You are here

Nos bastidores do processo contra a Wikileaks

Nesta entrevista, Michael Ratner, advogado da Wikileaks nos EUA, estabelece os nexos entre a acusação a Bradley Manning e a batalha jurídica contra a extradição de Julian Assange. Entrevista a Paul Jay, The Real News Network, publicada em Outras Palavras
Michael Ratner: Na Suécia, o governo é muito mais cooperativo com os norte-americanos do que muita gente pensa.

Um dos episódios que marcaram o cenário internacional nos últimos dois anos pode estar a chegar a um ponto crucial – e perigoso. Acossado desde abril de 2010 pela fuga, via Wikileaks, de documentos secretos que comprovam atividades criminosas ou armações diplomáticas constrangedoras, o governo dos Estados Unidos está a agir para dar o troco. O seu objetivo é silenciar o site que fez as revelações, prendendo o jornalista que o anima: Julian Assange.

Os dois movimentos mais recentes desta trama ocorreram nas últimas semanas. Em 22 de fevereiro, o soldado norte-americano Bradley Manning, detido desde maio de 2010, foi acusado, nos EUA, por “ajuda ao inimigo” e 21 outros supostos crimes. É acusado de ter sido a principal fonte da Wikileaks. Pode ser condenado, por um tribunal marcial, a prisão perpétua… mais 150 anos. Desde que o prenderam, submeteram-no ao que um relator da ONU para Direitos Humanos chamou de “tratamento cruel, desumano e degradante”. É provável que as condições extremas que lhe são infligidas visem obter algo muito específico.

Em Londres, trava-se outra batalha jurídica. O Supremo Tribunal do Reino Unido deve decidir, nos próximos dias, se autoriza a extradição de Julian Assange para a Suécia – onde é acusado de violação, ao que tudo indica sem fundamento. A decisão atual, emitida em novembro do ano passado, é desfavorável ao jornalista. Se confirmada, é provável que ele permaneça em solo sueco por pouco tempo. Estocolmo e Washington mantêm um acordo mútuo de extradição de amplo âmbito, o que facilitaria muito a transferência para território norte-americano da principal referência da Wikileaks.

Na entrevista a seguir, concedida à rede alternativa de TV The Real News Network, Michael Ratner, advogado da Wikileaks nos EUA, estabelece os nexos entre os dois factos. Ele conta que em Alexandria, estado da Virgínia, já há um júri formado para julgar Assange. Considera que as torturas e ameaças impostas a Manning podem significar uma tentativa de induzi-lo a incriminar o seu suposto parceiro nas ações de “ajuda ao inimigo”. O grande objetivo seria silenciar o site que promoveu a fuga de segredos militares e diplomáticos, submetendo o seu criador a um castigo simbólico.

Ratner oferece dados expressivos sobre as situações a que Manning foi submetido – tanto após a sua prisão quanto antes, enquanto soldado gay e fisicamente desprotegido, no exército. As revelações convidam a pensar sobre o próprio papel dos Estados Unidos. No pós-II Guerra, o país articulou com êxito a defesa da democracia e das liberdades civis, manejando-as como escudos contra o avanço da União Soviética. A partir dos anos 1970, apresentou-se como polo da diversidade e da tolerância, num mundo que buscava alternativas à uniformidade e aos padrões rígidos da era industrial. Que trágica decadência os terá levado a abrir mão de duas bandeiras tão sensibilizadoras, pela defesa dos seus interesses mais imediatos? E quem poderá assumir, agora, a defesa dos valores abandonados?

Michael Ratner é presidente emérito do Centro pelos Direitos Constitucionais (CCR, em inglês) em Nova York e presidente do Centro Europeu pelos Direitos Constitucionais e Humanos em Berlim. Atualmente, trabalha como conselheiro para questões legais nos EUA, contratado pela Wikileaks e Julian Assange. Ratner foi, junto com o CCR, o primeiro a denunciar a ilegalidade da detenção de suspeitos na prisão de Guantánamo e continua a trabalhar pelo encerramento daquela prisão. Foi professor da Faculdade de Direito de Yale e da Faculdade de Direito de Columbia, e presidente da Associação Nacional de Advogados. É autor de vários livros, dentre os quais Hell No: Your Right to Dissent in the Twenty-First Century America [Proibido! O direito de discordar, nos EUA do século 21] e Who Killed Che? How the CIA Got Away With Murder [Quem matou Che? Como a CIA escapou de responder por aquele crime]. As opiniões de Ratner nesta entrevista são pessoais, e não envolvem as organizações das quais participa. O seu entrevistador, Paul Jay, é editor sénior de The Real News Network, uma TV alternativa canadiana-norte-americana, que transmite por internet programação ligada às lutas por outros mundos possíveis. Vale a pena conhecê-la. (A.M.)

