You are here

"Só iremos às eleições se houver verdade eleitoral"

A psicóloga angolana Palmira Africano de Carvalho é fundadora do Bloco Democrático, partido sucessor da extinta FpD.

 

A concentração da riqueza angolana nas mãos do círculo próximo do poder político contrasta com a extrema dificuldade por que passa o povo angolano. Como tem evoluído essa situação?

Esse núcleo está cada vez mais rico e a maioria da população cada vez mais pobre, com a sua condição social abaixo da linha de pobreza. Isso dificula a assistência médica e a educação dos seus filhos. Por exemplo, este ano há uma série de crianças que não conseguiram entrar para o ensino médio público e os pais não têm dinheiro para pagar um colégio. Vão ficar fora do sistema de ensino e no próximo ano serão prejudicadas porque as crianças mais novas terão prioridade.

Do ponto de vista político, assistimos a um compasso de espera e à expectativa da realização (ou não) de eleições. Qual é a vossa perspetiva?

Nas eleições passadas, o partido no poder teve maioria absoluta mas há muitos militantes do MPLA que já não querem que o seu partido tenha maioria absoluta. Eles deram conta de que isso beneficiou o núcleo detentor do poder e da riqueza e eles próprios, enquanto militantes, não tiveram benefício nenhum e muito menos o povo em geral.

Em relação às eleições há um problema, porque foi dado um golpe de estado na Constituição. Eduardo dos Santos sabia que nas próximas eleições, os militantes do seu partido nas legislativas votariam MPLA e nas presidenciais não o fariam. Por isso ele deu esse golpe de estado na Constituição: temos hoje um sistema eleitoral onde não há eleições presidenciais. O cabeça de lista do partido vencedor é automaticamente o Presidente da República. Não é o parlamento que o elege, como alguns tentam interpretar. A realidade é que pura e simplesmente não há eleições presidenciais.

Por outro lado, temos uma instituição prevista nas leis que é a Comissão Nacional Eleitoral. Deveria ser ela a conduzir todo o processo eleitoral. Mas não foi isso que se passou até há bem pouco tempo. O Ministério da Administração do Território tomou conta do processo eleitoral, fazendo o recenseamento, e agora é que resolveu entregar o processo à Comissão Nacional Eleitoral. A oposição sempre se bateu para que isso não fosse assim, mas como eles têm o poder fazem aquilo que querem, violando constantemente a própria lei.

Outro problema que se põe é o da presidente desta Comissão. Por lei, essa figura deveria ser um juíz, mas esta presidente já deixou de ser juíza há mais de uma década, exercendo entretanto advocacia até ser agora nomeada. A oposição bateu-se contra isso, mas o partido no poder insiste que ela deve ser a presidente da Comissão. É mais uma violação à lei mas vai ficar mesmo assim porque eles fazem da lei e do país o que bem lhes apetece, conduzem o país a seu gosto como se não houvesse lei.

Nesse contexto, a participação do Bloco Democrático nas eleições ainda não é uma certeza?

Com todas estas coisas a acontecer, presume-se que as eleições, mais uma vez, não venham a ser justas. A nossa posição é que se não houver verdade eleitoral, nós não vamos às eleições. O Bloco Democrático só irá às eleições se houver verdade eleitoral. Se não houver verdade eleitoral, nós não vamos às eleições porque a lei foi feita de tal maneira que o partido que não tenha o resultado que permite alcançar representação parlamentar, é extinto. Na outra eleição fomos extintos e tivemos de criar outro partido. A lei é omissa se podemos ou não manter o mesmo nome. Mas, por caprichos, acharam que não e nós tivemos de mudar de nome.

Legalizar um partido político em Angola é das coisas mais difíceis que existe. E na altura das eleições ainda é preciso recolher quase tantas assinaturas para suportarem a candidatura do partido. Se não houver verdade eleitoral, isto é muito esforço para nada… então a nossa posição é esta. Se não houver verdade eleitoral, nós não vamos a eleições.

Por outro lado, até agora dizem que as eleições são em setembro mas ainda não foram publicadas oficialmente, porque o decreto presidencial ainda não foi exarado.

Os protestos do ano passado contra o regime por parte da juventude foram um sinal de aumento da insatisfação?

A juventude está a ficar cansada, porque o problema é a falta de oportunidades, o acesso não igual para todos, quer seja para estudar ou para ter emprego. A juventude começa a dar-se conta disto e vão aparecendo alguns movimentos reivindicativos. Começam a manifestar-se e vão tendo algum apoio político. No nosso caso, vamos apoiando aqueles jovens que se manifestam e são detidos, os advogados do Bloco Democrático têm feito a sua defesa para que sejam libertos, apesar da Constituição prever que a greve é um direito e que não é preciso pedir autorização, mas sim avisar com a devida antecedência.

