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O pecado de ser mulher

O recém-nomeado penitenciário-mor da Santa Sé, Cardeal D. Manuel M. de Castro tem uma solução para o país – se é mulher, deve ficar em casa.

A propósito da sua nomeação, que consiste em pertencer a um “tribunal” que decide perdoar ou não os pecados mais graves que os sacerdotes não podem absolver, este Cardeal teceu considerações acerca da situação que o país atravessa, afirmando: “Acho que o país vai ultrapassar este momento, mas os governantes têm de ter a noção de que é necessário pagar o que se deve. Mas o maior problema de Portugal é outro…” Qual, pergunta o jornalista. E a resposta sai pronta: “O pouco apoio que o Estado dá à família. A mulher deve poder ficar em casa, ou, se trabalhar fora, num horário reduzido, de maneira que possa aplicar-se naquilo em que a sua função é essencial, que é a educação dos filhos.”

Ao contrário de outras vozes lúcidas da Igreja Católica, que acompanham a situação do povo que sofre com o desemprego, os cortes nos salários, os cortes nos apoios sociais, a fome que atinge cada vez mais famílias e clamam por justiça social, este Cardeal encontra nas mulheres o principal problema do país.

Elas trabalham, estão fora de casa, recebem um salário, têm independência… Começam por aqui e num instante estão no sindicato ou num partido político, até podem vir a ser deputadas, vereadoras, presidentes de câmara. Abandonam a sua principal função – educar e cuidar dos filhos e filhas. E já que estão em casa, tratam também dos idosos e dos homens, carregam com todo o trabalho doméstico e à noite não podem estar cansadas, porque, se verificarmos bem, isto não é trabalho, é a sua função essencial.

Em tempos de crise, quando o desemprego alastra, consumindo uma parte tão significativa do potencial humano do país, estas ideias sobem sempre à tona. Vêm devagar, parecendo quase inofensivas ou mesmo um disparate, mas revelam o pensamento mais retrógrado sobre as mulheres e o seu papel na sociedade. E acabam por somar a outras que nunca foram erradicadas: não contratar mulheres porque podem engravidar, porque terão sempre mais responsabilidades com os filhos e filhas, pagar menos a uma mulher, porque é mulher, embora desempenhe as mesmas tarefas que um homem, facilitar o seu despedimento, discriminá-la no local de trabalho, assediá-la, e por aí fora…

São as ideias inimigas da igualdade, são as ideias que oprimem as mulheres. São do passado, mas estão à espreita e merecem repúdio imediato.

Num momento em que as leis do trabalho são alvo de um brutal retrocesso, os direitos conquistados pelas mulheres, que protegem e defendem as mulheres no mundo do trabalho também estão em causa e por isso devem ter visibilidade nas lutas que se avizinham e na próxima Greve Geral.

Estas declarações, deste Cardeal, revelam um completo desligamento da situação que o povo vive e mostram como está preso ao pecado capital da Santa Sé, que trata as mulheres como cidadãs de segunda. Assim não há absolvição que lhe valha.

Sobre o/a autor(a)

Dirigente do Bloco de Esquerda. Vereadora da Câmara de Torres Novas. Animadora social.
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