É um dos advogados de Julian Assange e da WikiLeaks e acompanhou a sessão do tribunal militar que está a julgar Bradley Manning. O que aconteceu lá?

Michael Ratner: Bem, como você e os seus telespectadores certamente sabem, Bradley Manning é acusado de ser a fonte de grande parte do material que a WikiLeaks publicou: o vídeo “Assassinato Colateral”, em que se assiste aos assassinatos frio cometidos no Iraque, os tiros partidos de um helicóptero norte-americano; e as centenas de milhares de documentos de guerra sobre o Afeganistão e também sobre o Iraque; e 250 mil dos chamados “telegramas diplomáticos”. E é acusado de ter feito tudo isso aos 22 anos, servindo o exército. Está agora com 24 anos. Foi tratado com extrema violência, torturado durante longo tempo. E agora está a ser mandado para um tribunal marcial – em que militares julgam militares. Pesam contra ele 22 acusações, inclusive – e a mais grave de todas – ter cooperado com o inimigo, crime punível com pena de morte. Quanto a isso, os procuradores disseram que não pedirão a pena capital; que querem julgá-lo e condená-lo à prisão perpétua.

Na sessão mais recente deste processo, Manning foi levado ante o juiz, para que se declarasse culpado ou inocente, ou pedisse uma prorrogação. Assisti a essa sessão. Foi rápida, cerca de uma hora, em Fort Meade, perto de Baltimore, a uma hora de distância, mais ou menos, do centro da cidade. É uma base militar imensa. Ninguém entra. O meu carro foi revistado. Exigem que exiba seguro do carro, vários documentos. Se se passa por essa inspeção, entra-se numa fila.

Não se pode levar nenhum tipo de objeto para dentro da sala do tribunal, só papel e lápis. Não se pode usar nenhum tipo de telefone, transmissor, computador, nada. E lá fiquei, naquela sala limpa como um quarto de hospital. Havia dez presentes, a maioria da imprensa. Bradley Manning entrou. É baixo, menos de 1,60m, magro, em uniforme de soldado. Estava ao lado de seu advogado civil (que já foi advogado militar). Sentou-se junto à mesa. E continuava uma sensação estranha, naquele tribunal antisséptica.

Ali estava aquele homem, acusado de ter revelado quantidades enormes de crimes de guerra cometidos, segundo se sabe, pelos EUA. Eu sentia que ali deveriam estar sentadas as vítimas do que os EUA fizeram no Iraque e no Afeganistão. Mas é claro que não estavam. Ali viam-se, como acusadores, os militares com mais medalhas e condecorações que eu jamais vira numa mesma sala. E o acusado, claro. Acusado de crimes muito, muito sérios.

O juiz é novo, recentemente indicado, e Bradley Manning foi chamado para responder perguntas. A única coisa que se ouviu dele naquela sala foi “sim, meritíssimo”; e “não, meritíssimo”. O advogado falou por ele; pediu uma prorrogação. E marcaram a data para a próxima audiência, que será em março.

Quanto à data do julgamento – os militares querem que seja em agosto. Bradley Manning terá permanecido preso, até lá, mais de 800 dias. Durante esse tempo, foi submetido a tratamento que muitos de nós entendemos que seja tortura: foi mantido completamente nu, numa cela solitária, durante nove meses, até que, afinal, muita gente pôs-se a protestar pelo mundo, e ele foi transferido para a prisão de Fort Leavenworth, no estado do Kansas.

