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O Mapa e o Território, de Michel Houellebecq

Houellebecq, neste livro, gosta pouco da vida e tem medo da morte. A morte é encenada ou um desaparecimento misterioso. A vida é triste, aborrecida. Tudo é ácido. Publicado por Francisco Louçã em nota no facebook.
Houellebecq, neste livro, gosta pouco da vida e tem medo da morte.

Nunca tinha lido nada de Houellebecq, que se faz passar pelo melhor escritor francês da actualidade. A Alfaguara, que o traduziu em português (na versão sempre competente de Pedro Tamén), afirma mesmo que é “unanimemente considerado como um dos mais importantes escritores europeus deste século”. Deste século ou do anterior, não sei, talvez dos dois. Unanimemente, isso também não sei. Em todo o caso, o livro recebeu o Prémio Goncourt.

Até agora, confesso por isso mais uma vez, fiquei de fora. O sujeito interessa-me pouco e irrita-me um pouco mais. É vaidoso e tonitruante e vagamente misógino. Fico sempre com a sensação que tudo isso faz parte da sua pose, boa estratégia para se fazer falado e comentado, portanto para agitar o mercado.

Escreveu um ensaio com Bernard-Henri Lévy, ex-maoísta, “novo filósofo” convertido à

direita, o que na minha modesta opinião ainda o recomenda menos. Só que, ao contrário de Maria Filomena Mónica, não me dou ao luxo de discordar de alguém sem o ler ou de menosprezar um texto só porque discordei alguma vez de quem o assina. Por isso, fui ler este “aclamado romance”, mais uma vez no dizer da editora.

“O Mapa e o Território” parte de uma boa ideia: um jovem pintor usa os detalhes dos mapas Michelin para construir as suas fotografias como obras de arte, na aresta ténue entre o mapa e o território. Por aí fica a sua inspiração.

Jed Martin, o pintor, encontra a fama junto com o amor por via dos mapas Michelin. Guarda o primeiro, ignora o segundo. Desinteressa-se da vida, pela qual passa calmamente, mais preocupado com a reparação da caldeira da sua casa e com o catálogo que um grande escritor vai escrever para a sua próxima exposição, do que com o mundo que o rodeia.

Só que esse prefácio ao catálogo vai relançar a sua carreira e fazer dele um homem rico. E aí começa a anedota do livro, o seu auto-sarcasmo: o escritor, grande escritor, cujas palavras vão ilustrar o pintor perante o mundo, é o próprio Houellebecq, retratado como um triste solitário, vagamente alcóolico, vagueando pela chuvosa Irlanda, mas misteriosamente genial, inevitavelmente divorciado e amargurado, mesmo alucinado.

Há algum humor neste auto-retrato condoído, e certamente bastante blasfémia em relação aos cânones da literatura, até porque logo depois Houellebecq colocará Houellebecq no centro do enredo policial com que termina o livro.

Só que é tudo postiço. A trama policial é absurda e uma mera anedota para o autor falar de si próprio. A arte de Jed Martin, o pintor, esvai-se sem sentido: ao longo dos anos nunca tem amigos e só tem três ideias e projectos artísticos ao longo de toda a sua vida. De facto, vive enclausurado, é um artista que ignora, com solidão e desfastio.

Houellebecq, neste livro, gosta pouco da vida e tem medo da morte. A morte é encenada ou um desaparecimento misterioso. A vida é triste, aborrecida. Tudo é ácido. Os encontros nos cafés, as figuras secundárias do livro, as histórias paralelas, tudo são ajustes de contas, com críticos literários, com jornalistas e jornais, com adversários políticos (Mitterrand é, na página 208, “essa velha múmia petainista”). De si próprio escreve Houellebecq: “Ele devia ter suscitado paixões amorosas, porventura violentas. Sim, considerando tudo o que sabia acerca das mulheres, parecia provável que algumas delas se tivessem tomado de amores por aquele destroço torturado que agora balançava a cabeça à sua frente enquanto devorava fatias de paté caseiro, que se tornara manifestamente indiferente a tudo o que podia parecer-se com uma relação amorosa, e provavelmente também a qualquer relação humana. ‘É verdade, eu não tenho mais que um débil sentimento de solidariedade para a com a espécie humana’, disse Houellebecq como se lhe tivesse adivinhado os pensamentos” (página 156). Está tudo dito.

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