You are here

Trabalhadores a falsos recibos verdes continuam reféns

O Orçamento Retificativo apresentado pelo Governo altera o Código Contributivo para os trabalhadores a falsos recibos verdes, mas tudo não passa de paliativos e a injustiça permanece intacta.
O que está neste Orçamento Retificativo sobre proteção no desemprego dos trabalhadores independentes não é mais do que insulto. Foto de Paulete Matos

As alterações ao Código Contributivo previstas no Orçamento Retificativo que será amanhã votado na Assembleia da República contêm algumas medidas de simples bom senso como o cruzamento automático do IRS para fins da declaração dos vários serviços prestados, mas as iniquidades essenciais do Código Contributivo mantêm-se, penalizando muito os trabalhadores a falsos recibos verdes.

A base de incidência contributiva, ou seja, o valor que conta para se encontrar o escalão de contribuição em que cada trabalhador independente se insere, era calculada relativamente ao ano anterior. Assim, se um trabalhador a recibos verdes tivesse um ano muito bom seguido de um ano com pouca faturação teria de pagar uma contribuição muito elevada. Agora, com as alterações previstas no Orçamento Retificativo, os trabalhadores independentes que tenham uma quebra acentuada nos seus rendimentos podem, se a quebra for continuada durante três meses, requerer uma reavaliação da prestação à Segurança Social. No entanto, a maioria das pessoas que trabalham a falso recibo verde já se encontram no primeiro escalão de contribuições, não existindo, por isso, qualquer reavaliação possível, porque já se encontram no escalão de contribuição mais baixo.

Mas o cálculo da base de incidência contributiva continua injusto, pois as pessoas deveriam pagar em cada mês apenas o correspondente ao que tinham ganho nesse mês. Esta seria uma alteração de simples justiça que o Bloco de Esquerda sempre exigiu e que Pedro Mota Soares não aceita.

Sobre o subsídio de desemprego para os trabalhadores a falsos recibos verdes já percebemos que o ministro abandonou a linha da propaganda que vinha a utilizar há 10 meses, publicando o Decreto-Lei sem a habitual pompa e circunstância.

Na verdade todos os trabalhadores a falsos recibos verdes sabem que a lei é iníqua e discriminatória, e que muito poucos poderão usufruir desta “prestação social”, muito embora todos para ela contribuam. Os trabalhadores independentes, precários por definição, são então obrigados a descontar durante 2 anos para poderem aceder ao subsídio de desemprego (nos trabalhadores dependentes o prazo é de 1 ano); depois, a fórmula de cálculo do valor do subsídio é mais penalizadora do que a dos trabalhadores por conta de outrem porque tem em conta o escalão contributivo e não os rendimentos da pessoa que, em regra, são maiores; e, finalmente, se os patrões não fizerem o desconto de 5% adicional o trabalhador a falsos recibos verdes não tem direito a nada.

Aliás, sobre estes 5% adicionais há muito a dizer. O Governo Sócrates introduziu uma “penalização “ de 5% de contribuição adicional para a Segurança Social paga pelas “entidades contratantes”, definidas como as empresas que são responsáveis por mais de 80% da “faturação” de um trabalhador independente, para, supostamente, desincentivar o uso de falsos recibos verdes.

A medida, que só se fez sentir em fevereiro de 2012, falhou, porque as empresas continuaram a usar os falsos recibos verdes e agora estão a obrigar os próprios trabalhadores a pagarem sozinhos esses 5% adicionais ou a assinarem documentos onde o trabalhador declara que aquela empresa não é responsável por mais de 80% do total de ganho daquele trabalhador.

De novo, os trabalhadores a falso recibo verde veem-se de novo prisioneiros e ainda pagam mais para a Segurança Social para uma prestação social a que não conseguirão aceder. Como diria Paulo Portas há 2 anos: “É um confisco!”. Mas agora, com o seu delfim na pasta da Segurança Social, o líder do PP está bem caladinho enquanto os trabalhadores independentes são roubados, de novo e mais uma vez, pelos seus patrões.

Com tudo isto, um trabalhador independente que já pagava sozinho uma das mais altas taxas contributivas vê-se agora obrigado a somar 5% ao que tem de pagar, totalizando os 34,6% do seu rendimento. Os trabalhadores por conta de outrem pagam 11% para a Segurança Social e os seus patrões 23,75%, e têm direito a proteção social no desemprego, na paternidade, na doença e na velhice.

No entanto, o mesmo não acontece às pessoas que estão numa condição de especial fragilidade laboral e que têm enormes dificuldades em fazer face aos patrões sem escrúpulos que os forçam a aceitar os falsos recibos verdes. Para estas o Ministro Pedro Mota Soares esforça-se muito para inventar exceções que lhes negam o seu direito a um contrato de trabalho, oferecendo-lhes, em troca, simulacros de proteção social.

O que está plasmado neste Orçamento Retificativo e no recém-publicado Decreto-lei sobre proteção no desemprego dos trabalhadores independentes não é mais do que insulto e um paliativo a quem vê, diariamente, os seus direitos negados.

Sobre o/a autor(a)

Engenheiro e mestre em políticas públicas. Dirigente do Bloco.
Termos relacionados Política
(...)