Quanto às 22 acusações, como já disse, são pesadíssimas. Na última audiência, o seu advogado, David Coombs, disse que Manning está a ser acusado de tantos crimes exclusivamente porque as autoridades norte-americanas acreditam que ele tenha repassado os documentos aa Wikileaks e supõem que ele conheça algum segredo sobre a Wikileaks e Julian Assange. Querem que Manning conte tudo o que supõem que saiba; não apenas que confesse que passou os arquivos a Assange, mas que diga algo que realmente implique Julian Assange e a Wikileaks.

A ideia geral é que, se houve uma fuga de informação, Manning é responsável; mas ele pode ter apenas passado adiante o material que reuniu. Porém, se Assange o instruiu antes, se lhe disse o que fazer ou como fazer, nesse caso seria possível acusar Assange de envolvimento nos mesmos crimes de que acusam Manning. É isso?

É exatamente isso. Os juízes militares querem provar que Julian Assange participou da conspiração ou que, no mínimo, convenceu e ajudou Bradley Manning a pôr as mãos naqueles documentos. Querem construir um cenário em que Manning e Assange teriam trabalhado juntos desde o começo. Mas Assange não recebeu os documentos apenas de Bradley – e nem sabia de sua existência antes de tê-los visto.

Os EUA estão à procura de qualquer vestígio, por menor que seja, porque os juízes e advogados que estão a trabalhar para acusar Manning já sabem que têm um problema. Se não conseguirem envolver Julian Assange e a Wikileaks num caso de conspiração, nada têm para construir uma acusação formal contra Assange. Qual seria a diferença entre Julian Assange e um jornalista; ou entre a Wikileaks e o jornal The New York Times? Todos os dias abrimos o jornal e lemos páginas e páginas de material sigiloso que passou para a imprensa. Mas os EUA precisam manter preso Bradley Manning pelo maior tempo possível, na esperança de que, seja como for, consigam implicá-lo nos crimes de que acusam Bradley Manning.

Foi exatamente o que disse o próprio advogado de Bradley Manning. Por isso é que Manning está a ser tratado de modo tão violento. Sim, ele fez download de todos aqueles documentos. E o governo quer puni-lo pelo que fez, quando ainda era soldado. Mas os peixes grandes que o governo dos EUA quer enredar nesse caso são a Wikileaks e Julian Assange.

A imprensa tem discutido a estratégia da defesa. Parece, em primeiro lugar, que Manning estava em estado mental e psicológico tão precário que jamais poderia ter tido acesso a tantos segredos. Ninguém parece interessado em afirmar que se um soldado encontra provas de que se cometeram crimes de guerra, é seu direito e até dever expor o que sabe. A defesa não parece interessada em explorar esse caminho. Estão a dizer apenas que há algum problema, alguma fragilidade psicológica, em Bradley, e que ele deve ser absolvido por causa disso.

Na audiência da semana passada, havia cerca de dez pessoas, entre as quais um homem que esteve preso com o Padre Berrigan1, nos anos 1970. Imagine só: acho que foi dos primeiros feridos nas manifestações populares daquele tempo. Foi preso e depois acabou por ser posto em liberdade. É do tipo que resiste, dos que nunca desistem, aqueles indestrutíveis militantes pacifistas da resistência contra a guerra. Estava lá, no julgamento de Manning. Ao final da audiência, aquele homem gritou: “E não é dever de todos os soldados denunciar crimes de guerra?!”

Acho que a questão é exatamente essa. É obrigação dos soldados revelar crimes de guerra que presenciem. Isso, em minha opinião, é exatamente o que Bradley Manning fez. Por isso, todos os que cremos que os EUA cometeram inúmeros crimes de guerra, pelos quais tentam não ser responsabilizados, vemos com tanta simpatia a causa de Manning. Assumindo-se que Manning tenha feito o que é acusado de ter feito, ele desempenhou papel muito importante, ao trazer todos aqueles crimes ao conhecimento da população dos EUA.

Mas, como você disse, a defesa parece trabalhar numa via diferente dessa. A defesa de Manning, pelo menos na audiência preliminar, para estabelecer se há provas suficientes para acusar e julgar alguém, optou por uma espécie de defesa psicológica, “em dois tempos”.

