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Sobre as esperanças e desgraças da esquerda

Em Itália, a Sinistra Ecologia e Liberta tem procurado a quadratura do circulo, isto é, a construção de um sujeito político com o Partido Democrático, força que dá a sua confiança ao governo imposto pelo FMI.

Rui Tavares tem vindo a dizer que há, na esquerda portuguesa, um espaço político que gostaria de ver ocupado. Além do um elogio da esperança para a nova esquerda europeia, representada por Mélanchon e pelo italiano Nichi Vendola, o artigo que Eurodeputado verde assina esta semana no Público parece antecipar uma tentativa de caminho nesse sentido, deixando antever uma espécie OPA a alguns sectores do PS e do Bloco.

A atualidade das eleições francesas dispensa que me detenha no caso francês. Mas deixem-me que vos fale um pouco sobre essa luz que vem de Itália e causa tanto entusiasmo a Tavares.

A carreira política de Vendola, iniciada ainda no PCI, entrou na ribalta quando este foi eleito, contra todas as expectativas, como governador da Puglia em 2006. O espanto do sucesso de um militante da Refundação Comunista naquela região de tradição conservadora do sul foi ampliado pelo facto de este ser homossexual assumido e católico praticante.

A sua estratégia de convergência ao centro foi derrotada no congresso da Refundação que se seguiu ao desastre eleitoral de 2008, desastre que, é bom recordar, foi precipitado por uma errada e errante estratégia de aproximação com o centro esquerda no governo Prodi (que também tinha sectores liberais e de direita), que implicou o apoio a desastrosas revisões do código do trabalho ou à guerra no Afeganistão.

A sua saída da Refundação e a reeleição, já como presidente da SEL - Sinistra Ecologia e Liberta, resultado da junção de sectores da Refundação, sectores dos Democratas de Esquerda, Ecologistas e independentes - e à frente de uma coligação alargada, confirmaram-no como caso de sucesso mediático, sendo Vendola apontado como uma das figuras para encabeçar uma futura coligação de governo.

Apesar do seu discurso radical pelos bens comuns e serviços públicos, pelas liberdades e participação, por uma resposta cidadão de esquerda, a SEL têm procurado a quadratura do circulo, isto é, a construção de um sujeito político com o Partido Democrático, força auto apelidada de centrista, criada na seio da maioria que apoiou o governo Prodi e que, enquanto maior partido da oposição, dá a sua confiança ao governo imposto pelo FMI ou propõem e aprova mudanças ao código do trabalho que, como cá, atacam fundo nos direitos conquistados por gerações e gerações de trabalhadores e trabalhadoras.

Não haja dúvida de que a SEL tem um programa interessante e sedutor, que se situa anos-luz à esquerda daqueles que elegeu como principais interlocutores no que toca aos assuntos da governação. Mas a tolerância com as contradições e hesitações do Partido Democrático começa a ser problemática ao ponto de, recentemente, suscitar a crítica pública de Fausto Bertinoti, o popular ex dirigente da Refundação que se havia retirado da vida política e de cuja linha Vendola é considerado herdeiro.

Não bastasse isto, há também um conjunto de contradições que minam a esperança depositada na SEL e no seu presidente. São disto exemplo o apoio a esquemas de privatização parcial da água em Turim ou a manutenção de taxas elevadas para gerar lucros para pagar uma divida odiosa (aconteceu na Puglia), indo contra as posições que defenderam no referendo da água de 2011, ou, apesar das críticas da SEL e do pacifista Vendola à guerra e a alguns episódios de repressão do estado de Israel, a recente reunião do governador Vendola com o embaixador daquele país para estreitar relações culturais e económicas com a região sem nada lhe dizer sobre o assunto da Palestina…

Diga-se ainda que o sucesso eleitoral da SEL nas regionais é relativo (melhor resultado foi de 9,74%), devendo-se mais à popularidade de Vendola, e, sobretudo, às coligações com partidos de ideias que a própria SEL diz combater. Como no sistema italiano a presença em coligações não dispensa os partidos de ir a votos, reduzindo apenas a barreira percentual mínima a atingir para ter direito a eleger representantes, Vendola só foi eleito governador da Puglia porque havia ganho as primárias da coligação que o suporta.

No fundo, como tantos e tantas, Vendola parece estar convencido de que é possível dominar ou amansar parceiros de governo que, além da força eleitoral, são comandados pelos interesses antagónicos dos que movem uma esquerda que procura uma alternativa ao capitalismo. Essa sim, é a verdadeira desgraça da Esquerda, vejamos quem resiste à tentação.

Sobre o/a autor(a)

Enfermeiro, doutorando em Saúde Internacional no IHMT/NOVA. Deputado municipal em Sintra, eleito pelo Bloco de Esquerda
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