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O que nos diz a Europa?

Até há uns tempos atrás afirmava-se que os povos europeus se tinham conformado ao papel de marioneta. Hoje, esse filme parece ter perdido o estatuto de blockbuster.

Uma grande parte dos cidadãos europeus está consciente que vive tempos históricos. Historicamente miseráveis. O desemprego não para de aumentar, a precariedade torna-se norma, a pobreza galopa e a imprevisibilidade é regra. Este cenário é tanto mais gravoso, quanto maior a distância do eixo do diretório.

O poder governativo europeu insiste em conduzir os destinos do velho continente, embriagado pela doutrina austeritária, com um fanatismo ideológico nunca visto, desde a massificação da democracia liberal como regime tipo. Para lá do retrocesso civilizacional não existe programa. Entretanto, o elefante vai crescendo no meio da sala, mas os demais e ilustres líderes europeus, da periferia ao centro, continuam a relevar-se campeões olímpicos do assobio ao lado. Tudo vai bem no Reino da Dinamarca.

Só um ingénuo poderia pedir um programa radicalmente diferente aos atuais atores governativos. Já que foram os maiores encenadores dos degradantes espetáculos socioeconómicos, que hoje nos querem a representar. Mas, podia-se pelo menos esperar que tivessem uma ligeira dúvida sobre uma cena ou outra. Que mudem o cenário e a peça toda, não se lhes pode pedir, não se ensaiam para isso, esse papel cabe a outros - a nós esquerda.

Agora, como qualquer programador cultural sabe, a repetição ad eternum da mesma peça, por mais espetacular que seja – que não é de todo o caso (!) - é a morte do artista. Afasta o público e arruína o Teatro.

Até há uns tempos atrás afirmava-se que os povos europeus se tinham conformado ao papel de marioneta. Apesar das espetaculares demonstrações de indignação, as tendências políticas aparentavam demonstrar uma tranquila resignação. Hoje, esse filme parece ter perdido o estatuto de blockbuster. Com contratempos diferentes, dirão, pois claro (!) apesar da globalização, nem tudo estreia no mesmo dia.

A Grécia vai a votos neste domingo, pela primeira vez na história helénica, o poder disputa-se entre os partidos centristas (PASOK e Nova Democracia) favoráveis a mais austeridade, e a esquerda anti-austeridade (SYRIZA, KKE e Esquerda Democrática). Independentemente do resultado, a erosão da tradicional arquitetura parlamentar é um dado certo.

A não existir uma maioria de esquerda, só um bloco central evitará a orfandade da troika. É de realçar que os profetas gregos de Merkel não se atreveram a fazer “campanha de rua”, dado já terem sido expurgados pela população na praça pública há muito. Por outro lado, é de prever que quem já foi sujeito a tanto, não tenha grandes pruridos em dar uma maior polivalência ao uso do seu calçado.

Com os seus particularismos, na Holanda1 e na Irlanda2, assiste-se a fenómenos semelhantes. Pela primeira vez duas forças de esquerda, avessas à austeridade, ocupam o segundo lugar nas intenções de voto. No primeiro caso, o governo viu o seu PEC chumbado e anunciaram-se eleições para Setembro. Num país de moinhos toda a gente se arrisca a ir ao ar. Do segundo, apesar do aparente da narrativa do tímido crescimento económico que as instâncias europeias têm procurado construir, os cidadãos irlandeses parecem estar noutra, com uma interpretação diferente – para variar – ao mesmo tempo que o Referendo ao Pacto Orçamental está longe de ser uma disputa de favas contadas.

Espanha, que tem sido o centro das atenções pelas relações afetivas pós-modernas do seu Rei, apesar da vitória da direita, viu a Izquierda Unida reforçar a sua posição no Parlamento e nas diversas eleições regionais, enquanto a forte resistência social tem sido um bom barómetro da popularidade das medidas do executivo de Mariano Rajoy.

E o que dizer da fantástica campanha de Jean Luc Melénchon e da Front de Gauche, que num imenso combate de massas conseguiu reunir a esquerda francesa e reprojetá-la para o centro das decisões e da discussão pública. Obtendo 11% numas eleições extremamente disputadas. Mesmo a previsível derrota de Sarkozy, sem qualquer ilusão nas intenções de Hollande, simboliza a crescente ânsia de mudança coletiva que se está a semear pela Europa.

Os povos europeus sempre tiveram excelentes maratonistas, mas para a corrida da austeridade, começam a demonstrar que têm perna curta. É isso que nos tem vindo dizer a Europa.


1 33 lugares em 150 VVD (Partido Liberal – actualmente no poder)
30 SP (Partido Socialista, não confundir com o social-democrata Labour Party)
24 PVDA(Partido do Trabalho, equivalente ao PS português)
19PVV (Partido da Liberdade, extrema-direita)
11 CDA (Partido Democrata-Cristão)
Fonte: http://www.chicagotribune.com/news/sns-rt-us-dutch-politics-opinionpollsbre83m0k5-20120423,0,4578256.story

2 Fine Gael 32% – 61,
Sinn Féin 19% – 30,
Labour Party 14% – 27,
Fianna Fáil 17% -24,
United Left Alliance 3% – 4,
OTH 15% -20.
Fonte: http://irishpollingreport.wordpress.com/2012/04/29/physically-compacted/)

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda. Sociólogo.
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