Começaram por argumentar que, afinal de contas, havia 3,5 milhões de pessoas, todas com o mesmo nível de acesso a documentos secretos que Bradley Manning também tinha. Foram autorizadas pelos serviços militares e de segurança dos EUA a ver aqueles documentos. O que o governo esperava? Que ninguém, daquelas 3,5 milhões de pessoas, jamais revelasse coisa alguma?

Só para explicar aos que nos ouvem: Bradley Manning tinha o mesmo tipo/nível de acesso a documentos secretos que outros 3,5 milhões de militares e agentes de segurança. A loucura inicial, portanto, parece ser que tantos documentos, hoje apresentados como tão sensíveis, tenham sido expostos a essa verdadeira multidão.

Exatamente. Aqueles documentos eram de nível “secreto” ou inferior. Nada havia, no material divulgado, que fosse top secret. Nos telegramas diplomáticos, não há um só documento classificado como top secret. Há o vídeo “Assassinato Colateral”, importante; mas foi classificado como “secreto”, não é top secret. Por isso, 3,5 milhões de pessoas tinham acesso àqueles documentos. Como se vê, todo o sistema de segurança é fragilíssimo. Assim sendo, a responsabilidade pelas fugas é dos serviços militares e de informações dos EUA.

De qualquer modo, pouco me preocupa a fragilidade do sistema de segurança. O que me interessa é que, sim, estavam a acontecer crimes. Mas a defesa de Manning começou por questionar: se aqueles documentos eram sigilosos e importantíssimos… por que não estavam protegidos adequadamente? Só depois de fixar esse primeiro argumento é que a defesa entrou no campo das dificuldades psicológicas do próprio Bradley.

Bradley é gay, o que não é um problema em si. Mas, pelo que se sabe, foi severamente abusado pelos colegas, desde o primeiro dia de serviço militar, por ser gay e ter baixa estatura. Todos conhecemos esse tipo de violência: Bradley Manning não tinha os atributos que os preconceitos associam ao “soldado modelo”. Sabe-se que o comando no qual estava alistado recebeu várias reclamações, dos chefes imediatos de Manning, que protestaram contra o facto de ele ser mandado para o Iraque. O facto é que o mandaram e, lá, foi posto na sala de computadores onde trabalhou. Sabe-se também que Manning escreveu e-mails sobre o assunto, e que pesquisou vários sites em que se discutem questões de género; que enfrentava problemas de identidade sexual; que considerou a possibilidade de inscrever-se para uma cirurgia de mudança de sexo. Algumas vezes, ao que se sabe, foi encontrado no chão, em posição fetal. Há outras informações desse tipo, no processo.

O que interessa observar é que a defesa de Manning não construiu um argumento político; não disse, até agora, que o soldado tem o direito, se não a obrigação, de denunciar publicamente crimes de guerra dos quais tenha conhecimento. Se o soldado leva os crimes ao conhecimento dos superiores imediatos, e não vê providências tomadas, é preciso denunciar tais crimes, por outras vias. Mas os advogados de Manning não adotaram essa via política de defesa.

A minha opinião é que a defesa está convencida de que o caminho que escolheu é o melhor para Bradley Manning. Estão a preparar o campo para, no caso de Manning ser condenado, haver fatores que possibilitem requerer reduções da pena.

É possível que a defesa tenha razão. Afinal, é difícil imaginar que um tribunal militar de justiça aceite que soldados revelem segredos, em todos os casos em que os soldados suponham que tenha havido crime de guerra.

Foi uma decisão dos advogados que estão a defender Bradley Manning. Como você disse, se tivessem optado por defesa mais fortemente política, o mais provável é que fossem destruídos no tribunal militar. Mas, se adotassem uma via mais política, conseguiriam mobilizar mais facilmente a opinião pública mundial. Talvez até, num determinado momento, sob forte pressão popular, o governo fosse forçado a conceder alguma espécie de indulto, ou perdão; talvez o governo ficasse em posição de não poder continuar a julgar Manning como criminoso, se as pessoas o vissem como herói. Aqui, já entramos no terreno da pura especulação. Eu talvez, como advogado, preferisse a linha mais política. Mas o advogado de Manning é experiente e está a conduzir as coisas como lhe parece melhor para o réu.

