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Os elefantes brancos e as suas carraças

O Estado esbanjou milhões em elefantes brancos, grandes obras que supostamente iriam trazer emprego. Olhando para os elefantes brancos podemos ainda encontrar as carraças que lhes sugam o sangue. Vejamos o caso do Europarque e da sua carraça, a Associação Empresarial de Portugal.

A história do nosso país pode ser contada seguindo a história de uma burguesia que sempre viveu à custa do Estado, ou seja, à nossa custa. Nessa história, podemos encontrar vários momentos em que o Estado esbanjou milhões em elefantes brancos, grandes obras que supostamente iriam trazer emprego, modernidade e prosperidade mas apenas trouxeram corrupção, miséria e parasitismo. Olhando para os elefantes brancos com mais atenção, podemos ainda encontrar as carraças que lhes sugam o sangue, vivendo à custa dos contribuintes que sustentam o seu desperdício. Vejamos o caso do Europarque e da sua carraça, a Associação Empresarial de Portugal (AEP).

Em 1995, foi inaugurado com grande pompa um parque empresarial em Santa Maria da Feira: o Europarque. Propriedade da AEP, custou 71 milhões de euros mas a despesa foi financiada quase integralmente por fundos europeus e um empréstimo à banca. O empréstimo foi avalizado pelo Estado, dado que o Ministro das Finanças da altura, Eduardo Catroga, estava sempre pronto a apoiar projetos de interesse nacional.

O grande edifício do Europarque foi criado de forma a poder receber congressos, seminários, conferências, concertos, feiras e outros grandes eventos. Garantiu-nos a AEP que este seria um eixo de desenvolvimento do país, porque, ao contrário do que afirmava o pai da Economia, Adam Smith, quando vários empresários se juntam numa sala só podem sair coisas boas da reunião. Estavam, portanto, lançados os dados para Portugal se tornar um país empreendedor e competitivo.

Mas em breve descobrimos que, uma vez mais, as autoridades públicas haviam apoiado financeiramente um projeto que serviu apenas para encher os bolsos dos parasitas. O Europarque está às moscas e o único ponto de atração relevante é o grande lago com carpas, que atrai muitos transeuntes que vão lá atirar umas côdeas de pão. A AEP inicialmente reagiu ao seu fracasso com uma fuga para a frente: se nos derem mais dinheiro, asseguram, poderemos expandir o Europarque e assim torná-lo competitivo. Agora, reage atirando-nos com a conta.

Conforme denunciou o Bloco de Esquerda esta segunda, a AEP recusou-se a pagar o empréstimo que contraiu junto de banca, no valor de 30.5 milhões de euros, tendo a banca executado a garantia pública. O governo, por seu lado, recusou-se a retirar da posição de fiador no ano passado, quando o poderia fazer sem consequências, pelo que assumiu o calote da AEP1. Explica o presidente da AEP, José António Barros, em entrevista ao Jornal de Negócios, com o descaramento típico dos empresários-carraças: “A partir do momento em que dou conhecimento aos bancos e ao Estado de que não vou pagar, o problema deixou de ser meu.”2

No verão de 2009, tive uma oportunidade de me confrontar com a carraça José António Barros, num debate público sobre a construção de um centro de congressos nos Jardins do Palácio de Cristal, no Porto. Assumindo que o Europarque tinha sido um fiasco, Barros avançava como a grande solução para o futuro da região norte a construção deste novo centro de congressos, uma obra já aprovada por Rui Rio, presidente da Câmara do Porto e amigo íntimo dos empresários-carraças, mas amplamente contestada. Barros chegou mesmo ao ponto de afirmar que a nova base da Ryanair (entretanto inaugurada) não seria criada no Porto caso o centro de congressos não fosse construído, como se os empresários viajassem em low-cost.

A meio do debate, visivelmente amuado face à oposição que enfrentava, Barros decidiu sair da sala. Soube depois por quem estava perto da porta que Barros ficou à porta a resmungar com “esta gente que não sabe o que é trabalhar”. Barros, como os seus comparsas Rio e Catroga, sabe o que é trabalhar. Só com muito trabalho, muito esforço, é que se chega ao posto de parasita do Estado. Afinal, a sorte, o compadrio e a cunha dão imenso trabalho.


 

Sobre o/a autor(a)

Ricardo Coelho, economista, especializado em Economia Ecológica
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