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Abdoulaye Wade contra o povo senegalês

A validação, pelo Conselho Constitucional senegalês, da candidatura às eleições presidenciais do atual presidente Abdoulaye Wade criou uma situação quase insurrecional no nosso país. Porque razão? Esta candidatura constitui uma violação flagrante da Constituição. Por Demba Moussa Dembélé
Protesto contra a candidatura de Abdoulaye Wade - Foto do site medelu.org

Na verdade, depois da sua reeleição em 2007, considerada fraudulenta por parte da oposição e uma boa parte da opinião, Wade tinha afirmado que não se poderia apresentar em 2012. Antes de se renegar publicamente.

É contra o aviso da quase totalidade dos constitucionalistas do país que os juízes do Conselho Constitucional validaram a candidatura do presidente Wade. Para muitos críticos, isto não deveria ser surpreendente, dada a composição do Conselho e os favores concedidos por Wade aos seus membros. Assim, o presidente desta instituição, Cheikh Tidiane Diakhate, viu o seu salário aumentado substancialmente por Wade. Segundo a imprensa, ele e outros membros do Conselho receberam recentemente novos veículos 4x4 e outras vantagens. É por isso que alguns dizem que a sua decisão é em parte resultado desta corrupção disfarçada.

Mortes na sua consciência

Um outro fator pôde pesar na decisão de Cheikh Tidiane Diakhaté e dos seus colegas: tinham presente no espírito, sem dúvida, a sorte reservada a Babacar Sèye, assassinado em 1993 após a eleição presidencial desse ano. Como se sabia, fortes suspeitas continuam a pesar sobre o presidente Wade como o principal mandatário desse assassínio crápula. Os seus detratores dizem que se ele o pôde fazer enquanto estava na oposição, hoje que está no poder tem todos os meios para encomendar outras mortes e de as disfarçar.

A decisão do Conselho Constitucional foi acolhida com violentas manifestações em todo o país. Em menos de uma semana, seis pessoas perderam a vida após encontros organizados para protestar contra a validação da candidatura de Wade. À parte o polícia caído, sexta-feira, dia 27 de janeiro, as outras vítimas foram abatidas a sangue frio pelas forças da ordem. Assim, Wade já tem seis mortes na sua consciência. Tendo em conta a determinação das forças vivas da nação e da grande maioria do povo senegalês, devem temer-se infelizmente outras perdas de vidas humanas, se Wade persistir em manter a sua candidatura. Se ele disse que não queria andar sobre cadáveres para aceder ao poder, ei-lo mantendo o comboio para permanecer custe o custar, isto em violação da Lei fundamental do país.

Interrogam-se muitos sobre as razões deste enfrentamento. Mesmo supondo que a Constituição lhe dá o direito de se representar, valerá a pena persistir face a uma rejeição tão massiva do povo senegalês? Para além do problema jurídico, coloca-se uma questão ética e moral fundamental: como aceitar que no século 21 um velho com cerca de 90 anos pretenda governar um país cujos mais de dois terços dos habitantes têm menos de 40 anos? Os chefes religiosos devem ter a coragem de olhar frontalmente Wade e de lhe dizerem a verdade: ele deve partir para evitar ao país um banho de sangue.

Uma saída pela porta pequena

Seja o que vier a acontecer, uma coisa é certa: a história fará um julgamento severo à presidência de Wade. Depois da imensa alegria sentida por milhões de senegaleses e senegalesas, a 19 de Março de 2000, quando ele foi eleito para a magistratura suprema contra o anterior presidente Abdou Diouf, ninguém teria pensado que se viveria um tal pesadelo. Wade aproveitou as conquistas democráticas, graças à forte luta do povo senegalês, para aceder ao poder e tentou seguidamente impor uma devolução monárquica deste poder.

Wade sairá pela porta pequena, tal como os seus predecessores, Senghor e Abdou Diouf, saíram pela grande. Senghor abandonou voluntariamente a presidência com uma idade menos avançada que a de Wade. Quanto a Abdou Diouf, teve a lucidez e a elegância de reconhecer a sua derrota em 2000 e de transmitir pacificamente o poder. Se ele tivesse escutado alguns falcões do seu regime, o Senegal teria vivido horas sombrias e ensanguentadas.

Para evitar alongar a lista das vítimas, é preciso que o presidente entenda a razão e renuncie à sua candidatura. Pois as forças vivas do país organizaram a resistência popular contra a violação da Constituição. Esta resistência legítima deve ser ampliada e ter o apoio do conjunto do povo senegalês. E os povos acabam sempre por ter a última palavra.

Artigo de Demba Moussa Dembele, diretor do Fórum Africano das Alternativas – Dacar – Senegal, publicado em cetri.be. Tradução de António José André para esquerda.net

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