Sou advogado da Wikileaks e de Julian Assange, e todo esse julgamento nos interessa diretamente, por algumas razões muito importantes. Primeiro, como já disse e como o advogado de Manning também disse, o governo está a tentar forçar Bradley Manning a testemunhar contra Julian Assange. Manning foi torturado para que dissesse qualquer coisa que incriminasse Assange. Está a ser julgado com a fúria condenatória que se vê naqueles juízes, também para dizer qualquer coisa que incrimine Assange. Vai ser julgado em tribunal militar marcial, como mais um meio para tentar chegar ao mesmo objetivo. Por tudo isso, o julgamento de Manning é muito importante para nós.

E o julgamento de Manning também é importante porque os EUA estão muito fortemente empenhados em indiciar Julian Assange. Há um Grande Júri, uma corte federal instalada, pronta e à espera, em Alexandria, Virginia. Está constituída e suspensa há um ano. Não tenho tido notícias recentes, mas está aberta e em andamento, lá, uma investigação sobre a Wikileaks. Além disso, todos entendemos que o objetivo dos EUA é conseguir extraditar Julian Assange, seja do Reino Unido se permanecer lá; seja da Suécia, se tiver de voltar àquele país, na sequência de um processo ainda não encerrado, em que foi acusado de abuso sexual e violação. O objetivo dos EUA é conseguir extraditar Assange, para julgá-lo.

Há alguma razão pela qual seja mais provável extraditá-lo da Suécia do que do Reino Unido para os EUA?

Deixe-me só concluir o meu argumento, antes de falar sobre isso, que é muito importante.

Na tentativa de extraditar Julian Assange, um aspeto que a Corte Europeia considerará é como o fundador da Wikileaks será tratado nos EUA. Vão considerá-lo combatente inimigo? É pouco provável, mas é possível. Será posto em cela solitária e torturado, como Bradley Manning, deixado nu, sem poder ver ninguém? Isso com certeza é muito, muito provável, como todos sabemos. Será acusado de crimes para os quais a Lei Antiespionagem [Espionage Act] prevê pena de morte? Tudo isso será discutido no Tribunal Europeu, que decidirá sobre a extradição de Assange. Por isso, quando se analisa o modo como Bradley Manning está a ser tratado nos EUA, uma das defesas possíveis para Julian Assange será mostrar como os prisioneiros são tratados nos EUA.

Agora, sobre o que perguntou, acho que será mais fácil extraditá-lo da Suécia. Sei que na Grã-Bretanha (e conheço bem os advogados ingleses de Assange), a extradição não é fácil. Há advogados britânicos especialistas nesse tipo de defesa. Há o caso de um hacker que, muito jovem, invadiu os computadores do Pentágono. Os EUA tentam extraditá-lo há oito anos. E Assange tem muitos apoiantes na Grã-Bretanha.

Na Suécia, o governo é muito mais cooperativo com os norte-americanos do que muita gente pensa. No Reino Unido, o caso acaba de chegar ao Supremo Tribunal, ao qual só chegam casos que este queira julgar. A defesa de Assange foi apresentada a sete juízes. Foi muito forte, com um argumento muito vigoroso. Os advogados ingleses decidiram começar por debater as imperfeições do sistema sueco, uma discussão extremamente técnica. Um procurador sueco expediu o mandado de prisão, de extradição, contra Assange. Nos termos da lei sueca, só um juiz poderia fazê-lo. Não tenho dúvidas de que o tribunal britânico levará extremamente a sério essa discussão. E tenho esperanças de que Julian não seja mandado para a Suécia.

Qual é a base legal, ou precedente – se houver – para que Manning argumente, em sua defesa, que um soldado que descubra provas de que se cometeram crimes de guerra tem algum tipo de obrigação de tornar público o que sabe?

