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Serviço Nacional de Saúde: Em Vias de Extinção?

O Ministério, ao contrário daquilo que seria avisado fazer, que seria ouvir opiniões das Comissões de saúde da mulher, da Criança, que conhecem bem a dinâmica da rede hospitalar, pretende agora, cedendo em toda a linha aos interesses das parcerias público-privadas e concretamente, neste momento, à gestão do hospital de Loures, encerrar a maternidade Alfredo da Costa. Artigo de Ana Campos.
Foto de Paulete Matos.

Este Ministério da Saúde iniciou funções com várias obrigações: reduzir em 600 milhões de euros o financiamento do SNS e reduzir em 100 milhões as despesas em receitas médicas e medicamentos. Necessidade de reestruturação da rede hospitalar e de Centros de Saúde, bem como modificar a rede de referenciação.

O Ministro, tido como perito em números, mas pouco informado em Saúde, tem cometido algumas gaffes neste campo: “Há 1000 médicos a mais…”, dizia recentemente. Manuel Teixeira corrigiu prontamente: “Há 1000 médicos em falta nos Centros de Saúde e faltam 600 médicos nos hospitais”. Afinal, em que ficamos?

No que se refere à Obstetrícia, Ginecologia e Neonatologia, importa conhecer que existem na Região da Grande Lisboa e Vale do Tejo 6 hospitais que são classificados como Centros de Apoio Perinatal Diferenciado, ou seja, têm valências de Obstetrícia, Ginecologia de diferenciação e têm serviços de Neonatologia, com Unidades de Cuidados Intensivos neonatais onde podem ser internados e tratados recém-nascidos com idades de gravidez inferiores a 35 semanas, portanto, prematuros. Esta distribuição hospitalar já existe há muito e sempre foi mantida, embora houvesse reconhecimento por parte do Ministério de que havia Unidades a mais, algumas com pouco movimento e com poucos médicos, que sobreviviam à custa de recurso a médicos tarefeiros, pagos a preço de ouro, ou a repetições de dias de urgências, com salários elevados, que não correspondiam à produção, já que em alguns hospitais o movimento era pouco. Mas quais deviam ser reagrupadas?

Os hospitais mencionados são: Hospital de Sta Maria, Maternidade Alfredo da Costa, Serviço de Obstetrícia e Ginecologia do Hospital D. Estefânia, Hospital de S. Francisco Xavier, Hospital Fernando da Fonseca e Hospital Garcia de Orta.

A rede de cuidados pré-natais desenvolvida a partir de final dos anos 80, constituída por uma ligação entre Centros de Saúde e o Hospital para onde enviam os casos na área da saúde da Mulher e da Criança, a partilha de protocolos apoiados pela Direção Geral de Saúde, o aparecimento e desenvolvimento do INEM para mães e recém-nascidos necessitados de cuidados diferenciados, a diferenciação dos profissionais nestas áreas, seja médicos, enfermeiros e técnicos especializados em Ginecologia, Obstetrícia e Neonatologia e a melhoria de meios de diagnóstico e terapêutica, permitiu que, em Portugal, os índices de qualidade em saúde na área materno-infantil, passassem em 30 anos a ser dos melhores da Europa e do Mundo. Hoje a taxa de mortalidade infantil é de 2.5/1000.

Simultaneamente, vimos assistindo em Portugal a uma redução da natalidade, que está actualmente em 1.37 filhos por mulher/casal e não parece haver grandes hipóteses de crescimento, sobretudo no momento económico que se vive.

Existe um número de especialistas em Obstetrícia e Ginecologia que está perigosamente a aproximar-se dos mínimos possíveis para funcionamento de todas estas Unidades, sabendo que algumas necessitam, para funcionamento das suas urgências, de recurso a médicos externos. A abertura de vagas de especialidade de Ginecologia e Obstetrícia nos últimos anos permitirá dentro de 4-5 anos um aumento do número de especialistas que possam substituir as falhas e os que entretanto atingem o limite da reforma.

Portanto, haveria que reestruturar os hospitais na área da grande Lisboa, tarefa que tem vindo a ser adiada pelas sucessivas equipas do Ministério da Saúde; havendo pressões enormes contra o encerramento de alguns hospitais ou, pelo menos, algumas urgências com pouco movimento. Então, a solução mais simples tem sido adiar.

Ao panorama dos hospitais públicos que tiveram, por dados de 2009, um número de partos (na área de Lisboa) de 13 113, deve acrescentar-se um outro fenómeno: o aparecimento na área de Lisboa de 5 hospitais privados com partos em ambiente hospitalar, com instalações melhores que os hospitais públicos, na sua grande maioria, 3 dos quais têm tido um movimento de partos próximos do dos públicos (CUF-2693 em 2011; Luz- 2051 em 2011; Lusíadas- 1570 em 2011) contando para este número a abertura dos mesmos a utentes da ADSE. O Estado paga pois, o crescimento destes hospitais, entregando-lhes uma fatia de utentes, tendo hospitais públicos para os atender. Mas igualmente importante é que o corpo clínico desses hospitais veio dos hospitais públicos, sem que o Estado tenha pensado em pedir um pagamento pela formação de profissionais. E por que vão os médicos para lá? Porque vão ganhar 2 a 3 vezes mais do que ganham nos hospitais públicos.

