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A vingança de Rupert Murdoch

O tesoureiro do Partido Conservador foi apanhado a prometer facilidades e um jantar com o primeiro-ministro inglês a dois empresários, a troco de 250 mil libras. Mas os empresários eram na verdade repórteres do Sunday Times, um jornal de Rupert Murdoch. Artigo de Marcelo Justo, da Carta Maior.
Jantar com David Cameron numa das suas residências pode custar até 300 mil euros, mas em troca prometem-se facilidades para os negócios... Foto yahoo politics/Flickr

O novo escândalo da política britânica – troca de doações por favores – tem o aspecto de uma vingança de velhos aliados traídos. Na sua conta no Twitter, o magnata mediático da News International, Rupert Murdoch, exigiu uma investigação independente do governo e do Partido Conservador “com claras consequências para reestabelecer a confiança”.

Não se trata de uma mensagem oportunista para vingar-se da Comissão Levenson instituída pela coligação conservadora-liberal democrata para investigar as relações do grupo Murdoch, o mundo mediático e a política. A gravação com uma câmara oculta do agora ex-tesoureiro do Partido Conservador, Peter Cruddas, na qual ele oferecia facilidades de acesso ao primeiro ministro e influência sobre a política governamental em troca de financiamento partidário, esteve a cargo de dois repórteres do Sunday Times, de propriedade do magnata australiano. Se o primeiro ministro David Cameron se distanciou do grupo Murdoch quando o escândalo das escutas telefônicas do News of the World ficou quente demais, agora Murdoch devolve gentilezas.

Com este panorama de fundo, o primeiro ministro passou a manhã de segunda-feira decidindo o que fazer. Os trabalhistas exigiram a divulgação da lista de doadores que visitaram Downing Street (a residência oficial do primeiro ministro) desde que a coligação conservadora-liberal democrata chegou ao governo em maio de 2010. Num primeiro momento, o gabinete do primeiro ministro reconheceu que havia doadores entre as pessoas que haviam visitado a residência oficial do mandatário, mas observou que seus nomes não seriam publicados porque se tratava de “um assunto privado”. Até ao meio dia o rumo do filme mudou.

O primeiro ministro David Cameron aproveitou a sua participação num ato na Sociedade de Alzheimer do Reino Unido para anunciar que divulgaria o nome de todos os doadores que jantaram em Downing Street. “Nos dois anos de primeiro ministro houve três oportunidades nas quais doadores jantaram comigo. Além disso, houve um jantar logo após as eleições. Nenhum destes jantares foi para obter doações, nem foram pagas com dinheiro do contribuinte. Hoje publicaremos seus detalhes”, disse o primeiro ministro.

A publicação da lista, à primeira vista, não trouxe grandes surpresas. Entre os visitantes aparecem o empresário David Rowland, que doou mais de 4 milhões de libras desde 2009, um empresário do setor petrolífero, Ian Taylor, um banqueiro, Henry Angest, ambos acompanhados por suas esposas. No jantar de celebração da vitória eleitoral, encontravam-se, entre outros, Lord Sainsbury, dono da cadeia de supermercados Sainsbury, e Murdoch Maclennan, executivo da empresa que edita o matutino conservador, Daily Telegraph.

Um olhar mais detido à lista de doadores do Partido Conservador traz um achado. O maior doador de 2011 não é outro do que Peter Cruddas, o ex-tesoureiro do partido que ofereceu aos supostos executivos de um suposto fundo de investimento com sede no paraíso fiscal de Litchenstein, “acesso ao primeiro ministro e ao seu ministro de Finanças”, se, em troca, doassem 250 mil libras ao partido. O seu caráter de principal doador dimensiona ainda mais a oferta que fazia aos supostos investidores: falava por experiência própria? Mas, além disso, revelou-se ontem que os conservadores receberam 250 mil libras de 76 doadores desde que David Cameron assumiu a liderança partidária em 2005.

Na Sociedade de Alzheimer, Cameron tentou recuperar a iniciativa oferecendo a todos os partidos um acordo imediato para proibir as doações superiores a 50 mil libras. A oferta continha uma armadilha para a oposição trabalhista. “Essa medida deve valer não só para os doadores individuais, mas também para os sindicatos”, assinalou o primeiro ministro. Os sindicatos representam mais de 91% do financiamento dos trabalhistas, ainda que, em nível individual, a máxima doação, no início de 2011, tinha sido uma de 10 mil libras feita ao partido pelo ex-chefe de imprensa de Tony Blair, Alistair Campbell.

No momento, a lupa está na relação do Partido Conservador com o mundo do dinheiro. A tormenta pelo orçamento anunciado na quarta-feira passada, que incluía uma redução do imposto para os mais ricos e uma redução de benefícios para os aposentados, foi um duro golpe para a coligação que insistiu em que “todos estamos no mesmo barco nestes tempos de austeridade”. Na Câmara dos Comuns, o líder do trabalhismo, Ed Milliband, assinalou que o próprio ex-tesoureiro reconheceu que os doadores “teriam uma oportunidade de perguntar qual seria nossa política sobre a redução de impostos para os mais ricos”. Raposa velha, Rupert Murdoch apontou nesta mesma direção. O editorial de um de seus jornais, The Sun, diz abertamente que “milhões de pessoas perguntaram-se se Osborne baixou o limite tributário de 50 pence por libra depois de alguns almoços com doadores milionários”.

A dois meses das eleições de 2010, em fevereiro daquele ano, David Cameron denunciou o lóbi político – uma política que investe cerca de dois bilhões de libras anuais – e comprometeu-se a combater o problema. Estas palavras podem se converter agora num bumerangue. O problema não é só de percepção pública. A polícia analisa o caso para determinar se inicia ou não uma investigação do Partido Conservador para saber se violou a lei. A lei estipula que as companhias estrangeiras não podem fazer doações aos partidos.

Na gravação com a câmara oculta, o ex-tesoureiro – que fez sua fortuna em uma empresa de apostas – disse aos supostos investidores de Liechtenstein que podia encobrir a origem da doação canalizando-a para alguma empresa britânica. Segundo o Sunday Times, não seria a primeira vez que o partido apelaria a esta engenharia para burlar a lei. A vingança (de Rupert Murdoch) é um prato que se serve frio.
 


Tradução: Katarina Peixoto. Publicado na Carta Maior.

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