam, no Metro de Atenas, os imigrantes indefesos!

Estamos perante uma realidade assustadora... e muito promissora para a continuação do drama grego. Na verdade, o apoio dos patrões aos neo-nazis gregos significa a) que o dinheiro corre já nas suas caixas e b) que uma parte substancial da burguesia grega (+ 20%) joga já a cartada do fascismo e da sua quadrilha com o objectivo de frustrar o movimento popular e a força crescente que é o SYRIZA! Em resumo, isso significa que estamos longe das certezas ingénuas da esquerda grega, que continua a subestimar o perigo fascista, limitando-se a exorcizá-lo com afirmações do género "o fascismo é algo totalmente estranho aos gregos" ou "agora, que eles (os neo-nazis) estão no parlamento e os media falam deles, revelam a sua verdadeira natureza e as pessoas vão entender e vão afastar-se deles"...

Infelizmente, não é esse o caso. De facto, tudo indica que a Aurora Dourada está bem enraizada na sociedade grega, e, sobretudo, que a adesão às suas práticas e objectivos não é acidental, epidérmica ou transitória. Por exemplo, a subida da Aurora Dourada, depois de uma queda após as eleições de 6 de Maio, não se deve a uma adesão às suas práticas, mas à sua opção muito consciente de fazer aumentar o nível de violência (ataque diário a imigrantes em actos públicos de violência, provocação, por parte do número dois dos neo-nazis, contra duas deputadas de esquerda “em directo” num estúdio de TV, agressões contra militantes de esquerda e raids contra dirigentes locais de partidos de esquerda, etc.). Em suma, o que acontece todos os dias, diante dos nossos olhos, é exactamente o oposto do que apregoam as vozes piedosas da esquerda grega: a violência da Aurora Dourada contra os imigrantes e os militantes de esquerda, não diminui mas ... aumenta a sua influência e a sua capacidade de atracção, por um lado, de determinados extractos sociais de deserdados e, por outro, da burguesia e do patronato grego.

Mesmo provisória, a conclusão não é assim tão difícil: as duas forças crescentes do espectro político grego são as que se encontram nas extremidades, na extrema esquerda e na extrema direita, o Syriza e a Aurora Dourada. É assim que os resultados, das duas últimas e sucessivas eleições gregas, vêm confirmar a tese e a hipótese de trabalho que apresentamos, antes das eleições de 6 de Maio, no nosso texto "Sessenta e sete anos após o fim da Segunda Guerra Mundial e o julgamento de Nuremberga, eis-nos em plena República de Weimar à grega..." |2|: Uma parte muito grande da sociedade grega, arruinada após dois anos de políticas selvagens de austeridade, tenta desesperadamente soluções radicais para os seus problemas de sobrevivência em ambos os extremos do cenário político grego.

Dito isto, é perfeitamente explicável que a razão profunda, para a incapacidade de a esquerda grega entender o fenômeno Aurora Dourada e agir contra ele, seja a sua incapacidade de compreender o que está a acontecer nas profundezas da sociedade grega! É por isso que o sucesso eleitoral dos neo-nazis é descrito como sendo apenas um "ponto negro", num quadro genericamente positivo, sem se entender que esse "ponto negro" é o reverso da medalha do sucesso fulgurante do SYRIZA e, sobretudo, sem se entender que essses movimentos pendulares das massas deserdadas, que vão de um extremo ao outro do espectro político, vão continuar se a esquerda radical não transformar o actual período pré-revolucionário num período revolucionário...

Mas, deve-se admitir que há um grande obstáculo no caminho dessa transformação do pré-revolucionário em revolucionário. Esse obstáculo chama-se Aurora Dourada e não foi por acaso que ele foi criado (pelos grandes meios de comunicação social, por uma facção da burguesia grega, por personalidades da direita tradicional grega que qualificam a “Aurora Dourada” como “organização irmã da Nova Democracia”, etc) só para... prejudicar o desenvolvimento do movimento popular e a ascensão da esquerda radical grega! Traduzindo por palavras mais simples, a esquerda grega deve parar de exorcizar o mal neo-nazi com frases vazias como "devemos isolar os fascistas" e deve substituí-las, o mais rapidamente possível, pela problemática da defesa dos imigrantes e da sua própria auto-defesa contra os bandos de assassinos enfurecidos da Aurora Dourada.

No entanto, deve ficar claro que essa "auto-defesa" não acontece especialmente, porque a própria palavra "auto-defesa" permanece uma palavra tabu para a esquerda grega, a palavra que ela insiste em não pronunciar. Objecções do tipo "não vamos descer ao nível deles" ou "devemos enfrentar os fascistas com armas políticas" não fazem sentido quando a violência neo-nazi alastra todos os dias a novos bairros, tornado cada vez mais difícil a vida normal das pessoas e ameaçando as actividades dos partidos e das organizações de esquerda. Aqui, não lidamos com teorias abstratas, mas com problemas muito concretos da vida quotidiana das pessoas, que a esquerda grega deve reconhecer, enfrentar e resolver de um modo unitário, o mais rápido possível! Se a Aurora Dourada consegue impedir que saiamos de casa, tudo o resto é conversa fiada de gente irresponsável ​​que teimosamente recusa olhar a realidade de frente...

Finalmente, o que falta à esquerda grega, para que ela possa compreender, enfrentar e combater eficazmente a peste negra que começa a levantar a cabeça, é a memória e a compreensão do que aconteceu na Alemanha - mas também na Itália – nos anos vinte e trinta. Sem a experiência e as lições dessa época, a esquerda grega está condenada ao improviso e a não enfrentar o rosto dos neo-nazis que dão já mostras de se moverem cuidadosamente, seguindo escrupulosamente as orientações do manual do nacional-socialismo. Porque é preciso admitir que a situação actual na Grécia mostra ter semelhanças, cada vez maiores, com a Alemanha na fase final da República de Weimar e com a ascensão de Hitler ao poder. Parece incrível, mas infelizmente é verdade! Por isso, enquanto não se compreender o fenómeno Aurora Dourada, como sendo um produto da sua época (da crise económica, social e política terminal), este "fenómeno" continuará o seu desenvolvimento rápido e fulgurante sem problemas. Então, cuidado: estamos apenas no começo desta história que promete um futuro com pesadelos, se a esquerda grega continuar a ver na Aurora Dourada um simples "anacronismo" passageiro, condenado a desaparecer quando as pessoas se aperceberem da sua natureza retrógrada e perigosa. Não, os neo-nazis gregos são mais do que isso, porque se tornaram um verdadeiro movimento radical popular, com grupos paramilitares, e que conta com o apoio (político, dos media, financeiro,...) de uma facção muito importante da burguesia grega.

A conclusão é deliberadamente alarmista. A esquerda grega deveria ter feito auto-crítica, porque deixou a serpente neo-nazi sair do ovo. Não o fez e agora continua no mesmo caminho suicída de tentar enfrentar o mal exorcizando-o, como se fosse apenas um simples ...espírito maléfico e não fosse uma força material muito real, que visa a destruição do movimento sindical por todos os meios. Há três meses, dizer que a Aurora Dourada conseguia 7% dos votos parecia uma enormidade digna de um cenário de ficção política. Quem ousaria hoje excluir a possibilidade de esse "cenário de ficção política" nos reservar outras surpresas ainda maiores e, sobretudo, mais dolorosas?


Tradução: Maria da Liberdade. Publicado na página do CADTM

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