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Até sempre Amigo! Até Sempre Camarada!

Ė difícil continuar sem ti, Miguel, por isso, digo-te, para onde formos, para onde nos levarem os nossos sonhos, as nossas lutas e os nossos desafios, levamos-te connosco.

Querido Miguel

Tu és mesmo de gostar de jogar fora do baralho! Também foi fora do baralho que deixaste a vida, num dia 24 de Abril, véspera de um dia de celebração cujos contornos contribuístes para desenhar e fazer viver, como uma constante. Um dia de celebração ainda mais importante do que o foram outros, pois é uma celebração em tempos de Troika, onde a democracia foi posta entre parênteses e a linha de horizonte do 25 de Abril fica cada vez mais longe e necessita que corramos cada vez mais e mais depressa para a agarrar.

Sabes, gostaria de poder estar agora no teu velório e na tarde evocativa de amanhã, no Jardim de Inverno do Teatro S. Luíz, mas Paris fica, ainda assim, longe de Lisboa e é de Paris que te estou a escrever. Mas que diferença faz, dirias tu, que diferença faz, acabo por ceder eu, se, sendo português tu és do Mundo e, sendo do Mundo, tu és da Europa. E essa Europa e esse Mundo choram-te, chora Lisboa e chora Atenas, Bruxelas e Estrasburgo, Paris e Dublin, Moçambique e a Argentina... Chora-te o Mediterrâneo, “lugar onde a vida se fez tempo” e a Palestina cuja terra o Comité de Solidariedade com a Palestina gostaria de ter trazido para a tua despedida.

Choram-te aqueles que te conheceram e outros que, não te tendo conhecido pessoalmente, apreciavam a tua postura simples, jovial, honesta, a do homem com humanidade, a do eurodeputado capaz de propor a baixa das suas regalias e dos seus congéneres, mostrando de maneira eloquente que o exercício da política, longe de ter de ser um jogo pessoal e interesseiro, pode ser aquilo que sempre foi para ti: o exercício de uma atividade nobre, feita com espírito de missão (mas não de sacrifício) e com paixão.

Morreste demasiado cedo, e também aí continuaste a jogar fora do baralho. Que ideia foi essa, Miguel, de morrer aos 53 anos, num mês de Abril, a chamar por ti, a chamar por nós, poucos dias antes do 1° de Maio, dia do teu aniversário? Dum 1° de Maio, também a chamar por ti, também a chamar por nós, como todos os dias destes tempos que são tempo de resistência ? Claro que todos sabíamos que estavas doente e que era essa doença que,”quando se tem uma vez, tem-se sempre”, mas ninguém queria acreditar que fosse assim tão cedo, tão em Abril, tão fora do baralho...

Deixaste-nos deveras desamparados ao partir assim, e com um imenso legado a gerir: o de continuarmos, sem ti, o combate desta Esquerda transformadora, que também foi tua obra, esta Esquerda de convergências e confluências que, sendo humana, é feita de sonhos como tudo o que é humano: o sonho de um mundo melhor onde a riqueza produzida pelos homens possa ser equitativamente repartida entre eles, onde a solidariedade seja a regra e a preservação do planeta, a exigência. Uma Esquerda de Verdade, como tu eras, um Homem de Verdade.

Ė difícil continuar sem ti, Miguel, por isso, digo-te, para onde formos, para onde nos levarem os nossos sonhos, as nossas lutas e os nossos desafios, a nossa vontade de viver sem ser a prazo, o nosso desejo de Europa refundada, de terra, sol e mar não hipotecados, de Palestina livre e de Grécia não assassinada, de Portugal sem donos... para onde formos, levamos-te connosco e tu continuarás a guiar-nos, com a tua lucidez, a tua abertura, o teu jeito de fazer pontes, de unir...

Por isso, recuso-me a dizer-te adeus, Miguel. Mando-te um beijo, um imenso beijo e digo-te:

Até Sempre Amigo!

Até Sempre Camarada!

Paris, 28 de Abril de 2012

Sobre o/a autor(a)

Doutorada em Ciências de Gestão pela Universidade de Paris I – Sorbonne; ensinou Economia portuguesa na Universidade de Paris IV -Sorbonne e Economia e Gestão na Universidade de Paris III – Sorbonne Nouvelle
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