O partido no poder entende que não deve ser assim e então reprime esses actos, o que leva a concuir que o regime é opressor e repressor. Violando a Constituição, oprime e ainda por cima agride fisicamente, prende esses jovens e outras pessoas. Foram feitas ameaças, como a do secretário-geral do MPLA, da primeira vez que se falou destas manifestações, disse logo que "Angola não é como nos países árabes". Foi uma intervenção musculada e intimidatória.

Em Angola as liberdades continuam a ser violadas e postas em causa, em grande medida devido ao problema da Educação. As pessoas não aderem aos movimentos reivindicativos ou a manifestações de oposição porque têm medo de represálias. Como sabem que o partido no poder pode tudo e mais alguma coisa, as pessoas têm medo de perder o emprego, de não conseguir uma bolsa de estudo ou um trabalho porque tudo está condicionado. Isto vai enfraquecendo em certa medida o movimento reivindicativo, mas apesar de tudo há jovens que são persistentes e que continuam a movimentar-se nesse sentido, vão fazendo as suas reivindicações, também junto de empresas, com greves devido às condições salariais e sociais.

O grande problema é que ainda não temos uma sociedade civil forte. Os sindicatos não se podem considerar livres, estão todos comprometidos com o partido no poder. As outras organizações da sociedade civil também, agora que têm estatuto de utilidade pública, acabam por não fazer o seu papel e o objetivo para o qual foram criadas. Isto porque precisam de dinheiro para fazer alguma coisa e para conseguirem esse estatuto têm de se submeter às condições que  o regime impõe.

Com essa experiência tão difícil de luta política e participação eleitoral, como é possível continuar a fazer oposição?

A oposição tem de se fazer, quer eles queiram quer não. Nós não vamos ficar de braços cruzados perante aquelas violações todas. Já temos alguma trajetória de luta e isso leva-nos a ter consciência do nosso dever para com a pátria e o povo de continuarmos a lutar. Sofremos muitas represálias e retaliações mas isso não nos faz deixar de lutar. Continuaremos a lutar até que a democracia e o  estado de direito se instalem em Angola, porque a independência não veio para que tenhamos uma vida mais dura, mais penosa e mais difícil do que tínhamos no colonialismo.  Vínhamos duma tradição de ditadura deste o tempo colonial e com a independência a ditadura piorou. Este é um estado ditador e totalitário e nós não vamos ficar de braços cruzados a ver tudo isso como se nada se passasse. Temos de continuar a lutar, galvanizar a população para que fique consciente dos seus direitos e deveres e lutem por aquilo que querem.

O grande problema é a Educação. O regime não se preocupa em educar as populações para que elas não se tornem esclarecidas e consigam lutar pelos seus direitos. Então, vão fazendo aquele tipo de ensino, mas não vemos nem um filho dos dirigentes angolanos a estudar na escola pública, desde o pré-escolar à universidade. Não se admite que os filhos de todos os dirigentes de um país estejam a estudar nas escolas internacionais, escola francesa, escola americana, escola portuguesa e por aí fora… e cada vez constroem menos escolas para os filhos do povo. Mas para que eles possa pôr os filhos nessas escolas que custam cinco mil dólares por mês ou mais, o povo consente muitos sacrifícios. Ao menos que construíssem escolas públicas e pagassem bem aos professores, para que estes tenham vontade de dar aulas e o povo se instruísse. Porque se o povo não tem acesso à Educação, não pode haver progresso e desenvolvimento. Estes não se compadecem com a ignorância.

Quais as próximas iniciativas do Bloco Democrático?

Estamos a preparar-nos para as eleições, mas em desvantagem, não é? Há uma desigualdade porque o partido no poder já está a usar todos os meios do Estado. Não está em pré-campanha, já está mesmo em campanha com todos os meios do Estado. Nós estamos a preparar-nos, com muitas dificuldades também do ponto de vista financeiro, para participarmos nas eleições. Mas continuamos a dizer que se não houver verdade eleitoral, se o processo eleitoral continuar a ser conduzido como tem sido até agora, nós não vamos participar nas eleições. 

ESQUERDA.NET | Entrevista | "Só iremos às eleições se houver verdade eleitoral"

Artigos relacionados: 

Termos relacionados Internacional
(...)