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A oportunidade

Portugal é o país mais desigual no espaço da União Europeia. E o que a austeridade está a operar é uma radicalização dessa desigualdade.

Não restam dúvidas: a crise é uma oportunidade. Graças à crise, uma trabalhadora precária pode ser dispensada duma empresa onde não tem direito a férias para outra onde não tem licença de maternidade. Graças à crise, um bolseiro pode libertar-se de sonhos de estabilidade e fazer uma bolsa suceder a outra e a outra, ou pode mesmo sair da sua zona de conforto onde estava irresponsavelmente instalado e emigrar. Graças à crise, uma funcionária administrativa desempregada pode mudar de vida e tornar-se empregada doméstica ou cozinheira no centro de dia da Misericórdia.

Mas para outros a crise não é uma oportunidade virtual, está já a ser uma imperdível oportunidade. Veja-se o caso das empresas cotadas no PSI-20. Graças à crise, o ano de 2011 foi o ano com melhores resultados de sempre para a EDP, a Jerónimo Martins e a PT tiveram lucros de 340 milhões de euros (para a primeira, isto significou um aumento de 21% relativamente a 2010), a REN teve lucros de 120 milhões de euros (mais 9,5% do que o ano passado) e a Sonaecom teve um crescimento de lucros de 51,8%. Quem pode pois duvidar seriamente de que a crise é uma oportunidade?

Oportunidade, note-se, muito bem aproveitada pelos presidentes executivos da grande maioria dessas empresas. Em média, a oportunidade cifrou-se num aumento das suas remunerações pessoais - de que mais de um terço foram "prémios de gestão" - em 5,3% relativamente a 2010 e com seis casos de aumento remuneratório de dois dígitos percentuais. Prémios de gestão absolutamente justificados, aliás: graças à crise e à gestão que dela souberam fazer nas suas empresas estes bem-sucedidos executivos, os custos com pessoal foram reduzidos, em média, em 11%. Cá está, gestão estratégica e moderna é isto mesmo. Para que os prémios possam ter tido o aliciante valor que tiveram, houve que ser firme na redução dos salários dos trabalhadores e arrojado na contratação de outros com baixas remunerações. Exigência cumprida com pleno êxito. E assim se cria uma diferença altamente estimulante: em média, os presidentes executivos das empresas cotadas no PSI-20 passaram, em 2011, a ganhar mais 44 vezes do que os seus trabalhadores (a prova que souberam aproveitar a oportunidade que é a crise é que em 2010 essa diferença era apenas de 37 vezes).

Portugal é o país mais desigual no espaço da União Europeia. E o que a austeridade está a operar é uma radicalização dessa desigualdade. Sob a retórica descarada da distribuição dos sacrifícios por todos escancara-se uma realidade de polarização social cada vez maior, em que um empobrecimento geral contrasta com um enriquecimento obsceno de uns poucos. A sociedade portuguesa está mais igual no empobrecimento e profundamente mais desigual entre a grande maioria pobre e uma exígua elite rica.

E - nisto como em tanto mais - Portugal é a Grécia. A política de austeridade está a conseguir o seu intuito de destruir a classe média precarizando-a, proletarizando-a e empobrecendo-a. E esse vazio social suga a sociedade e a economia para um buraco negro. As patéticas acusações de irresponsabilidade política a uma Grécia cuja democracia decidiu punir eleitoralmente o centro político revelam a irresponsável ignorância de que essa é a resposta esperável a políticas que destroçaram a classe média e trouxeram o desespero à maioria da sociedade grega. Percebe-se o nervosismo desses acusadores. Eles sabem que Portugal está a trilhar esse caminho grego de empobrecimento e de polarização social, como os valores das remunerações de patrões e trabalhadores das empresas do PSI-20 demonstram inequivocamente. E temem que o eleitorado perceba que, numa sociedade assim, também para ele a crise é uma oportunidade. Para mudar.

Sobre o/a autor(a)

Professor Universitário. Dirigente do Bloco de Esquerda
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