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Desrespeito, autoritarismo e tecnocracia

Pela proposta aprovada pelo Governo, é imposta a extinção de mais de metade das freguesias urbanas e de 25 a 35 por cento das restantes. A resposta tem de estar à altura e bater no essencial: exigência absoluta de respeito pelas populações e pela democracia local.

Através do "Documento Verde", o governo lançou um debate público sobre a reorganização administrativa do território. Terá ouvido muita gente e diversas entidades, mas agora faz tudo como se não tivesse ouvido ninguém. É isto o que nos diz a proposta de lei aprovada em Conselho de Ministros na passada 5ª feira, acabada de chegar ao Parlamento.

Diz o diploma que, independentemente de todos os critérios demográficos ou outros, é imposta a extinção de mais de metade das freguesias urbanas e de 25 a 35 por cento das restantes, mesmo que a deliberação das respetivas Assembleias Municipais não vá nesse sentido.

Uma freguesia urbana terá de ter pelo menos 20 mil habitantes, sem se perceber qual o critério geográfico, económico ou social que suporta tal limiar. Boa parte dos municípios por essa Europa fora têm um número de habitantes inferior ao que agora está a ser determinado para as freguesias portuguesas.

Os pareceres das Assembleias de Freguesia sobre a reorganização territorial são completamente desvalorizados na proposta do governo. O desrespeito chega ao ponto de só poderem ser tidos em conta pelas Assembleias Municipais se estiverem conformes com os princípios e os parâmetros definidos para a eliminação de freguesias pela coligação governamental.

E se uma Assembleia Municipal ousar deliberar de acordo com a sua própria vontade e não segundo os iluminados critérios definidos pelo governo, a sua "pronúncia" (os pareceres municipais passam a chamar-se assim) será liminarmente varrida. O autoritarismo atinge um ponto de não retorno quando um município, mesmo aplicando os critérios da lei, não alcança o objetivo governamental de cortar metade das freguesias urbanas e 25 a 35 por cento das restantes.

De imediato, uma Unidade Técnica criada no âmbito da Assembleia da República, composta por cinco técnicos indicados, em sete, pela maioria parlamentar, estudará a situação, elaborará uma proposta de extinção/fusão das freguesias daquele município refratário, assegurando a conformidade com os parâmetros e objetivos do governo, e enviá-la-á para deliberação parlamentar. Por cima dos pareceres das Assembleias de Freguesia e Municipais. Para além dos deputados a quem compete apresentar projetos de lei. É a tecnocracia no seu melhor. A maioria PSD-CDS tratará do resto - votar.

Desrespeito pela democracia e pela vontade das populações, exercício do autoritarismo em nome da eficiência e recurso à tecnocracia como caminho para resolver problemas políticos, são todos os ingredientes da "mélange" neoliberal que estão contidos nesta proposta de lei do governo para a extinção/fusão de autarquias.

O choque que resulta da leitura da proposta de lei do governo é tal que resta perguntarmo-nos: afinal, que há de tão imperioso e dramático nas nossas freguesias que possa justificar tanto desrespeito e autoritarismo?

A resposta tem de estar à altura e bater no essencial: exigência absoluta de respeito pelas populações e pela democracia local. Por que esperamos para exigir a obrigatoriedade de consulta popular sobre as freguesias e referendos locais vinculativos?

É por aí que vamos. Contra a extinção sem prévia consulta popular. Em defesa da freguesia como elemento de identidade e de representação política da comunidade.

Sobre o/a autor(a)

Docente universitário IGOT/CEG; dirigente da associação ambientalista URTICA. Dirigente do Bloco de Esquerda
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