É precedente antigo. Pode-se rastrear a origem desse precedente até os julgamentos de Nuremberga. Há o precedente legal, nos termos da Convenção de Genebra, e também nos termos das nossas leis, nos EUA, de que não se podem nem cometer nem tolerar crimes de guerra. Se descobre um indício ou uma informação sobre crimes de guerra, você tem o dever legal de dar divulgação ao que sabe. Quanto aos EUA, em sentido geral, o soldado tem o dever de informar o superior imediato na cadeia de comando. Claro que é, na essência, inútil. Conheço vários casos de violação entre militares, de mulheres que denunciaram ter sofrido violação, aos superiores militares. E a situação das vítimas só piorou, foram perseguidas. Há casos de mulheres que tiveram de deixar a carreira militar. Imagine no caso de crimes de guerra. É gritar contra uma muralha. Não há saída.

Por tudo isso, não havia qualquer alternativa, para Bradley Manning, além do que fez. Sabe-se pouco – quase só o que foi noticiado – mas, segundo o que todos lemos, é fácil concluir que o problema, de facto, foi aquele vídeo, que mostra a morte de dois jornalistas da Reuters assassinados no Iraque, a partir de um helicóptero norte-americano, e as crianças feridas. Manning viu aquilo. E concluiu que tinha de divulgar.

Além disso, se se examina o que foi divulgado, e por que aqueles documentos eram considerados secretos… A maioria daqueles documentos só são considerados secretos porque os EUA querem esconder os seus próprios crimes, os procedimentos, as questões em que os seus embaixadores se envolvem, nos países onde atuam.

Tradução: Vila Vudu

1 Padre Philip Berrigan, padre católico e ativista dos movimentos antiguerra nos anos 1970s. Sobre ele, ver http://en.wikipedia.org/wiki/Philip_Berrigan [Nota dos Tradutores].

política: 
wikileaks
(...)

Neste dossier:

Guerra suja contra a Wikileaks e o ciberativismo

É iminente a decisão do Supremo Tribunal do Reino Unido sobre se Julian Assange será ou não deportado para a Suécia, de onde poderá ser levado para os EUA. Ao mesmo tempo, decorre a acusação de Bradley Manning, a alegada fonte dos telegramas da Wikileaks. Ações policiais têm sido dirigidas contra ciberativistas, como os Anonymous. Neste dossier, coordenado por Luis Leiria, passamos em revista esta ofensiva.

Assange: “Os ataques contra nós são reveladores”

Julian Assange fala sobre os ataques dos EUA à WikiLeaks, a liberdade de imprensa, e a decisão iminente do Supremo Tribunal Britânico sobre o seu recurso contra a extradição para a Suécia. Por Richard Phillips, World Socialist Web Site

A guerra suja contra a Wikileaks

As difamações dos média sugerem a cumplicidade da Suécia com um esforço impulsionado por Washington para punir Julian Assange. Por John Pilger.

Nos bastidores do processo contra a Wikileaks

Nesta entrevista, Michael Ratner, advogado da Wikileaks nos EUA, estabelece os nexos entre a acusação a Bradley Manning e a batalha jurídica contra a extradição de Julian Assange. Entrevista a Paul Jay, The Real News Network, publicada em Outras Palavras

Hackers decapitados

O FBI efetuou uma onda de prisões de hackers próximos aos Anonymous. Elas foram possíveis graças a um dos hackers, há alguns meses, ter mudado de lado. Ele foi infiltrado, já a serviço da polícia, no grupo Anonymous para conduzir operações de intrusão, especialmente contra a Stratfor. Por Pierre Alonso e Guillaume Ledit, Owni.

Plano da Polícia para Invadir o Pirate Bay

Pode estar iminente uma invasão ao mais conhecido e antigo site de partilha do mundo. Mas é pouco provável que a repressão consiga tirar o site do ar por mais que algumas horas.

Responsável pelo TugaLeaks constituído arguido

Rui Cruz, responsável pelo site Tugaleaks, foi constituído arguido e afirma não perceber de que está a ser acusado. Por Pedro Pinto, publicado no Pplware

Anonymous e a guerra de informação digital

Um católico que, no dia 5 de novembro de 1605, quase conseguiu fazer voar pelos ares o Parlamento inglês com 30 quilos de pólvora, com o rei James I dentro, é o rosto oficial de uma nova revolta ocidental. Sem se encaixar num rótulo tradicional, Anonymous realiza à sua maneira o desejo não confesso de muitos cidadãos do planeta. Artigo de Eduardo Febbro.