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As bolsas de estudo e a Democracia no Ensino Superior

O governo promulgou as alterações ao regulamento de bolsas de estudo para os estudantes do Ensino Superior. Uma coisa temos desde já garantida: se no ano passado milhares de estudantes abandonaram o Ensino Superior, este ano serão muitos mais!

Com o anterior regulamento de bolsas, mexendo na cálculo da bolsa máxima, introduzindo as dívidas fiscais e contributivas como fator de indeferimento e mantendo o orçamento desajustado das necessidades, o governo escolheu colocar-se do lado de quem quer universidades de elites onde os pobres não entram. As alterações introduzidas este ano no regulamento confirmam as intenções de um governo comprometido com a expulsão dos mais pobres das universidades e com a privação da entrada para os mais pobres dos mais pobres.

O regulamento mantém o facto de um estudante não ter acesso à bolsa caso a sua família esteja endividada. Apesar de haver uma cláusula que retira as dividas à segurança social, mantendo apenas as das finanças, tudo não passa de uma manobra: no artigo 56º prevê-se a suspensão do pagamento de bolsa aos estudantes cujas famílias não cumpram os planos de regularização das dívidas à segurança social e às finanças. No fundo, vai dar tudo ao mesmo. Se um estudante se candidatar e a família tiver dívidas à segurança social, a bolsa é atribuída e o Estado faz um plano de pagamento da dívida. Se a família continuar endividada e não conseguir cumprir o plano, o estudante perde bolsa. Esta alteração é apenas marketing político.

Por outro lado, aumenta a exigência do aproveitamento escolar de 50 para 60 %. Advoga o governo e a direita que as bolsas de estudo têm de ser dadas em função do mérito. Nada mais absurdo: as bolsas têm de ser dadas em função de critérios de democracia no acesso. A política de propinas, os custos do ensino superior e a crise têm feito com que milhares de estudantes tenham de arranjar trabalho para continuarem a estudar. Naturalmente que a consequência tenderá a ser menor aproveitamento. O que o Estado está a dizer é que um estudante de uma família com dificuldade, que tem que trabalhar para pagar os custos da permanência no Ensino Superior e que faz metade das cadeiras em que está inscrito tem de perder bolsa. Porque não tem mérito, claro está.

Além disso, para que um estudante hoje possa ter bolsa tem de estar matriculado na universidade, sendo que para formalizar essa matrícula tem de pagar uma parte das propinas. Tem de pagar mesmo que só em Janeiro lhe atribuam o valor da bolsa.

Vivemos tempos negros no Ensino Superior em Portugal. Mas também são temos de escolha. De um lado toda a gente que acha que a Universidade é um direito e não um privilégio. Toda a gente que acha que o conhecimento não pode ser um negócio e que ninguém pode ser excluído do Ensino Superior. Do outro lado toda a gente que acha que as universidades devem ser escolas de elites, que insistem em aumentar as propinas de licenciatura e manter em valores absolutamente absurdos as propinas de mestrado. Aqueles que acham que a meritocracia se deve sobrepor à democracia dos serviços públicos.

De um lado a esquerda, do outro lado direita. Deste lado, não viramos a cara à luta.

Sobre o/a autor(a)

Sociólogo e investigador
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