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"Não pode ser a polícia a decidir de que ângulo é que o jornalista vai filmar"

A carga policial na greve geral em Lisboa feriu manifestantes e jornalistas. Diana Andringa diz que os jornalistas não podem andar identificados como no tempo da ditadura e que a única forma de prevenir a violência é ensinarem na academia de polícia que "os manifestantes não são alvos a abater".
Diana Andringa critica violência policial e não aceita restrições ao trabalho dos jornalistas.

A PSP quer passar a ter os jornalistas atrás da polícia e visivelmente identificados nas manifestações. O que achas desta proposta?

Acho que a proposta da polícia tem que ser rejeitada por duas razões. Uma delas é a história do grande colete identificador. Pode não ser um colete, antigamente os jornalistas tinham um crachá identificativo. Acabámos com o crachá no pós 25 de abril porque lembrava coisas tristes, como a PIDE, por exemplo.

Todas as formas de identificação podem ser copiadas, pode sempre haver gente que não é jornalista e que usa um colete ou um um crachá ou qualquer coisa a imitar os jornalistas. Por outro lado, em caso de forças que queiram proibir as filmagens - isto pode acontecer tanto do lado dos manifestantes que não queiram ser filmados quer do lado da polícia que não queira ser filmada a fazer atos de violência - os jornalistas são mais agredidos ainda se estiverem identificados.

Eles têm de andar identificados sempre com a sua carteira profissional. Agora, tem de se dar tempo para que eles puxem da carteira profissional, não é desatar a bater quando eles levam a mão para puxar a carteira profissional. Essa questão da identificação é simples: há uma identificação, chama-se carteira profissional, deve ser dado tempo ao jornalista para a exibir. E não se deve bater em ninguém daquela forma, seja jornalista ou não.

A outra questão que me parece mais grave ainda é a de querer colocar os jornalistas sempre do lado da barreira policial. Porque o ângulo de filmagem, tal como o ângulo com que se escreve uma notícia, é uma questão editorial. E uma questão editorial só pode depender do jornalista e da sua hierarquia jornalística. Não pode ser a polícia a decidir de que ângulo é que o jornalista vai filmar. Além de que obviamente, se estiver a filmar do lado da polícia nunca vai apanhar a violência policial.

O papel dos jornalistas é vigiarem o cumprimento da democracia, em Portugal ou em qualquer país. Devemos ser os guardas da forma como atuam os vigilantes e as forças públicas. E portanto um jornalista tem que se poder mover, tem que poder chegar ao pé de um manifestante, tem que estar do lado do manifestante, tem que estar do lado do polícia. Esta ideia de o querer acantonar no lado da polícia é obviamente uma forma de o privar de liberdade editorial e eu penso que isso só pode ser rejeitado. Pelo que tenho visto, desde os diretores dos jornais aos do sindicato, toda a gente se está a manifestar contra isso.

Muita gente acha que a condenação generalizada à repressão de 22/3 só existe porque houve jornalistas feridos. Se fossem só manifestantes, seria o mesmo?

Não digo que não possa haver uma reação corporativa. Se ferirem um amigo teu, reages de maneira diferente do que ferirem um desconhecido, por muito que te indignes com isso. Mas não penso que os jornalistas se sintam pessoas mais importantes que outras e qualquer violência policial contra qualquer cidadão é tão criticável como contra um cidadão que por acaso é jornalista.

Mas há uma distinção: é que quando se agride um jornalista, não se está a agredir só aquele jornalista concreto. Está a pôr-se em causa a liberdade de informação. E a liberdade de informação é aquilo que te permite a ti e a todo o povo ser informado. E nesse aspeto, o jornalista ali ao leme é mais do que ele. Ele é o símbolo do direito do povo a ser informado. E no momento em que é atacado, é esse direito que está a ser atacado E por isso há uma reação tão violenta quando é um jornalista que é ferido ou morto ou preso. Há sempre uma reação maior por isto: somos nós todos que por intermédio daquele jornalista estamos a ser atacados.

Que conselho darias a um jovem jornalista enviado à próxima manifestação com forte presença policial?

Como sempre, que atue de acordo com as regras profissionais, que atue o melhor possível, que tente cobrir o mais possível, que não se esqueça que deve cobrir todos os ângulos que interessam à reportagem, mas que não confie em absoluto que ser jornalista o protege dos ataques. Já agora, se puderem ter a carteira profissional no bolso mais à mão é capaz de não ser mal pensado… mas não creio que haja outra coisa que continuar a fazer o seu trabalho.

Há uma série de jornalistas que morrem no mundo, e porquê? Porque quando um jornalista está em trabalho até se esquece que há balas à volta dele. A pessoa está a fazer o seu trabalho, está concentrada naquilo. Por outro lado, acontece muito aos jornalistas uma coisa, que é a noção "eu não sou um beligerante". E acho que podemos usar neste caso o termo "beligerante" porque aquilo parecia uma guerra…. Eu não sou um beligerante, estou aqui a testemunhar, porque é que alguém vai atacar a testemunha? Ora a questão é essa: é que há muita gente e muitas forças que atacam a testemunha precisamente porque não querem que os seus atos sejam testemunhados.

Tinha sido tudo muito mais simples e não houvesse provas de que a polícia tinha atuado com violência desproporcionada. Mas felizmente hoje em dia isso é fácil de demonstrar porque não só os jornalistas estão no terreno e há liberdade de expressão, como também já toda a gente tem um telemóvel ou uma câmarazinha com que consegue filmar estas coisas. Vai ser muito difícil a partir de agora calar este tipo de violência. Penso mesmo que a única forma de a calar é ensinar nas academias de polícia que não se deve usar força desproporcionada, os manifestantes não são um alvo a abater, são pessoas que estão a usar os seus direitos constitucionais.

ESQUERDA.NET | Entrevista | Diana Andringa | Jornalistas e violência policial

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