Mas a desarticulação da rede de cuidados nos hospitais públicos sofreu mais um revés com a criação de 3 hospitais de parceria público-privada: Cascais, Loures e Vila Franca de Xira (este a inaugurar no ano de 2013). Dois são para substituição de velhos hospitais do SNS e um é construído na área de Loures, onde não havia hospital. As administrações privadas convidaram médicos mais jovens ou experientes para o seu corpo clínico. Mais saídas dos hospitais do SNS, contribuindo para agravar o já periclitante equilíbrio de alguns.

A 1ª pergunta a fazer será então: precisávamos ou precisamos de mais hospitais dedicados á Obstetrícia, Ginecologia e Neonatologia em Lisboa? Não seria possível esperar uns anos até que o corpo clínico se reforce com médicos que estão actualmente em formação, como foi proposto por direções dos Colégios das Especialidades de Obstetrícia e Neonatologia? A resposta do Ministério foi dar luz verde a tudo o que os hospitais de gestão privada quiseram, exceto permitir partos com menos de 34 semanas. Para funcionarem estes, destruíram-se outros…

Perante a inevitável constatação de que existem hospitais a mais para as necessidades desta área, a resposta do Ministério, ao contrário daquilo que seria avisado fazer, que seria ouvir opiniões das Comissões de saúde da mulher, da Criança, que conhecem bem a dinâmica da rede hospitalar, pretende agora, cedendo em toda a linha aos interesses das parcerias público-privadas e concretamente, neste momento, à gestão do hospital de Loures, encerrar a maternidade Alfredo da Costa.

As justificações são as de que neste hospital se trabalha demais; é antigo e há dois outros em Lisboa com melhores instalações que têm poucos partos. Um é a 700 metros da Maternidade, nunca teve um movimento Obstétrico significativo, estava ao lado do Hospital pediátrico de D. Estefânia, tinha sido decidido o seu encerramento no Ministério da Drª Maria de Belém Roseira, mas no Ministério seguinte foi dado parecer positivo à sua reconstrução com investimentos elevados, sem qualquer plano de trabalho que permitisse a sua ocupação e rentabilização. O outro, o Hospital de S. Francisco xavier, com um movimento reduzido, equipa pouco motivada para projetos institucionais que justificassem um alargamento das suas instituições, teve obras de milhões de euros em 2004, sem que houvesse uma clara justificação.

Como estas instalações estão sem produtividade, a solução encontrada por este Ministério é então fechar a Maternidade Alfredo da Costa e dividir as equipas pelos outros dois. Isto quando a Maternidade acabava de ser integrada no Centro Hospitalar de Lisboa Central, num dessejo de há muito do agrado dos seus profissionais, que sempre procuraram em outras especialidades apoios para as situações que delas carenciavam; pensavam que ficava então resolvida esta lacuna que sentiam que iriam constituir parte do corpo clínico do futuro hospital oriental de Lisboa, mas estavam enganados.

A MAC é demasiado boa, tem diferenciação em demasia, tem equipas conhecidas demais, tem um trabalho na área da Saúde da Mulher e da criança que conquistou pelo reconhecimento dos seus profissionais, tem uma população que lhe é fiel e que outros hospitais pretendem, nomeadamente o de Loures, se a MAC fosse fechada. O Ministério não tem preocupações com o facto de a qualidade das equipas ficar comprometida com a sua divisão; numa cega proteção a outros interesses, incomoda-o que a MAC tenha movimento a mais. Auditar outros hospitais, saber por que razão têm menos movimento, se as instalações não utilizadas poderiam servir outros serviços do mesmo hospital, é coisa em que não terá pensado.

As limitações de conhecimentos deste Ministério, ou a preocupação por gastar menos na saúde das mulheres, vão ao ponto de dimensionar estes hospitais, apenas pensando no número de partos; tudo o mais que ali se faz em relação à Saúde da Mulher é do seu desconhecimento: prevenção da gravidez na adolescência, educação sexual nas escolas da zona, planeamento familiar nas mulheres com doenças graves, interrupções de gravidez, terapêuticas oncológicas, terapêuticas em ginecologia, não são contabilizadas para este efeito. A especialidade conjunta de Ginecologia e Obstetrícia, que existe desde os anos 70, para tratar a mulher em todas as fases da sua vida sexual e reprodutiva, está prestes a ser esquecida e o conceito demasiado frequente de “Saúde materno Infantil” substituindo o termo “Saúde Reprodutiva da Mulher e Saúde da Criança” significa que os Serviços de Ginecologia, para poupar, estão a ser associados, em alguns hospitais, aos serviços de cirurgia.

Estas medidas economicistas trarão por consequência, retrocessos em termos de cuidados de Saúde da Mulher e contra isso é bom que se fale.

(...)

Neste dossier:

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