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O primeiro-ministro não sabe ou é enganado pelo seu governo

Trocando por miúdos: Durante o debate de hoje, coloquei duas questões a que o primeiro-ministro respondeu provando que nada sabia do assunto ou que foi enganado pelo seu governo.

E vai uma.

A primeira foi sobre a entrega de dividendos da EDP e da REN às empresas de capital chinês e do sultanato de Omã que as compraram. Ora, a compra é feita em 2012 e elas vão receber dividendos pelos lucros de 2011. Não está certo, pois não? O primeiro-ministro concorda e respondeu-me que isso não tinha acontecido nem podia acontecer.

Mas já aconteceu. Na véspera, a secretária de Estado do Tesouro confirmou, perante uma pergunta do Bloco, que vão ser entregues 36 milhões de dividendos dos lucros de 2011 aos capitais que compraram a REN em 2012. E o mesmo vai acontecer na EDP (mais 110 milhões). O primeiro-ministro não sabe de cerca de 150 milhões que o Estado vai perder. É a árvore das patacas.

E vão duas.

Perguntei-lhe porque é que o governo pagou à Lusoponte o que a Lusoponte já tinha cobrado em portagens a quem atravessou a Ponte 25 de Abril em Agosto passado. O primeiro-ministro não sabia mas recebeu durante o debate uma mensagem do secretário de Estado dizendo que as Estradas de Portugal (empresa pública) tinham ficado com o dinheiro e o tinham por isso devolvido à Lusoponte. É falso. O primeiro-ministro não sabia e o secretário de Estado enganou-o, levando-o a faltar à verdade no parlamento.

O despacho de 21 de Novembro de 2011 do mesmo secretário de Estado esclarece que “as portagens [foram] cobradas e arrecadadas pela Lusoponte na ponte 25 de Abril durante o mês de Agosto de 2011”. Foram cobradas pela Lusoponte, que ficou com o dinheiro e nunca o entregou.

Mas acontece que a Lusoponte tem um contrato que previa que não haveria portagens e que portanto estabelece uma compensação para essa perda (4,4 milhões de euros para a perda de portagens em Agosto), além de uma pequena compensação para equilíbrio financeiro para os outros meses. Quando a Estradas de Portugal foi pagar essa compensação, descontou dela os 4,4 milhões que a Lusoponte já tinha “arrecadado” em Agosto.

A Lusoponte não aceitou: como o contrato (que é anterior ao início da cobrança de portagens em Agosto) determina que recebe 4,4 milhões em Agosto, reclamou o dinheiro, apesar de já o ter recebido. O governo decidiu pagar. A Lusoponte recebeu duas vezes: dos automobilistas e do governo.

O despacho do secretário de Estado diz mesmo: a Lusoponte “não se encontra obrigada a entregar à Estradas de Portugal o valor das portagens recebidas e arrecadadas no passado mês de Agosto”. Não se considera obrigada a entregar e não entregou o dinheiro.

Acrescenta o secretário de Estado: “Com efeito, entender de outra forma e assim atribuir à Estradas de Portugal o direito às receitas de exploração da Concessão Lusoponte durante o mês de Agosto, sem mais, poderia mesmo configurar uma violação do direito de exclusivo da Concessão Lusoponte”, ou seja, a criação de portagens em Agosto foi para financiar a Lusoponte e não para financiar o défice do Estado.

O primeiro-ministro foi enganado pelo seu secretário de Estado e também, para ser dita a verdade, tem pouca atenção a negócios destes. Entre os dois negócios de que falei, o Estado perdeu mais de 160 milhões de euros e alguém os ganhou. Mas porque é que havemos de nos preocupar com isso?

Sobre o/a autor(a)

Professor universitário. Ativista do Bloco de Esquerda.
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